Um péssimo acordo

Um artigo acerca de Portugal? Sim, hoje é o caso.

O governo e os parceiros sociais (mas o termo correcto seria “cúmplices”) assinaram ontem o Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego. Dito assim parece coisa boa e justa. Mas não é, é exactamente o contrário: faz parte do grande ataque que a classe político-económico-financeira perpetra contra as classes médias e baixas do Velho Continente.

Mas antes demais, vamos ver quais as principais medidas do documento, resumidas nas páginas do diário Expresso:

Tempo de trabalho
Possibilidade do banco de horas ser implementado por “acordo entre o empregador e o trabalhador”, isto é, sem negociação colectiva, intervenção sindical ou das comissões de trabalhador. Admite-se que esse banco possa aumentar o tempo de trabalho “até duas horas diárias ao período normal de trabalho, com o limite de 50 horas semanais e de 150 horas anuais”.

Os intervalos de descanso também podem vir a ser alterados. No caso do período de trabalho ultrapassar as dez horas diárias, deve existir uma interrupção mínima de uma hora e máxima de duas, “de modo a que o trabalhador não preste mais de seis horas de trabalho consecutivo”.

Medida razoável. As horas de trabalho podem ser repartidas de forma diferente: isso permite ajustar o horário às necessidades da produção.

Dois pontos importantes: 1. Os dias de trabalho com menos de 8 horas ficam pagos como um dia de trabalho completo e, para compensar, os dias de trabalho com mais de 8 horas são pagos sem acréscimos. Faz sentido, é compensatório. 2. A medida pode ser implementada sem consultar as comissões de trabalhadores. Mau, isso pode criar forte conflitualidade.

Trabalho Suplementar
O trabalho em dias de folga e feriados, assim como as horas extraordinárias vão ter uma retribuição muito mais baixa. E eliminam-se as compensações com tempos de folga. O texto torna mesmo “imperativo” a eliminação do descanso compensatório para os acordos colectivos e todos os contratos de trabalho.

Mas, além de perderem a folga de compensação, os trabalhadores perdem ainda retribuição por trabalho suplementar. Nas chamadas horas extraordinárias, os montantes pagos baixam para metade: 25% na primeira hora ou fracção, 37,5% nas seguintes caso o trabalho seja em dia útil; 50% por cada hora ou fracção no caso do trabalho extraordinário prestado em feriados, folgas ou fins de semana).

Também o trabalho em dia feriado passa a ser pago pela metade do valor que vigorava até hoje. O acordo de concertação admite, no entanto, que nesta situação os patrões possam manter “a possibilidade de opção pelo descanso compensatório”.

Isso é: trabalhaste num dia de folga? Ganhas menos do que antes. Ah, e perdes também a folga, assim aprendes. O descanso está previsto nos contractos? Sim, então? Perdes na mesma, ora essa, é “imperativo” (e se for imperativo não se brinca).

Sem tens sorte, mas sorte mesmo, o empregador pode dar-te uma esmola em termos de descanso, sempre que esteja bem humorado.

Feriados e pontes
O acordo prevê a redução de “três a quatro” feriados obrigatórios, mas não refere quais. Também deixou cair a ideia de que as mudanças nesta área seriam só para vigorar enquanto durasse o resgate financeiro ao país. Ou seja, os cortes passam a ser definitivos.

Simultaneamente, o acordo estabelece novas regras para as pontes: os patrões podem decidir encerrar as empresas nos dias de pontes (quando os feriados calhem a uma terça ou quinta-feira), descontando o dia de folga do trabalhador como dia de féria. A medida não envolve negociação, mas tem de ser “comunicado aos trabalhadores no início de cada ano”.

Eis uma medida com a qual concordo parcialmente. Nunca vi tantas “pontes” como quando cheguei em Portugal.

Pena que uma medida razoável seja arruinada pela segunda parte: as pontes decididas pelo empregador são contabilizadas como férias? Isso significa que o trabalhador não pode gerir a totalidade das próprias férias. E nem se pode discutir: a medida tem que ser apenas comunicada no início do ano (realce: a infinita bondade do empregador que comunica aos súditos quantos dias de férias serão desperdiçados em pontes).

