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A Anarquia Agrícola do Dr. McPherson

Guy McPherson é Professor Emérito de Ciências Naturais, de Ecologia e de Biologia Evolucionaria da Universidade do Arizona, onde foi docente e realizou pesquisas durante 20 anos.

Autor de mais de 100 artigos e dez livros, por muitos anos estudou a conservação da biodiversidade.

Mora numa casa de palha, pratica a agricultura auto-suficiente e orgânica, trabalha numa pequena comunidade rural. Pelo menos não pode ser acusado de não dar o exemplo.

No seguinte artigo fala de alternativas.
Interessante. Fundamentalista, utópico, mas interessante.
Boa leitura.

Rumo a uma economia da terra

Precisamos desenvolver um novo sistema económico, pois o sistema actual não funciona. O sistema industrial está a destruir cada aspecto da vida na Terra. E, até prova em contrário, sem vida na Terra não é possível sobreviver.

Vou descrever brevemente os horrores deste intrincado e devastador castelo de cartas global.
Vou tentar mostrar uma alternativa melhor, e não será difícil. Muito mais difícil seria encontrar uma alternativa pior. Modelos e tentativas não faltam. Vou tratar de duas delas: a Anarquia Agrícola e a Idade da Pedra pós-industrial.

O que não funciona?

A conta detalhada das avarias da economia industrial exigiria uma biblioteca inteira. Em resumo, os principais problemas são:

  1. o facto de que a disparidade entre ricos e pobres persiste, mesmo no auge do desenvolvimento industrial ocidental
  2. o excesso de população, num mundo que já está sobrecarregado
  3. as alterações climáticas sem controle, produtos do aquecimento global
  4. a destruição em massa da vida na Terra, com a extinção de centenas de espécies por dia, a perda de água potável e de solo fértil.

Em suma, como escrevi na mais importante publicação do sector:

O mundo moderno está forçando-nos a viver de forma imoral. Não há dúvida de que uma sociedade que escraviza, tortura e mata as pessoas, abusa da terra e da água necessários para a sobrevivência da nossa e de outras espécies é uma sociedade imoral, e todavia tudo acontece com a eficiência chocante do sistema económico, personificado no império americano.

A maioria das pessoas sabe que as grandes empresas de energia envenenam a nossa água, aquelas da agricultura controlam a nossa alimentação, aqueles do sector farmacêutico controlam o comportamento de nossos filhos, Wall Street o fluxo do nosso dinheiro, os grandes meios de comunicação controlam as informações que recebemos todos os dias, e os ricos ficam mais ricos, explorando a imoralidade do sistema.

Isso é como a América funciona. E, no entanto, ainda pensamos viver como boas pessoas boas na terra dos livres.

Deve ficar claro que a economia industrial está a tornar-nos doentes, mentalmente e fisicamente, e está a destruir os habitats das espécies vivas no planeta. Estou convencido de que é necessário acabar com este modo de vida, isto é, pondo fim a civilização industrial e substituí-la por uma mais saudável e durável alternativa.

Alternativas

Alternativas não faltam, e geralmente se encontram numa faixa que se estende desde agora até o estado da Idade da Pedra pós-industrial. Neste intervalo quero focar três pontos:

  1. o status quo, que deve ser derrubado se quisermos continuar a existir como uma espécie ainda por mais de uma década
  2. a agricultura agricola
  3. a Idade da Pedra pós-industrial.

O sistema actual: a economia industrial

A actual fase de desenvolvimento traz consigo uma enorme quantidade de problemas: superpopulação, o caos climático e a crise das espécies animais ameaçadas de extinção. É o principal inimigo que enfrentamos.
Devemos livrar-nos dele antes que seja ele a livrar-se de nós.

Considerando a velocidade com que o nosso sistema económico procede para o auto-destruição e a ausência quase total de debate nacional e internacional em como travá-lo, suspeito que a nossa sociedade irá cair na Idade da Pedra no prazo de anos, não décadas. Porém, as comunidades e os indivíduos têm sempre a possibilidade de escolher a Anarquia Agrária.

