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Viver no fim dos tempos

Fogo, que artigo comprido…tá bom, tem que ser. Porque é interessante, é um novo ponto de vista acerca do fim da nossa sociedade. Não “o fim do mundo”, nada de tão catastrófico: simplesmente, o fim de era.

Acerca disso acho existirem poucas dúvidas: o mundo tal como conhecido até hoje está a desmoronar-se. Como sabemos, começou com a queda do Muro de Berlim, depois houve a tentativa de implementar um único grande império (o dos Estados Unidos), agora parece que o futuro seja o da multi-polaridade: não uma única grande super-potência mas um mundo com vários pontos de referência.

Mas há mais do que uma mera revolução geopolítica: em discussão está o mesmo conceito de Capitalismo. Gostem ou não, nos últimos três séculos foi este o motor do mundo e ainda não conseguimos vislumbrar um possível sucessor. Mas o facto de não conseguir imaginar o futuro próximo não abranda um processo que não pode ser travado: o Capitalismo está a chegar ao fim, pelo menos nos moldes actuais.

Slavoj Zizek, filósofo e atento leitor do Ocidente contemporâneo, escreveu Viver no fim dos tempo, onde a questão não é “se” estamos no fim do capitalismo, mas “como” gerir a transição nesta altura tão delicada. O sentimento que cada vez mais domina a nossa época é a impressão de que o tempo está acabado.
Mas qual tempo? Começou quando? Quanto durou? Está a acabar o quê e que haverá depois?

O início do nosso tempo

O historiador francês Fernand Braudel, por exemplo, achava que o Capitalismo tinha começado com o nascimento da burguesia em Itália, por volta de 1000.

Max Weber achava que o Capitalismo tinha começado com a afirmação da racionalidade económica, com a afirmação do “número-peso-medida” e da contabilidade, com a previsão racional do tempo, do custo e do lucro, sempre na Italia mas desta vez por volta do 1400.

Outros, como Giovanni Arrighi e Immanuel Wallerstein, viam o início do Capitalismo no século sucessivo, perto do 1500, com os grande Descobrimento e, em última análise, o início do apetite imperial do Ocidente. Karl Marx colocava a acumulação primitiva do capital como premissa, que depois dá vida ao processo de reprodução constante que Marx chamava de “modo de produção burguês”, mas que nós definimos “Capitalismo”.

Em qualquer caso, seja com Marx, com Weber, com Braudel ou com Wallerstein, a modernidade é inseparável do Capitalismo e o fim dos tempos que estamos experimentando seria o fim do Capitalismo (e assim da Era Moderna), ou pelo menos de muitas das suas determinações estruturais.
Será?

Gobekli Tepe

Um salto atrás. Um salto comprido, diga-se: até a fronteira entre Turquia e Síria. Estamos agora num lugar chamado Gobekli Tepe. É este um lugar que excita os arqueólogos, definido como “a descoberta arqueológica mais importante” dos últimos 30, 50 ou 100 ano. Na prática, de sempre.

Desde 1995 até hoje, as escavações têm rendido mais de 40 monólitos, com 3 metros de altura em média, para 10 toneladas cada um, feitos de uma laje quadrada colocada verticalmente e uma laje quadrada colocada horizontalmente em cima da outra (portanto em forma de T). Os monólitos estão decorados com baixos-relevos com animais incríveis e são colocados um ao lado dos outros, em círculos: actualmente existem 4 diferentes círculos. Existe também um monólito solitário, com uma impressionante altura de 7 metros.

Sete metros não parecem muitos? Experimente o leitor endireitar uma pedra de 7 metros de altura com os instrumentos da Pré-História, depois podemos voltar a falar.

Mas as análises geo-magnéticas descobriram que no subsolo ainda há mais de 200 pedras enterradas E as análise do solo revelam que o complexo foi edificado quando na região havia bosques e lagos, ao contrário de hoje (uma planície estéril).
No entanto, em Gobekli Tepe não morava ninguém: o complexo monumental que necessitou de séculos de trabalho ininterrupto de centenas, senão milhares, de trabalhadores, artesãos, pedreiros, artistas, e quem sabe que outra coisa, era apenas um local simbólico.