Férias
Acaba a possibilidade de majorar em três dias as férias dos trabalhadores que não faltem durante o ano inteiro de trabalho

Concordo: os contractos são estipulados entre pessoas que querem trabalhar e pessoas empregam. Um trabalhador que não falte está simplesmente a respeitar o contracto que tinha assinado, não é um herói. Além disso, penalizavam-se aqueles trabalhadores obrigados a faltar por causas de força maiores.

Despedimentos
As mudanças envolvem dois tipos de despedimento: por inadaptação ou por extinção do posto de trabalho.

No primeiro caso, os processos tornam-se mais fáceis para o empregador, mais rápidos e os motivos alargam-se. Assim, deixa de ser obrigatória “a colocação do trabalhador a despedir em posto compatível” e passa o patrão a ter apenas de apresentar os motivos de despedimento “através de decisão por escrito e fundamentada”. Os prazos para que o processo de despedimento decorra serão, também, reduzidos e admitem-se novos motivos como fundamento de dispensa do trabalhador: perda de qualidade ou baixa de produtividade são dois deles. Mas há mais: “avarias repetidas nos meios afectos ao posto de trabalho ou riscos para a segurança e saúde do trabalhador, de outros trabalhadores ou de terceiros” também constam do leque de fundamentos para o despedimento por inadaptação.

Já o despedimento por extinção do posto de trabalho passa, de novo, unilateralmente para o empregador a capacidade de encontrar “um critério relevante” para definir qual ou quais os postos de trabalho a eliminar. E, de novo, deixa de ser obrigatória a colocação do trabalhador em posto compatível

Este ponto merece algumas palavras.

Em primeiro lugar: o desemprego aumenta, a percentagem de pessoas sem trabalho alcançou 13%, e o governo que faz? Facilita e acelera o despedimento. Já isso diz muito.

A seguir: esta é uma medida que terá como consequência imediata o entupimento dos tribunais. Porque a inadaptação do trabalhador é algo muito difícil de demonstrar com dados objectivos e “fundamentados”. Só se for o caso dum trabalhador que deita fogo à empresa (este sim, um caso duma certa “inadaptação”).

O trabalhador não respeita as normas de segurança e põe em risco as próprias saúde e seguranças? Despedido, e concordo.

Há avarias repetidas nos meios afectos ao posto de trabalho e o trabalhador é despedido? Não concordo. Porque antes disso seria preciso demonstrar que a empresa fez tudo (manutenção) para entregar ao trabalhador um posto de trabalho em condições. E isso significa mais processos nos tribunais.

Gravíssimo: despedimento por não ter atingido os objectivos.

Bastante grave: o empregador pode extinguir o posto de trabalho e não tem obrigatoriedade de colocar o dependente num posto compatível. Grave, muito grave. Os trabalhadores são equiparados às máquinas: já não presta? Sucata. Não pode ser assim.

Indemnizações
Vão mudar agora e mudarão ainda até Novembro deste ano, no sentido de uma aproximação à media dos países da UE. Por enquanto, as mudanças afectam os contratos de trabalho celebrados ante de 1 de Novembro de 2011 (altura em que foi criada nova legislação para novos contratos, que reduz para 20 dias o número de dias de trabalho contabilizados para cálculo da indemnização) e segue o seguinte princípio:

  • os trabalhadores têm direito à compensação devida nos moldes até agora em vigor, isto é um mês de compensação por cada ano de trabalho na empresa (contando com diuturnidades e rendimento bruto).
  • caso a compensação obtida seja igual a 12 anos de trabalho ou a 240 RMMG (116 400 euros), o trabalhador tem direito a indemnização prevista à data da entrada em vigor da nova legislação. Mas, mesmo que permaneça na empresa, não terá direito a mais compensações adicionais.

Caso o trabalhador não se encontre nestas circunstâncias (a indemnização seja de menor valor ou o tempo correspondente de serviço for inferior a 12 anos) o trabalhador poderá juntar a indemnização a que tinha direito, com uma outra, calculada já a partir dos dados da nova legislação.

As indemnizações diminuem. Vamos ligar esta medida às anteriores (despedimentos mais fáceis) e temos um quadro bem preocupante: perder o trabalho será mais simples e o dinheiro recebido será inferior. Nada mal, não é?

