Crise: trabalhar mais?

Tempos feios? Trabalhar mais.
Eis a receita que muitos apresentam.

Se calhar é o caso de pensar no sentido deste “mais”. O quê significa? Mais horas?

Esta é a interpretação, por exemplo, do governo português, segundo o qual os trabalhadores do sector privado deveriam trabalhar mais meia hora por dia. De graça, claro.

Mas é mesmo assim que funciona? Trabalhar mais horas resolveria os problemas?

A resposta parece ser “sim”, pelo menos a resposta ditada pela lógica imediata. Mas atenção, a economia está repleta de paradoxos.

Adam Smith, por exemplo, gostava de repetir que o é egoísmo individual que cria a riqueza numa sociedade capitalista. Este mito foi definitivamente destruído com a crise de 2008, quando o egoísmo de poucos levou ao colapso a economia mundial.


Outro conhecido é o paradoxo da poupança de Keynes: o pensamento comum, pelo qual em tempos de estagnação as poupanças dos cidadãos ajudam a baixar os interesses bancários e estimular os investimentos, é um falso, pois acontece exactamente o contrário.

Depois temos a questão da crise e do horário de trabalho: o País produz pouco? Solução: trabalhar mais horas. Dito assim parece lógico: a crise provocou a redução de rendimentos e crescimento, trabalhar mais parece o “ovo de Colombo”.

Mas vamos ver.
O economista Richard Freeman estima que ao longo da passada década a oferta de trabalho (isso é, a oferta de trabalho, não de lugares de trabalho) duplicou, desde 1.46 biliões até 2.92 biliões. Resultado: salários mais baixos e desemprego mais alto. Mais: o excesso de oferta de trabalho reduz os investimentos e as inovações, que crescem quando a oferta de trabalho é escassa.

Porquê? Percebe-lo é simples.

1. Eu sou o dono duma grande empresa e preciso de 100 trabalhadores, numa zona industrial onde as outras empresas precisam de dependentes também. Os meus salários são baixos, pelo que os trabalhadores preferem ser empregue por outras empresas, que oferecem mais dinheiro. Isso significa que eu terei de oferecer mais, caso contrário nunca conseguirei os 100 trabalhadores (salários mais altos).

2. Se a minha empresa for sediada numa aldeia isolada de 200 trabalhadores? Então os meus salários poderão ser mais baixos, pois neste caso os trabalhadores não têm escolha e sou que que dito as regras do jogo (salários mais baixos).

3. Se a minha empresa for sediada numa aldeia isolada de 50 trabalhadores? Então todos teremos problemas: eu não conseguirei os 100 trabalhadores e a empresa poderá produzir menos. A não ser que eu aposte na inovação, desenvolvendo novas máquinas, por exemplo (investimento e inovação).

Actualmente os Países do OCSE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) vivem a segunda situação: muita oferta de trabalho, salários mais baixos, inovação reduzida apesar do grandes capitais (que ficam imóveis). Na economia neoclássica cenários como estes não são previstos, mas esta não é uma grande consolação: é mesmo o que se passa agora, com ou sem previsões.

Portanto, temos de acrescentar um cenário, o quarto:

4. A minha empresa está sediada numa aldeia de 200 trabalhadores e eu, em vez que assumir 100, peço aos meus 50 dependentes para trabalhar mais horas.

Entre todos, este parece ser a hipótese pior. Porquê?

Porque na aldeia haverá desemprego. Isso pode parecer um problema dos outros, não meu que sou empregador, mas não é bem assim. Porque a minha empresa produz queijo e se observar os gráficos de vendas posso perceber que o meu queijo vende cada vez menos.
As pessoas já não gostam do meu queijo? Fogo, é um bom queijo, produzido com o suor de 50 trabalhadores (e também com o leite de vaca, diga-se)!

O problema não é o gosto das pessoas, mas o dinheiro delas: as pessoas que não trabalham não têm dinheiro para comprar queijo.

Mas há outro problema, bastante grave.

Nesta aldeia isolada, quem trata da previdência social é a autarquia, que agora está perante dificuldades não pequenas: terá que pagar as reformas com um número reduzido de contribuições. Pois os trabalhadores, além de produzir na minha empresa, pagam as contribuições utilizadas nas reformas dos aposentados.
Mas com um número acrescido de desempregados? Nada de subsídios de desemprego e reformas mais baixas: o que para mim significa ainda menos queijos vendidos.

Ao longo dos últimos 150 anos os Países mais industrializados conseguiram manter o equilíbrio no mercado do trabalho com a continua redução do horário de trabalho e o aumento da produtividade (inovação).

Mas nos Estados Unidos, por exemplo, nos últimos tempos as horas trabalhadas aumentaram e nunca o desemprego foi tão elevado. Pensar nisso como um mero acaso é sintoma de visão perigosamente limitada, mas infelizmente é mesmo o que acontece: a melhor receita para sair da crise é actualmente “trabalhar mais horas”.

Mais uma vez, aposta-se tudo no aumento da oferta e abafa-se a procura.
E os queijos apodrecem.

Ipse dixit.

Fonte: The Guardian

3 Replies to “Crise: trabalhar mais?”

  1. Andam por aí a circular uns números GRANDES… não, não são os das fortunas das 8 Famílias em off-shores… são outros!
    Esses números "gritam" que serão necessários criar 600 MILHÕES DE NOVOS EMPREGOS até +-2020… é à zona… para o futuro próximo!

    No entanto a minha grave deficiência mental (já sinto saudades dos que me chamavam LOUCO!!) traduz os números de outra forma…
    blá blá blá serão necessários liquidar 600 MILHÕES DE ANIMAIS HUMANOS blá blá blá…

    Burgos… esta é uma indirecta lá para as contas da treta!!! eheh

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