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O software livre de Stallman

Software livre?

Pontos de vista. Ou talvez não.

Porque ao adquirir um computador descobrimos que a máquina está cheia de programas “privados”. “Descobrimos”? Em verdade não: nem pensamos nisso, é como se a coisa fosse normal.
É normal utilizar programas em versão trial: após o prazo é necessário pagar para poder continuar a utiliza-los.

Chegámos a um ponto no qual existem pessoas que desconfiam dos programas livres. É livre? Então não presta, com certeza será um produto inferior ou haverá algo que não funciona.

Há poucos dias ouvi “Utiliza Livre Office me vez de Office? Ahi minha nossa!”. Porque ainda hoje é Microsoft Office o programa mais utilizado para escrever. Apesar de:

  • ser complicado na formatação dos textos, nas intelinhas, na escritura dos parágrafos;
  • a presença de Clippy, a ajuda de Office que nunca diz coisas de jeito e aborrece;
  • as fracas prestações na criação de documento HTML, com códigos horríveis;
  • o problema da passagem entre documentos Office 2003, Office 2007 e sucessivos Docx (que não podem ser abertos com Word 2003, por exemplo), ao ponto que a mesma Microsoft foi obrigada a publicar um tool específico para abrir os ficheiros Docx, Xlsx e Pptx..formatação 
  • ter sido melhorado só após a chegada da concorrência: Open Office (e a Microsoft teve que gastar um dinheirão nas modificações).

Mas tudo isso não conta aos olhos da maioria dos utentes. Não conta ou nem sabem: para escrever há Word da Microsoft, ámen.
Na verdade é possível ter um computador perfeitamente funcionante sem gastar um cêntimos (além do custo da máquina, óbvio). E atenção: não apenas funcionante mas com prestações melhores. Perguntem aos utilizadores do ambiente Linux: dezenas de milhares de programas gratuitos, sistema operativo mais estável, sem problemas de assistência…

Pessoalmente nem lembro da última vez em que gastei dinheiro para adquirir um programa. Não há necessidade, só se o Leitor for um dependente da Microsoft ou outra empresa privada.

Pois ainda há quem pense assim: software livre. “Ainda”? Pois, ainda: porque os softwares nasceram livres, todos: as versões pagas chegaram mais tarde, quando alguém lembrou-se de tornar isso um mercado rentável.

O diário Público apresenta uma entrevista com Richard Stallman, de passagem na Universidade do Minho, em Portugal.

Americano, Stallman desenvolveu softwares quais Emacs, la GNU Compiler Collection e GNU Debugger, em 1985 fundou a Free Software Foundation (FSF). É, provavelmente, o mais acérrimo defensor da ideia de que o software que não seja livre (de forma simplificada, que não possa ser partilhado, analisado e modificado) é simplesmente imoral.

No início da década de 1970, tornou-se investigador no laboratório de inteligência artificial do MIT, onde acabou por tornar-se numa espécie de fenómeno de culto dentro da subcultura hacker. É hoje presidente da já citada Fundação para o Software Livre, a FSF.

Como se sentiu quando o software começou a adoptar um modelo proprietário?

Foi nos anos 70 que o software se tornou proprietário. Em muitos sítios, mas não onde eu estava. Eu estava a trabalhar no laboratório de Inteligência artificial do MIT, que era uma espécie de refúgio do software livre. Por isso, eu vi software proprietário, mas nós não o tínhamos. Aí, comecei a apreciar a liberdade que se consegue a partir do software livre. Mas essa comunidade morreu em 1981/82. E isso foi o que me levou a pensar seriamente no assunto e encará-lo como importante. Porque vi que software proprietário seria o meu futuro, se não fizesse nada.

Nesses anos, sentia-se…

Senti-me enojado.

Ainda se sente assim?

Sim. Ouviu sobre a história das drivers [software essencial ao uso] para a impressora? Pedi a alguém que partilhasse o código-fonte comigo, o que era a prática normal na nossa comunidade, e ele disse que tinha prometido que não o partilhava comigo. De facto, ele tinha traído os colegas. Não era só eu, era todo o laboratório que teria benefícios. Mas ele não nos tinha traído só a nós. Tinha prometido não partilhar o código com ninguém. Por isso, tinha traído o mundo inteiro.

Quando o software proprietário se tornou um modelo negócio estabelecido, pode-se argumentar que isso ajudou a criar mais e melhor software.

Não faz diferença. De que vale ter software tecnicamente melhor, se não respeita a liberdade? A conclusão a que cheguei é que não quero nenhum desse software. Não interessa o quão bom é tecnicamente… Ele muda e eu não quero essas mudanças em mim.

Às vezes abdica-se de liberdades para ter benefícios…

Não abdico dessa liberdade por nenhum benefício. Não vou usar um programa que não seja livre e nem sequer se pode confiar num programa que não seja livre.

Porque não se pode confiar?

Porque eles estão cheios de funcionalidades maliciosas. Fiz uma lista dos programas não livres mais usados. Quase todos os utilizadores de computador estão a usar alguns desses programas, que se sabe que são maliciosos. O que é que isto diz? Diz que quando o programador tem poder sobre os utilizadores, vai abusar desse poder. Não se pode confiar num programa que não seja livre. Mais precisamente, um programa que não inclui a “liberdade 1” [na lista de liberdades de Stallman, que não pode ser estudado e modificado] é potencialmente malicioso. E, nos casos mais comuns, sabe-se que é mesmo malicioso. Por isso, é-se idiota se se aceita software proprietário por causa das funcionalidades . As funcionalidades não podem justificar o modelo de distribuição sem ética.

Defende que é melhor não fazer software nenhum, do que criar software proprietário. Uma vez, numa entrevista, disse que, em vez de criar software proprietário, se poderia esperar até que alguém criasse software que fosse livre e que fizesse o mesmo. Não há o risco de se esperar demasiado para…

Não, não de todo. Eu prefiro esperar 50 anos.

Mas vai-se perder algo no processo de espera.

Não. Estaria a perder coisas pouco importantes e a manter a minha liberdade. Nessa pergunta, está implícita uma definição de valores e é aí que eu discordo. Essa pergunta é na verdade um argumento a dizer que devemos valorizar mais a conveniência do que a liberdade. Se é esse o caso, tem o direito a pensar isso, mas então porque estamos a falar? Qual é o objectivo da nossa conversa? Se esses são os valores, não há conversação possível.

É sempre possível confrontar valores.

Não quero ter uma conversa com alguém que tem valores diferentes dos meus. Porque as conclusões vão ser diferentes e não há nada para ser dito.

Não considera a hipótese de uma confrontação de valores produzir mudança numa das partes?

Não estou interessado.

Não estou a dizer que vai mudar. Pode conseguir mudar a outra parte.

Não creio que esta entrevista vá ajudar a fazer isso. Tenho o pressentimento de que se opõe àquilo que defendo e acho que vou parar isto.

Estou a confrontá-lo com visões…

Por favor, não me diga coisas para que eu as discuta.

Ligações: Free Software Foundation, GNU Operating System

Fonte: Público