Resumindo: um mau acordo, com poucas medidas razoáveis e outras que representam um claro retrocesso e conferem ao empregador poderes que ultrapassam o relacionamento entre dono de empresa e pessoa que deseja trabalhar.

O maior sindicato português, a Cgtp, abandonou as negociações enquanto a Ugt assinou o contracto e, possivelmente, a própria sentença de morte. A justificação da Ugt, segundo a qual o acordo obtido é negativo e evita males piores (como o aumento em meia hora diária do horário de trabalho, coisas do 1800: até este ponto chega o governo…) é não apenas fraca como claramente ridícula: a Ugt, como qualquer sindicato, tem o dever de defender os trabalhadores e se o acordo for negativo não se assina e ponto final.

Este é um acordo que terá como consequências mais directas uma série de greves, mais causas nos tribunais do trabalho (os advogados agradecem) e que não resolverá os problemas da economia portuguesa.

Última nota: as escolhas do governo português seguem a filosofia dos governos ocidentais que continuam com uma visão míope da crise, apostando tudo na oferta e nada na procura. Dito de outra forma: acreditam que a solução passe por incrementar a produtividade sem ter em conta a capacidade de compra.

Produzir mais é uma boa ideia, mas se os cidadãos não tiverem dinheiro para comprar?

Ipse dixit.

Fonte: Expresso

6 Replies to “Um péssimo acordo”

  1. O trabalhador pode,num processo simples e expedito,por exemplo pegar-lhe no cu das calças e deitá-lo à rua,despedir o patrão por imbecilidade,incompetência,abuso de escravatura,etc.,etc….

    Um abraço,
    mário

  2. Ó MANADA: CONTINUEM A MUGIR E A PASTAR… DEPOIS NÃO VENHAM BERRAR…

    "No caso do período de trabalho ultrapassar as dez horas diárias, deve existir uma interrupção mínima de uma hora e máxima de duas,"
    Medida fantástica… para aqueles que já não suportam o/a Esposo/a… ou que já não têm paciência para aturar a Canalha… os putos… vá…os filhos! Assim só no "emprego" (plantação) passam no caso das 10 horas no mínimo 11 máximo 12 e juntando o tempo de ir e vir da plantação (local do emprego) para a barraca… Lá se vai mais de meio dia… O resto é para dormir… pois daqui a pouco tenho que voltar para a Plantação… senão levo chicotadas (corte de salário) LINDO…

    Trabalho Suplementar:
    Escravo da MANADA é mesmo para isto: trabalhar de sol a lua e quanto menos receber melhor…

    Feriados e pontes:
    "…Nunca vi tantas "pontes" como quando cheguei em Portugal…" MAX estamos sempre a aprender e a vislumbrar coisas NOVAS e BELAS que agora vão ACABAR… estão a ruir… tipo aquela que ruiu há uns anos e levou uns quantos… Agora estas Pontes também vão ruir e levar uns quantos!
    Mas a melhor desta parte é aquela cena de se num dia de "ponte" não considerado pelo Capataz como dia de férias o Escravo tiver a infeliz ideia de faltar sem justificação (caí e parti a cabeça; estava a acordar e vi que estava morto) TOMA… 4 dias de desconto na esmola (antigo salário): esta é das minhas favoritas…

    Férias:
    Totalmente em desacordo… DEVIAM ACABAR POR COMPLETO… fins-de-semana chegam e sobram… E mais a mais agora já nem há o Subsídio de Férias… Logo a figura de Férias está obsoleta… ACABEM COM AS FÉRIAS… NÓS NASCEMOS PARA TRABALHAR…

    Despedimentos: Não sabia que os Escravos tinham o Direito de ser despedidos…

    Indemnizações: Bem esta então… "Ainda vos dou uma ocupação para passarem o Tempo, desfrutarem a VIDA e ainda querem Indemnizações…" (pensa o Dono da Plantação)… "Estes Escravos são mas é TOLOS…"

    "Produzir mais é uma boa ideia, mas se os cidadãos não tiverem dinheiro para comprar?" Ó MAX… CARTÕES DE CRÉDITO… BOLHAS DE DÍVIDAS… SISTEMA BANCÁRIO…

    E enquanto isto as 8 FAMÍLIAS estão que nem podem com as dores nos abdominais de tanto RIR…

    Eu só quero um pouquinho de algodão… um pouquinho de algodão… um pouquinho de algodão!!!

