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Grécia: mais um passo

Uma breve actualização acerca da novela grega, pois merece.

A Grécia aprovou hoje o memorando de entendimento com a ‘troika’, que define um novo pacote de austeridade, condição essencial para Atenas receber o novo resgate: 130 mil milhões de Euros.

Primeira observação: lembro que este dinheiro não é uma esmola, mas um empréstimo que a Grécia terá que devolver com juros. Este “resgate” é uma manobra para substituir uma dívida com uma nova dívida.

Esta última apresenta condições mais vantajosas (até um certo ponto: 5% não é mesmo uma prenda…), verdade, mas sempre dívida é.

E vamos fazer duas contas:
1º resgate 110 mil milhões
2º resgate 130 mil milhões
total 240 mil milhões de Euros de dívida.

Com certeza, considerem isso já pago.

As medidas

Mas continuemos: eis as principais medidas aprovadas.

Salários
Corte de 22% do salário mínimo, que baixa de 750 para 586 euros. Para os jovens com menos de 25 anos, o corte será de 32 %. Fim dos aumentos automáticos, incluindo os baseados na antiguidade.
Pensões
Redução de cerca de 15% no valor das pensões complementares de reforma. O objectivo é conseguir uma poupança adicional de 300 milhões de euros através da diminuição do valor das pensões e pensões complementares de reforma mais elevadas.
Despedimentos
Até ao final do ano, serão colocados numa reserva de trabalho 15 mil funcionários públicos, que receberão apenas 60% do seu salário-base até serem demitidos, depois de um ano ou dois, sobretudo os que se vão aproximando da idade de reforma. O objectivo é reduzir 150 mil trabalhadores do Estado, aos actuais 700 mil, até 2015.
Saúde
Redução das despesas com medicamentos, no valor mínimo de 1,076 mil milhões de euros em 2012, e corte no pagamento de horas extraordinárias aos médicos hospitalares de, pelo menos, 50 milhões de euros.
Privatizações
Venda no primeiro semestre das acções nas empresas públicas de gás (Depa), água (EYDAP-Eyath), combustíveis (Helpe) e jogos (OPAP). O objectivo é encaixar 4,5 mil milhões de euros até ao final de 2012 com as alienações das participações do Estado, que arrancaram em Junho de 2011, e obter 15 mil milhões de euros até ao final de 2015.  

Outros

Poupança adicional de 325 milhões de euros a ser encontrada e implementada em consulta com a troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional).
Pessoalmente gosto: um plano inteligente que reduz os salários (sobretudo dos mais jovens, que têm de sofrer), baixa as reformas (parasitas, se tivessem um mínimo de amor pela Pátria teriam já organizado uns suicídios em massa), despede 150 mil trabalhadores do sector público (outros parasitas que não produzem), poupa nos medicamentos (justo, deixemos que seja a selecção natural a escolher os mais fortes da espécie), venda do Estado aos privados (um “must”), mais outra poupança adicional de 325 milhões de Euros ainda não encontrada (mas sabemos que o sadismo das Mentes Pensantes não tem limites neste sentido).
Difícil encontrar um plano melhor para relançar a economia e se eu ganhasse os Euromilhões apostaria tudo na rápida recuperação da Grécia, sem dúvida.

O plano define também um défice orçamental primário inferior a 2,06 mil milhões de Euros em 2012, para chegar ao final de 2013 com um excedente primário de, pelo menos, 3,6 mil milhões de Euros, que deverá subir para 9,5 mil milhões de euros, em 2014.

Considerem estes objectivos como já alcançados.
Democracia em alta

Nem tudo correu de forma tão simples no parlamento. A coligação governamental grega acaba de expulsar 43 deputados que rejeitaram a disciplina de voto e se opuseram às medidas.

Os socialistas do Pasok e os conservadores da Nova Democracia expulsaram, respectivamente, 22 e 21 deputados dos seus grupos parlamentares: porque democracia e liberdade de expressão são boas coisas, tudo bem, mas há limites, e que raio.

E nas ruas também houve problemas. A polícia fala em 15.000, mas a verdade é que foram no mínimo 80.000 os manifestantes que ocuparam Atenas e outros 20.000 em Salónica. Na capital, registaram-se confrontos com a polícia e pelo menos dez edifícios, incluindo um banco e um cinema, foram incendiados.

Em Atenas, há registo de pelo menos 20 feridos em confrontos com a polícia. Os incidentes começaram quando um grupo de manifestantes tentou furar o cordão de segurança em torno do Parlamento. A polícia recorreu ao gás lacrimogéneo. Os manifestantes fugiram para as ruas em redor da praça que se transformaram em campos de batalha: os manifestantes atiraram pedras e cocktails Molotov contra as forças anti-motim. Os confrontos duraram cerca de duas horas.

Mas claro está, devem ser uns drogados ou gente que costuma ouvir heavy metal e que não quer trabalhar, pois o bom Grego nesta altura já percebeu qual o próprio dever: sofrer, deixar que o País mergulhe numa austeridade sem limites, favorecer as grandes empresas privadas em detrimento dos interesses nacionais, e, logo que possível, entregar a soberania nas mãos dos estrangeiros (já pensaram na simpática Merkel? Acho que daria jeito).

Sobretudo: deixar que as mesmas pessoas e instituições que conduziram a Grécia até este ponto, agora apresentem as mesmas velhas receitas para salvar o País.

Ser parte da grande família europeia tem destas pequenas vantagens.

Ipse dixit.

Fontes: Diário de Notícias, Dinheiro Vivo
Imagens: Reuters / Yiorgos Karahalis