Site icon

…a propósito: o Euro vai acabar. Em breve.

Um pouco de optimismo em molho europeu?
Sim, não faz mal, de vez em quando é bom sonhar. Aliás, os sonhos ajudam a viver. E se forem sonhos com boas possibilidades de realizar-se, ainda melhor.

Qual o sonho? O seguinte: a Zona Euro irá explodir.
Quando? Em breve. Acredito que em 2013 já não existirá. Pelo menos, não na forma actual.

The European Dream

Mas é este optimismo? Sim, agridoce mas sempre optimismo é.
Para quem, como eu, gosta da ideia duma Europa “forte”, claro que a notícia não pode ser considerada tão boa. Mas a verdade é que esta União não tem rigorosamente nada a ver com uma Europa entendida como união de Estados. E ainda menos parece uma Europa federal (este sim um autêntico sonho).

A Europa actual é um conjunto de poderes fortes que actuam sem o consentimento dos povos. E em caso de dúvidas, façam o favor de ré-lembrar como foi aprovada a tão falada “Constituição Europeia” (que depois constituição não é, mas enfim…). Lembraram? Muito bem.
E já que estamos em tema de recordações, tentem lembrar quem elegeu os membros da Comissão Europeia (pequena ajuda: mas alguma vez foram chamados a votar neste sentido?).

Tudo bem, basta com o passado e vamos falar do futuro.
A Zona Euro encontra-se numa situação esquisita: as Mentes Pensantes de Bruxelas e os servos mediáticos repetem que sim, há problemitos mas nada de grave agora. No máximo afirmar que existe uma remota possibilidade das coisas piorar, mas a maioria tem a certeza de que nada irá acontecer.

É quando aparecem estas certezas que as dúvidas deixam de ser tais e se tornam previsões.


Para os mais esquecidos: lembram de quando a pergunta era “Mas será que a Grécia precisa de ajuda?” e das respostas na altura? “Não, ora essa, a Grécia conseguirá ultrapassar esta fase sozinha”.
Lembram de quando a pergunta era “Mas será que Portugal precisa de ajuda?” e das respostas na altura? Os entendidos locais até acrescentavam “Não é possível comprar Portugal com a Grécia”.

Sabemos como acabaram as coisas. Por isso, quando alguém perguntar “Será que a Zona Euro deixará de existir?” e a resposta for “A Zona Euro conseguirá ultrapassar esta fase, ora essa”, bom, o destino parece traçado.

Coisas inéditas

Frédéric Lordon não é um economista qualquer. Porquê?
Porque ele é desde 2004 o Director de Pesquisa do Bureau d’Économie Théorique et Appliquée (Departamento de Economia Teórica e Aplicada) de Estrasburgo, além de ser regular colaborador de Le Monde Diplomatique (que Noam Chomsky indica como “melhor jornal do mundo”. Isso porque ainda não leu a Gazeta de Almada).

Temos de admitir: a capacidade de previsão de Lordon não é o máximo. Em 2008, enquanto a economia mundial entrava em coma profundo, o nosso publicava a obra-prima Até quando? Pôr fim às crises financeiras. Notável, sem dúvida.

Mas tudo bem, vamos ver o que diz o simpático Frédéric.

Se, como era possível prever em 2010 com o lançamento dos planos de austeridade coordenada, o resultado for o fracasso que leva a uma onda de defaults soberanos, imediatamente será seguido pelo colapso do sistema bancário […] e este, ao contrário do que em 2008, será irrecuperável, porque os Estados (que salvaram os bancos em 2008) estão financeiramente em pedaços. Em seguida, não haverá outra alternativa senão a emissão maciça de moeda ou a explosão da Zona Euro, caso o Banco Central Europeu (e a Alemanha) rejeitar a primeira solução.

Se…se…mas será? Haverá o colapso do sistema bancário após as medidas de austeridade? Provável. Não certo mas bem provável. E podemos reparar num sinal: o Banco Central Europeu já começou a emitir dinheiro, muito dinheiro para salvar os bancos.

Um fim de semana irá literalmente mudar o mundo e será possível observar coisas inéditas: reintrodução do controles dos capital, nacionalização ou mesmo requisições dos bancos, bancos centrais nacionais fortalecidos – medida que por si só marcará o fim da moeda única -, o abandono da Alemanha, seguida por alguns Estados satélites, o estabelecimento duma Zona Euro Meridional ou o regresso das moedas nacionais.

Quando isso irá acontecer? Ninguém pode dizê-lo com certeza (…) mas quando será reconhecida a recessão geral, resultantes da austeridade generalizada, quando os investidores poderão observar um aumento irresistível da onda de dívida pública, supostamente parados com as políticas restritivas, a consciência do impasse total fará que os operadores declararão uma “capitulação”, isto é, uma fuga em massa dos mercados, e para o jogo dos mecanismos de propagação criado pelo finanças liberalizadas, um deslocamento total do mercado de capitais em todos os sectores.

Quadro sombrio? Eh, um bocado.
A recessão é evidente. Em Portugal todos sabemos que 2012 será um ano de estagnação (eufemismo).
Em Italia e Espanha as coisas não estarão melhores (no caso italiano é prevista a queda do Produto Interno bruto). E as dívidas públicas voltarão a crescer.

Mas como? Não estamos a fazer sacrifícios mesmo para reduzir estas dívidas?
Meus senhores, vamos lá ver. Mas alguém acredita que um Estado, um Estado qualquer, possa viver apenas de cortes? Corta o ordenado, corta o subsidio, corta o serviço, corta o investimento, corta o benefício fiscal…quem produz? Como? Com qual dinheiro? E a quem vende?