Não sabemos qual a função do lugar: se um sitio religioso, astronómico, político, mercantil, cultural, ou se mais de uma coisa ao mesmo tempo.

O que interessa é o seguinte.

  1. não era uma cidade ou um lugar onde viver;
  2. teve que implicar uma massa de pessoas organizadas para a sua construção durante muito tempo e (possivelmente) uma número ainda maior de pessoas para as eventuais cerimonias;
  3. tudo isso foi feito numa época em que os nossos conhecimentos (antropológicos, históricos, arqueológicos) indicam que estas coisas não eram possíveis.
Gobekli Tepe foi edificada a partir de 10.000 a. C. e foi completamente enterrada, deliberadamente, sob toneladas de terra por volta de 8.000 a.C. E aqui encontramos outro aspecto interessante: a agricultura nasceu mesmo nesta zona, no famoso Crescente Fértil, mas apenas alguns séculos depois do enterro de Gobekli Tepe.

E então? Então não é verdade, como acreditámos até hoje, que descobrir a nova tecnologia de subsistência e os ciclos da agricultura foi criada a Revolução Neolítica, o nascimento das primeiras sociedades complexas, sedentárias , urbanas, sociais, com produções de elite, divisão do trabalho e tudo o resto. Gobelki Tepe demonstra que não é da agricultura que derivam as sociedades complexas: é exactamente o contrário. Em Gobelki Tepe antes houve uma sociedade complexa e só depois nasceu a agricultura.

É isso importante? Sim, muito. Por exemplo: resolve alguns problemas, incluindo o aparecimento quase contemporâneo da agricultura em lugares tão distantes como o Crescente Fértil, o Vale do Hindu, a China, um problema que tem atormentado estudiosos longos.

Gobekli Tepe foi construída por tribos de nómadas, ou melhor, tribos semi-nómadas possivelmente federadas num território comum, que os especialistas estimam ter tido um raio mínimo de 100 km e no centro do qual foi construiu o lugar simbólico de Gobekli Tepe. Utilizado durante um período de mais de 3000 anos, ficou na base dum sistema social muito complexo.

A agricultura, portanto, foi um adaptação dum sistema social complexo, já existente, e não foi a causa deste último. Mas donde surgia esta complexidade social que, em seguida, passou para o Paleolítico o Mesolítico, o Neolítico, até chegar aos nossos dias?

As explosões demográficas

Segundo Slavoj Zizek, a causa deve ser procurada  no simples aumento da densidade populacional.

Pela lei dos aumentos proporcionais, numa certa altura a densidade humana num dado território atinge patamares críticos, que dão origem a novos fenómenos, novas formas de organização. É uma maneira que homem tem de auto-organizar-se.

Um dos principais motores da história humana, não é a invenção, não é a tecnologia ou descoberta, não é a luta entre as classes: são todas estas coisas juntas na altura em que os homens se tornam muitos num lugar onde antes eram poucos. Mudam as necessidades e a resposta é uma nova organização, com a migração, com a invenção de novos sistemas.

A contribuição de explosão demográfica é múltipla. O Ocidente nasceu duma conflituosa união entre uma sociedade pacífica, sedentária e agrícola )onde hoje há os Países do Leste europeu) e povos nómadas e sem-nómadas, com armas, cavalos, patriarcais, caçadores e guerreiros que reunimos com o termo de povos indo-europeus.

Os indo-europeus, numa determinada altura por volta do 4.000 a.C., começaram a migrar da Ásia Central para a Europa, mas também para a Anatólia (Hititas), a Síria (o Mitanni) e talvez o Egipto (os Hicsos); empurraram os povos do planalto iraniano para a Mesopotâmia (os “misteriosos” Sumeros), trazendo uma nova religião (Vedas), em seguida, a linguagem escrita (o sânscrito). Talvez chegassem até a China, mas aqui a  história se torna muito confusa e conjectural.