A Anarquia Agrícola

O anarquismo político ideal implica a ausência de coerção do governo e estabelece a associação cooperativa e voluntária dos indivíduos ou de grupos de indivíduos, como estrutura fundamental da organização social.

Este “relações de vizinhança” entre homem e homem e entre homem e natureza é o ideal original de Jefferson [um dos primeiros presidentes dos EUA, ndt] que estava na origem dos Estados Unidos. É também o modelo proposto por Henry David Thoreau e, mais recentemente, por pensadores radicais como Wendell Berry, Noam Chomsky, Howard Zinn e Edward Abbey..

Consideremos, por exemplo, alguns conhecidos passos de Jefferson:

O resultado da nossa experiência vai permitir que o mundo se governe sem um mestre
Eu prefiro ser expostos aos inconvenientes da excessiva liberdade que daqueles do seu oposto
Quando as pessoas temem o governo, é tirania, quando o governo teme o seu povo, é liberdade.

Embora Jefferson não se considerasse um anarquista, as suas palavras e os ideais que defendeu fortalecem a supremacia do indivíduo e dum governo “mínimo” que assista os cidadãos sem sobrecarregá-los. A etimologia grega e latina de “anarquia”, no entanto, sugere a completa ausência de governo. Isso não parece uma má ideia.

Como Jefferson, Henry David Thoreau defendeu o ideal de uma sociedade agrária perto da natureza. Thoreau era um acérrimo defensor da anarquia agrária e atribuía ao indivíduo ainda mais importância de que Jefferson:

O melhor governo é aquele que não governa, e quando os homens estiverem prontos, este será o governo.

Ao que parece, nenhum governo nacional acredita que estamos prontos.

No final do século XX encontramos uma série de outros filósofos que levantam a questão da anarquia agrária. Talvez os exemplos mais famosos sejam Wendell Berry, Noam Chomsky e Howard Zinn, mas a voz mais explícita nos anos anteriores a morte (1989) era aquela de Edward Abbey,:

Anarquismo não é uma fábula romântica, mas assumir a consciência, com base em cinco mil anos de experiência, de que não podemos confiar as nossas vidas a réis, sacerdotes, políticos, generais e questores.
O anarquismo é fundado na consideração de que, como poucos homens são capazes de governar a si mesmo, menos ainda são capazes de governar os outros
O verdadeiro patriota deve sempre estar pronto para defender o seu País do seu governo.

Nos meus sonhos, as nações industrializadas são direccionadas para a anarquia agrícola. Muitos Países têm vivido esta experiência por anos e podem mostrar o caminho. Quando uma região era de repente excluída do acesso aos combustíveis fósseis, a anarquia agrícola era a solução óbvia. O que mais dum forte sentido de autonomia e de laços no interior da comunidade poderia permitir que essas comunidades crescessem e distribuíssem alimentos? O que mais poderia permitir-lhes garantir o abastecimento de água e protegê-las das garras das multinacionais? De desenvolver uma estrutura social baseada no respeito mútuo e na confiança nos outros?

Ao contrário do nosso sistema, não precisavam do dinheiro: as contas eram saldadas por meio da troca. Melhor ainda, a economia agrária se encaixa perfeitamente com a economia da dádiva.

A Idade da Pedra pós-industrial

Por milhares de anos a espécie humana viveu em comunidades relativamente pequenas, em estreito contacto com a terra. Esses homens conheciam-se entre eles e conheciam as plantas e os animais com quem partilhamos o meio ambiente. Eles tinham impacto zero no solo e nos recursos hídricos que usavam. Passavam algumas horas por dia naquele que chamamos “trabalho”, para garantir o acesso aos alimentos, água e calor por parte de todos os membros da comunidade. Era um sistema de vida duradouro, caracterizado pela longevidade [não dos homens, ndt] e pelo impacto mínimo sobre o planeta.

Esta é a época que arrogantemente chamamos de “idade da pedra”.