  3. Olá Max: sobre modificações nas relações empregado empregador, sempre é possível ficar pior, quando o princípio que move a relação é tirar vantagem, quem pode. A medida que a situação dos trabalhadores se enfraquece (por motivos discutidos aqui a exaustão), o empregador se fortifica, e amplia sua margem de vantagens.
    Um pequeno exemplo brasileiro atual: F. trabalha faz 6 anos, desde os 17, na empresa J.em cargo de controle de qualidade de mercadorias.Entra as 5h30min da manhã, sai ás vezes as 5h30min da tarde, outras até as 11h da noite de acordo com as conveniências da empresa e também em feriados, conforme a "necessidade" da produção. Tem 10 min.diários para almoçar e outros 10 para lanchar, se ficar a noite.Ganha 1200,00 reais por mês, equivalente a dois salários mínimos por 45h.semanais, constante em carteira de trabalho, e o restante é hora extra taxada em 2reais a hora, independente se utilizar até 15 horas consecutivas de um trabalho que é ficar curvado frente a uma máquina que faz desfilar diante do seu nariz milhares de garrafinhas de água mineral e lhe compete visualizar a presença ou ausência de impurezas visíveis na água.Portanto para a fiscalização do ministério do trabalho só consta as 45horas semanais.O resto "é por fora", e ninguém denuncia porque quem o fez perdeu o emprego, que comparado aos demais na cidadezinha "paga bem", para quem tem apenas o segundo grau de escolarização. Obviamente desenvolveu sérios problemas de coluna vertebral, devido a postura, mas não tem tempo para se tratar porque é o único funcionário naquele posto de trabalho, e "a empresa não pode deixá-lo sair para qualquer consulta médica ou tratamento".Nem mesmo usar celular.
    Vocês me dirão que num país em desenvolvimento, e "com pleno emprego", isto é uma exceção!? E eu responderei sem medo de errar: Não, isso é a regra. Exceção é trabalhadores e patrões atuando dentro de regras legais e equilibradas, dentro de uma sociedade democrática, voltada para o bem estar social, como era a vida dos trabalhadores europeus nativos, diga-se de passagem. Abraços

  4. Continua a história de F. (segundo capítulo)
    Convenci o infeliz do F., cuja autoestima está abaixo daquela de uma mosca, a se matricular num curso técnico noturno para aprender a fazer alguma coisa que dê para o desgraçado ganhar a vida por conta própria.
    Como,se a escravatura dele não tem horário fixo?
    Vocês não tem ideia das vantagens de ter a mania de arquivar documentação da história da cidadezinha, coisa de aposentada que não tem o que fazer neste ciclo da vida. Além do mais sou extremamente simpática e explícita, e com uma simples, amena e agradável conversa com o dono da empresa, pronto, liberou-se o turno da noite para o rapaz, pois afinal esse menino não sabe se explicar. Se o bom dono da empresa, que já foi vereador e prefeito local, soubesse que o garoto queria estudar…ora…ora, já teria sido liberado a mais tempo. E viva a vida!!Salve a humanidade!! Abraços

  5. "…Se o bom dono da empresa, que já foi vereador e prefeito local, soubesse que o garoto queria estudar…ora…ora, já teria sido liberado a mais tempo…"

    ihihihihihih… Para isto precisava de saber, não, melhor… CONHECER, os escravos que para ele trabalham, falar com eles… bem falar é melhor não… senão distraía o moço e lá ia uma garrafa de água com uma caganita de pássaro para venda… enfim acho que não me expliquei lá muito bem… mas também… sou limitado… e escrever palavras não é o meu forte! Mas razão tens querida maria… é a REGRA… e como todas as REGRAS há excepções… e como excepções que são são muito muito poucas! Acho que os nossos 10 dígitos chegam para contar as excepções… ou será que posso também meter os "pés" na soma?

  6. A falta de comunicação muitas vezes é o buraco que a maioria se enfia, o medo que as pessoas tem em mostrar o que desejam é impressionante.
    Assim que o mundo está hoje em dia, medo e mais medo, é a industria do medo, da baixa autoestima, ninguém tem coragem por causa do medo de perder o pouco que tem.

    Abraços

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