Mais tarde, outra explosão demográfica, com os Gregos que migraram para a Anatólia e para a Itália, os celtas austro-suíços que fugiram até a Irlanda, os povos anglo-saxões, em seguida, dinamarqueses, em seguida, os Vikings, até a Inglaterra, criando precisamente a Terra dos Angles (os Angles eram um povo dinamarquês, daí o interesse de Shakespeare que faz dizer ao seu Hamlet “há algo de podre na Dinamarca “). E foi uma explosão demográfica, mas também político-cultural, a razão pela qual os puritanos ingleses, escoceses e irlandeses fundaram mais tarde os Estados Unidos da América.

Então? Assim, parece que as grandes eras do nosso passado foram duas: e agora estamos à beira da terceira.

A terceira era

A primeira era foi a do Paleolítico, de baixa densidade; a segunda foi o advento da complexidade em que os homens começaram a formar as inter-relações complexas, mantendo um estilo de vida semi-nómada, depois pararam para dar vida a aldeias, vilas, reinos, impérios, Estados-nação, construção de sociedades ordenadas pelo princípio da hierarquia, organizadas em torno da existência protegida pela força militar, regida pela força política, ordenado pela força jurídica, até homogeneizadas e consolidadas pela força cultural e religiosa

Hoje esta forma de adaptação humana alcançou uma nova descontinuidade, um novo limite. No século passado havia “apenas” 1,5 biliões de pessoas, hoje cerca de 7.000 milhões, um aumento nunca tão significativos em tão pouco tempo. Os tempos que estão a morrer e dos quais respiramos o cheiro doce da morte, são aqueles da época das sociedades complexas, que tinham chegado a uma ordem mundial com uma parte, o Ocidente, que domina e explora o resto do planeta . Poucas nações (meia dúzia, chefiadas por duas: Reino Unido e EUA) dominam todas os outros, quase 200.

E quando, no prazo de 2 ou 3 anos, a China alcançar sozinha o topo do ranking do Pib (e na altura o Ocidente decidirá que afinal o Pib não é um dado tão importante), então será claro para todos que a era acabou.

Mas como será a nova era, agora que já não podemos migrar ou matar uns aos outros como nos bons tempos idos? Sim, pode haver uma grande guerra, uma guerra global que reduza a população. Mas em qualquer caso seria uma solução temporária; cedo ou tarde (mais cedo do que tarde) o problema voltaria a aparecer.

Slavoj Zizek espera uma Era dos DMD.

Destruição, Morte e Desnutrição? Epá, que leitores mórbidos neste blog…Nada disso: Decréscimo, Mulheres e Democracia.

O Decréscimo é um tema bastante tratado neste últimos tempos: o mito do eterno crescimento não é sustentável, por várias razões, a primeira das quais é que o nosso planeta é um lugar “finito” e não “infinito”. Portanto, também os seus recursos são limitados..

Mulheres pois, segundo autor, a melhor maneira de organizar um sistema deve ser baseada na simetria. E, do ponto de vista social, a nossa sociedade é assimétrica, com uma parte ( a masculina) preponderante).

A terceira letra, a D, indica a Democracia, uma democracia na qual todos sejam ao mesmo tempo actores e realizadores.

Resumindo: nem o autor dos livro consegue imaginar um futuro viável…Mas há uma última sugestão que acho ser engraçada:

Devemos começar a construir o nosso Gobekli Tepe, talvez um Templo do Tempo, um lugar comum onde não há apenas o interesses económicos, onde a diferença relativa ao género, a opinião, a tradição cultural, cria riqueza e hierarquia, onde os indivíduos se colocam em círculo para conversar, discutir, trocar de ideias e, em seguida, decidir em conjunto como estar no mundo dos tempos modernos, a nova era.

A ideia dum novo Gobekli Tepe não é mal.
Talvez financiado pela Coca-Cola.

Nota:
Uma página em Português com material de Slavoj Zizek pode ser encontrada neste link: Slavoj Zizek.

Ipse dixit.

Fonte: Megachip