A primeira forma de civilização desenvolveu-se alguns milhares de anos atrás. Era essencialmente ligada ao desenvolvimento das cidades.
Em outras palavras, a civilização é caracterizada por uma população humana demasiado numerosa para satisfazer as suas necessidades com os recursos locais. A cidade sobrevive graças ao ar limpo, água e alimentos saudáveis ​​que traz a partir do campo, bem como graças ao combustível necessário para manter a temperatura do corpo dos habitantes a cerca de 37 graus.
Em troca, as campanhas recebem ar sujo, água poluída e lixo.

Muitas pessoas civilizadas acham ser este um grande negócio, mas a realidade é que não pode durar para sempre, porque a abundância da natureza tem os seus limites.

A fase actual da civilização, a economia industrial, é um modelo não sustentável, em parte porque precisa de crescer para sobreviver. É como um corpo, que ou cresce ou morre. E o nosso planeta finito não pode sustentar um crescimento ilimitado.

A economia industrial necessita de fornecimento de petróleo pronto para o uso e de baixo custo. O petróleo é o sangue que corre nas veias das nossas vidas diárias. Os produtos petrolíferos permitem as viagens das pessoas, dos bens, das ideias. Sem combustíveis de baixo custo para o transporte de água, alimentos e materiais de construção, a economia entraria em recessão industrial.

Cada uma das cinco recessões registadas pela economia mundial desde 1972 foi precedida por um aumento dos preços do petróleo. Longe estão os dias do combustível barato. Globalmente, o pico da extracção foi alcançado em Maio de 2005. A ligeira diminuição na disponibilidade de petróleo, juntamente com a demanda crescente dos Países em desenvolvimento, como China, Índia e Brasil, abriu o caminho para subidas adicionais dos preços no futuro. Não importa que existam no mundo cerca de um trilião de barris ainda para serem explorados: o preço do combustíveis é a coisa mais importante para o crescimento das economias industriais.

Sem dúvida, os próximos aumentos de preço trarão o colapso do sistema e nós ficaremos com um bilhete de só ida para a Nova Idade da Pedra. Já o petróleo é tão caro que os bancos centrais e os governos nacionais não podem dar-se ao luxo de dar nem a ilusão de crescimento económico. Exactamente como em 2008, quando o preço do crude alcançou 147,27 Dólares ao barril.

Não é claro o que implicará o futuro. Tenho a sensação de que, no final do colapso actual, a taxa de mortalidade terá uma forre subida, de curta duração mas de larga escala. Então a energia proveniente das fontes renováveis ​​acabará, pois dependem de sectores baseados no petróleo: as baterias, a maioria dos painéis solares instalados nas residências e as turbinas eólicas têm uma vida útil de uma década ou pouco mais.

Quando a economia industrial entrar em colapso, e quando não houver mais oportunidades de gerar energia através das tecnologias renováveis, os seres humanos não poderão evitar de voltar a viver em estreito contacto com os seus vizinhos e com o ambiente natural, que permite a vida na Terra.
Isto significa que haverá uma colapso até a Idade da Pedra, embora equipado com uma tecnologia desconhecida na época do neolítico.

As ferramentas mais simples, como as facas, continuarão a ser útil por muito mais tempo. As tecnologias mais complexas, especialmente aquelas que dependem da electricidade, vai desaparecer da nossa memória.

Uma economia baseada na troca de presentes

Na actual fase de desenvolvimento industrial, a maioria das pessoas são obcecadas pela economia terciária (pedaços de papel verde com valor simbólico – dinheiro – e as componentes magnéticas dos cartões electrónicos). Poucos indivíduos concentram-se no sector secundário (os objectos que usamos no dia a dia), que está firmemente baseado no sector primário, fundamental mas descuidado.

Este último tem a ver com os materiais brutos que usamos para sobreviver. A fé nos símbolos da economia terciária desaparecerá quando as pessoas entenderem que existem poucas ferramentas que podemos utilizar (economia secundária) e poucas matérias-primas para obtê-los (economia primária). O resultado é que os símbolos perderão grande parte do poder.

