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O custo da energia: o petróleo

Falar mal do petróleo é simples, os exemplos de poluição não faltam.

Mas aqui falamos de destruição, as sofrida pelos Países onde o líquido é extraído: Países pobres, que não têm relacionamentos de amizades com os grandes consumidores, que não ocupam áreas estrategicamente relevantes e onde as pessoas, mergulhadas num mar de preta riqueza, sofrem a fome.

A área do Delta do Níger é a maior zona fluvial da África,  a terceira maior do mundo. Tem uma superfície total de 70.000 quilómetros quadrados. Era um paraíso ecológico, um ecossistema onde a floresta, os pântanos e as curvas do rio representavam um equilíbrio perfeito que mostrava de forma clara a extraordinária beleza da natureza, que providenciava os instrumentos para que 20 milhões de pessoas pudessem viver da caça, de pesca e de agricultura.

Tudo isso no passado, pois hoje já não é assim.


No final dos anos ’50 (entre 1956 e 1957) foi descoberto o petróleo. As licenças foram adquiridas pelas companhias de exploração, em particular os anglo-holandeses da Royal Shell, e durante as sucessivas décadas ocuparam a área, extraindo e poluindo, com o silencioso apoio dos governos corruptos, “manobrados” também com o auxilio de pessoas próximas das companhias mas operantes nos partidos.

Como resultado, os povos de pescadores e agricultores foram afastados do habitat tradicional enquanto a exploração selvagem do território continuou sem mais obstáculos..

No Estado de Rivers (cuja capital é Port Harcourt, hoje “cidade do petróleo” com as maiores refinarias da Nigéria) a população afectada foi aquela dos Ogonis, hoje um grupo de 500 mil pessoas, que desde os anos ’90 começou uma dura luta contra o governo nigeriano e depois directamente contra as multinacionais do petróleo.

Em 1990 nasceu o Mosop (Movement for the Survival of Ogoni People, Movimento para a Sobrevivência do Povo Ogoni), liderado pelo escritor e poeta Ken Saro-Wiwa.

O movimento conseguiu chamar a atenção internacional acerca do problema do Delta do Níger: entre os pedidos havia aquele para utilizar os enormes lucros do petróleo para a população local, mais de 70% da qual vive abaixo da linha da pobreza. Ken Saro-Wiwa foi preso várias vezes, condenado e no final enforcado juntamente com outros oito activistas do MOSP no dia 10 de Novembro de 1995.

Claro que o assassinato dos líderes dos Ogoni, que ocorreu durante a sangrenta ditadura de Sani Abacha, teve um grande impacto internacional: a Shell aceitou pagar uma indemnização de 11 milhões de Euros para evitar um processo penal.

Desde o ano 2000 é também um activo grupo armado chamado MEND (Movement for the Emancipation of the Delta Niger, Movimento para a Emancipação do Delta do Níger), que ataca directamente as companhias petrolíferas e os funcionários delas. Desde o início, o MEND pediu que os estrangeiros abandonassem o território, a pena de morte.

No início deste mês, após uma trégua de quatro meses, o MEND voltou a atacar, desta vez com a destruição das condutas petrolíferas da zona de Brass, Estado de Bayelsa.

O sucessivo comunicado do movimento é explícito:

Pode parecer um episódio insignificante mas só serviu para lembrar que aqui estamos e que podemos bloquear a produção de óleo.

O presidente Goodluck Jonathan [actual presidente da Nigéria, eleito no Fevereiro de 2010, ndt], em vez de enfrentar os graves problemas que assolam a Nigéria, desperdiça os fundos públicos em informadores, espiões e bandidos que dizem ser ex-militantes do movimento.

Mas além de discursos vazios, essas pessoas não são capazes de ajudar Jonathan de qualquer forma. Na verdade a maioria deles fica escondida em Abuja e Lagos, e não se atrevem a visitar as suas aldeias de origem no Delta do Níger.

A British Petroleum está disposta a pagar 25 biliões de Dólares como compensação pelos danos ecológicos causados ​​pelo acidente que causou o derrame de petróleo no Golfo do México. Mas até agora os danos, bem piores, causados pelo continuo derrame de petróleo bruto foram pagos com a morte de populações locais por mão do exército nigeriano.

Um governo incapaz de gerir estradas, refinarias, centrais de energia e infra-estrutura básica, mais uma vez está a desperdiçar preciosos recursos públicos na comissão que foi encarregada de investigar a viabilidade da energia nuclear para produzir electricidade. Mas o governo da Nigéria não é capaz de eliminar os resíduos radioactivos.

Nós recomendamos que tomem muito a sério os nossos próximos avisos de ataques. Nós sempre alertamos para minimizar as baixas civis e dar tempo suficiente para a evacuação.

Um relatório publicado em Agosto de 2011 (Enviromental Assessment of Ogoniland, Avaliação Ambiental do Ogoniland) do UNEP (United Nations Environment Programme, Programa Ambiental das Nações Unidas) determinou que serão precisos pelo menos 30 anos de intervenções, algumas das quais urgentes, e muitos biliões de Dólares para recuperar o ambiente natural. E os danos deveriam ser pagos pela Shell.

Entretanto, conforme relatado pelo jornalista Osasu Obayiuwana do New African (a edição do passado Janeiro tem dedicado um especial aprofundamento acerca do Delta do Níger, com o título The Rape of Paradise), nada foi feito até agora.

O relatório do UNEP envolveu ao longo de 14 meses uma equipa que analisou mais de 200 locais, monitorizou 122 km de condutas, preencheu mais de 5.000 fichas medicas, encontrou-se com 23.000 pessoas, recolheu e analisou mais de 4.000 amostras do solo.

O relatório destaca o estado de poluição particularmente grave. A água bebida no local pelas pessoas está contaminada por hidrocarbonetos: 60% das amostras têm excedido o limite permitido.

Isso do Delta do Níger é uma vergonha contra a natureza e o homem. A ganância das corporações multinacionais (que é em última análise a nossa ganância, dado que somos nós a utilizar o petróleo e os seus derivados) e uma classe política corrupta permitiu décadas de destruição. É foi mais um acto de violência contra a África (claro, implementado com a cumplicidade dos Africanos) e contra o seu povo.
Foram feitas coisas que no “nosso mundo” nunca teriam sido possíveis. Nenhuma lei, nenhuma protecção para as pessoas, nenhuma ré-distribuição de (pelo menos) parte das grandes receitas: só muito dinheiro para muito poucos.

A Nigéria é o oitavo exportador mundial de petróleo e, simultaneamente, um dos Países mais pobres do mundo. Estima-se que foram acidentalmente derramados mais de 500 milhões de galões de petróleo no Delta do Níger (um galão é cerca de 5 litros). As canalizações para o transporte foram construídas no meio das aldeias ao longo dos rios que abasteciam de água potável à população, muitas vezes com materiais de escassa qualidade inferior e sem qualquer manutenção sucessiva.

E isso não acontece apenas no Delta do Niger.

Tudo isso é um custo do petróleo. Podemos não ter consciência disso, podemos não observar de forma directa as consequências, mas o custo está aí. E cedo ou tarde a conta terá de ser paga, disso podemos ter a certeza.

Ipse dixit.

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Fontes: AltreNews, Unep, Corriere della Sera

Imagens: The Atlantic