Site icon

Equador: um novo caminho?

Na América do Sul, num cantinho, há um País esquisito: chama-se Equador.

Aqui na Europa o Equador é um lugar misterioso, no sentido que bem pouco é conhecido.

Aliás, a única coisa conhecida é que aí passa o equador, pelo que é possível imaginar os habitantes todo o tempo que perscrutam o céu para ver se a linha ainda esteja aí ou se já foi democraticizada pelos Estados Unidos.

O facto de ter sido origem de apenas 4 visitas em quase dois anos de blog, parece ser sintoma também dum certo atraso intelectual. E não venham com a desculpa do idioma, ora essa.

Na verdade o Equador é um pouco mais do que isso. E se calhar até o factor “atraso” terá que ser reconsiderado.

O Equador, neste momento, deve ser considerado um dos lugares mais interessantes do planeta, no sentido de que indica um novo paradigma de desenvolvimento. Mostra o que pode ser alcançado com vontade política, mesmo em tempos de incerteza económica.


Apenas 10 anos atrás, o Equador era mais ou menos um caso perdido, a quinta-essência duma república das bananas (por acaso, é o maior exportador mundial de bananas), caracterizado pela instabilidade política, a desigualdade, fraco desempenho da economia, e pelo impacto cada vez mais importante dos Estados Unidos na sua política interna.

Em 2000, como resposta perante a hiperinflação e os problemas da balança dos pagamentos, o governo teve a ideia de “dolarizar” a economia, substituindo o Sucre (a antiga moeda) com a moeda dos EUA: o que reduziu a inflação, mas não fez nada para resolver os problemas económicos fundamentais e limitou ainda mais o espaço para a política interna. 

A viragem veio com a eleição do presidente Rafael Correa, o economista. Após ter tomado posse em Janeiro de 2007, o seu governo inaugurou uma série de mudanças com base numa nova Constituição (a número 20 do País) aprovada em 2008 por um referendo. Uma característica distintiva das mudanças que têm ocorrido desde então é que as políticas mais importantes têm sido submetidas a referendos. Isso deu ao governo a habilidade de “mexer” nos interesses políticos das poderosas lobbies

O governo está agora mais estável e em breve se tornará o governo mais duradouro na tumultuosa história do Equador. Os índices de popularidade do presidente ultrapassam 70%. Tudo isso é devido a uma mudança na abordagem do governo, tornada possível por uma constituição notável para o seu reconhecimento dos direitos humanos e dos direitos da natureza, e a aceitação do pluralismo e da diversidade cultural. 

Consideremos apenas algumas das mudanças económicas surgidas durante os últimos quatro anos, começando com a renegociação dos contratos do petróleo com as multinacionais.
O Equador é um exportador de petróleo, mas tinha recebido relativamente pouco deste papel por causa da alta percentagem do preço que acabava nos cofres das companhias petrolíferas estrangeiras. Uma nova lei em Julho de 2010 mudou radicalmente as condições, aumentando a participação do governo de 13% para 87% na receita bruta. 

Sete das 16 empresas de petróleo estrangeiras decidiram sair, e as explorações foram ocupadas por empresas estatais: as receitas aumentaram de 870 milhões de Dólares em 2011. 

Em segundo lugar, e talvez ainda mais impressionante, o governo tem conseguido um dramático aumento dos impostos directos. Na verdade, este foi ainda mais importante do que a “revolução do petróleo”. Os impostos directos (impostos principalmente corporativos) aumentaram desde cerca de 35% no total dos impostos em 2006 para mais de 40% em 2011, melhoramento obtido graças a uma melhor politica fiscal por parte da administração pública. 

Terceiro: essas receitas aumentadas têm sido utilizadas também para o investimento em infra-estruturas e gastos sociais. O Equador tem agora a maior percentagem de investimento público em relação ao PIB da América Latina e Caribe: 10% do PIB é investido em obras em favor dos cidadãos. Além disso, os gastos no sector social dobraram desde 2006. 

Isto permitiu um progresso real em direcção aos objectivos constitucionais de educação gratuita em todos os níveis e acesso a cuidados de saúde gratuitos para todos os cidadãos. Aumentos significativos na construção residencial são a consequência do direito constitucional de todos os cidadãos a uma moradia digna, com conforto adequado. 

Existem muitas outras medidas: a expansão do emprego público, os salários mínimos mais altos e as medidas de segurança social para todos os trabalhadores, a diversificação da economia para reduzir a dependência das exportações de petróleo, a diversificação dos parceiros comerciais para reduzir a dependência dos EUA, o aumento das operações bancárias públicas para atender às necessidades dos empresários de pequenas e médias empresas, a revisão da dívida externa para reduzir os pagamentos dos juros, a anulação dos injustos acordos bilaterais de investimento, a reforma do sistema judicial. 

Uma iniciativa interessante é a recente Reserva da Biosfera Yasuní-ITT, talvez a primeira tentativa no mundo para evitar as emissões de gases de efeito estufa deixando o petróleo no lugar dele: debaixo da terra. Isto não só protege a extraordinária biodiversidade da área, mas também o habitat das povoações indígenas. O sistema propõe-se usar o eco-turismo para tornar as actividades humanas compatíveis com a natureza. 

Tudo isso pode parecer bom demais para ser verdade, e certamente o processo de transformação está apenas no começo. Existem grandes conflitos e os obstáculos não são poucos (como no caso da crise de 2010). Mas é sempre bom saber que há alguém, no Mundo, que não aceita ficar condenado no status quo escuro e sombrio, e que as empresas podem fazer as coisas duma forma diferente.

Relacionado: Equador: parar a dívida é possível 

Ipse dixit.

Fonte: Voci dall’Estero