A economia baseada na troca de presentes tem funcionado durante os primeiros dois milhões de anos da história humana e, com o colapso do sistema industrial, devido à escassez de combustíveis fósseis, está destinada a voltar. Seria bom usar a história como um guia para o nosso futuro sem combustível. O nosso sistema monetário é baseado na fé nos símbolos e dá a falsa impressão de que podem ganhar muito em troca de nada. Em vez disso, rouba o nosso sentido de comunidade.

As pessoas com muito dinheiro não têm necessidade de participar numa comunidade de pessoas. A riqueza permite comprar bens e serviços, e não precisam saber os nomes de quem lhes proporciona tudo isso. O mesmo vale para os nomes das plantas, dos animais, do solo, da água da qual dependemos para a nossa sobrevivência.

Em contraste, as pessoas pobres são fortemente dependentes dos vizinhos. Os pobres vizinhos rurais reconhecem que incluem os não-humanos, bem como os seres humanos. A verdadeira comunidade baseia-se no presente e o presente é o que nos fazem a terra e a água, que sustentam a nossa existência não menos do que pode fazer os outros seres humanos.

Um exemplo pessoal

Eu estava com as cartas vencedoras. Mas saí do jogo. Os meus pais fizeram os professores para uma vida. Tal como o meu irmão e a minha irmã. Em toda a família eu era o único a atingir o auge da educação. Com a idade de quarenta anos eu era professor na universidade. Virei as costas à aquela vida, que adorava, e muitas pessoas acharam-me louco. Virei as costas depois de ter tentado, em vão, mudar o sistema moralmente corrupto, quando percebi que era o sistema que estava a mudar-me.

Deitei fora as cartas quando percebi que o primeiro passo para destruir o sistema corrupto é sair. Como tinha nascido em cativeiro e havia assimilado os preconceitos normais dum mundo enlouquecido, sai mais tarde do que devia, e só mais tarde, muito mais tarde percebi a imoralidade do sistema. Grande parte desse atraso foi devido à minha incapacidade para determinar onde e como deixar o sistema. Tinha vindo a considerar o sistema económico industrial  nos seu pico uma coisa horrível, mas como era o único que eu tinha conhecido, eu fazia ideia de como sair.
Eventualmente, após vários anos de reflexão e duma tentativa abortada de escapar, junto com a minha esposa conseguiu construir uma nova vida, marcada pela anarquia em alguns pequenas propriedades agrícolas compartilhadas com outra família.

Depois de ter deitado as cartas na mesa, comecei a trabalhar com outras pessoas numa experiência de transição para uma economia da dádiva. Moro num pequeno vale onde o presente é a regra, não a excepção. Partilho uma pequena parcela de terra junto com outros seres humanos, patos, gansos, galinhas e plantas. Temos tentado, e ainda continuamos a seguir um estilo de vida que respeite uma alimentação saudável, a justa temperatura corporal, a partilha entre seres humanos.
Viver numa comunidade anárquica agrária nas fronteiras do império tornou-se responsável, comigo e com os meus vizinhos, humanos ou não.

Este estilo de vida é bem mais acima do que eu tinha anteriormente. Bebo água pura dum poço local, accionado a mão e não com painéis solares. Como alimentos saudáveis, orgânicos, cultivados em grande parte na minha propriedade. A minha casa está bem isolada e independente do ponto de vista energético, nunca uso energia de combustíveis fósseis. Conheço os meus vizinhos, humanos ou não, e eles me conhecem.

No fim, mais vale tarde do que nunca, consegui ver os horrores do nosso estilo de vida e abandoná-lo.

Só umas notas após ter visitado o blog do Dr. McPherson: é tudo muito engraçado, mas ficaria melhor se os livros fossem gratuitos e não pagos (ou, pelo menos, disponibilizados também online só para leitura); já que o Dr. McPherson vive na anarquia agrícola há alguns anos, o dinheiro deveria ser inútil nesta altura…também o facto de ter um blog, duas páginas no Facebook, Twitter…e as conferências no Michigan, em New York, na British Colúmbia, no Arizona: a cavalo? E na Nova Zelândia, com um barco de madeira ao sabor do vento?
Pormenores…

Ipse dixit.

Fonte: GuyMcPherson