Aumento dos impostos, cortes nos ordenados = mercado deprimido.
Marcado deprimido = menor receita fiscal
Menor receita fiscal = 1) mais impostos ou 2) dívida pública.

Não há outras alternativas. Pode o Estado aumentar ulteriormente os impostos? Sim, claro que pode. Aliás, se o desejo for o suicídio de massa sem dúvida esta é a melhor solução. Dito assim até parece simples.
Mas na verdade há limites também neste sentido:

  1. porque quando os bolsos dos cidadãos forem vazios, só é possível encontrar fundos com a emissão de nova dívida pública.
  2. porque ninguém empresta facilmente dinheiro a um Estado com uma economia deprimida, por isso o Estado tem que emitir nova dívida antes que esta possa tornar-se “indesejável” para os mercados, quando ainda for possível encontrar alguém disposto a emprestar dinheiro.

O Leitor emprestaria o seu dinheiro à Grécia? Não? E porquê? A resposta é a mesma que os investidores dão. Só que o problema da Zona Euro não é apenas a Grécia: há Atenas, mas há também Dublin, Lisboa, Roma, Madrid…Este é o mercado da Zona Euro hoje: Países falidos, outros perto da falência, depressão económica. Tudo isso não é a melhor forma de atrair investidores.

Euro ou União?

E se a situação não melhorar? Ou até se piorar, com a ruptura do sistema banqueiro? Ops…

A chamada “crise do Euro” não é primariamente uma crise monetária. Uma das singularidades dos acontecimentos actuais é que a moeda europeia não é rejeitada, nem pelos habitantes da área, nem por parte dos investidores internacionais, e isso é demonstrado pela paridade Euro-Dólar, que, apesar de algumas flutuações, permanece. É um facto: não existe (por enquanto) uma fuga do Euro. Se vai haver, vai acabar o desenvolvimento de uma crise cuja natureza é outra. O quê? A resposta é que é uma crise institucional.
É o quadro institucional da moeda única, como comunidade de política económica, que ameaça desaparecer devido à uma crise financeira que tem como epicentro as dívidas públicas e os bancos. Se explodir o Euro, será por causa de default de Estados que terão como consequência o colapso bancário, a menos que este não aconteça antes. Em qualquer caso, o coração do problema será mais uma vez o sistema bancário e a impossibilidade de deixa-lo arruinar, porque a ruína total do sistema bancário levaria em cinco dias para um estado de falta de economia. Mas isso não deve significar “recoloca-lo nos carris para mais uma volta”, sem alterar as regras.

O Euro não tem culpas? A responsabilidade é apenas institucional? Eu tenho uma ideia um pouco diferente acerca deste assunto. Mas é verdade que o Euro, enquanto moeda, existe e resiste. O problema, de facto, parece ser tudo aquilo que está à volta do Euro, que é…ah, pois: a União Europeia.

Mas aqui temos um problema: uma eventual crise bancária (inevitável em caso de “explosão” do Euro, e possível até independentemente disso) significaria o fim da economia. Exagerado? Não, quase certo. Porque a nossa economia foi moldada ao longo das décadas em volta do sistema bancário, um erro que agora pode custar muito caro.

Que seria das contas dos cidadãos em caso de colapso do sistema bancário? Como poderiam as empresas vender ou comprar mercadoria? E estes são apenas dois exemplos: na realidade o problema seria bem mais grave e insolúvel a curto prazo.

Ao longo do tempo deixámos que os bancos desenvolvessem um papel cada vez mais central na nossa sociedade: tudo funciona bem (por assim dizer…) até quando o sistema funcionar. Mas em caso de graves problemas não temos alternativas. Economia, Estados, afinal nós: somos reféns dos bancos.

O BCE? Minha nossa…

Na verdade, aproveito desta oportunidade para dizer que […] quase quase gosto da perspectiva deste colapso, porque pode criar a oportunidade de nacionalizar totalmente o sistema bancário (sem compensação). Dado um colapso do sistema bancário, a questão é qual será a instituição – na ausência dos Estados, arruinados – capaz de organizar a reactivação dos bancos para deixá-los retomar a oferta de crédito. Neste caso, há apenas um: o Banco Central Europeu.

O Banco Europeu? O BCE de Mario Draghi? Estamos arruinados…

Não terá apenas que proporcionar liquidez aos bancos (coisa que já está a fazer), mas terá que livra-los dos activos desvalorizados e recapitalizar. Escusado será dizer que, dada a escala do inteiro sector bancário, é uma enorme operação de criação monetária. O BCE está pronto para isso? Sob a hegemonia alemã, realmente não. Mas a extrema urgência de restaurar a integridade da circulação monetária e proporcionar o dinheiro para restaurar o funcionamento do sistema de pagamentos, exigirá um acção rápida. Isso significa que o gastar tempo para “falar com os nossos amigos alemães” ou “renegociar um tratado” não serão opções disponíveis.

Em caso de colapso do sistema bancário, o Banco Central Europeu deverá agir depressa: caso contrário os Estados terão que reforçar os próprios bancos centrais: isso seria absolutamente necessário para enfrentar os grandes problemas nos vários Países.
Sem esta tal “acção rápida” é evidente que a Alemanha, a primeira economia europeia, não poderia ficar numa União tornada anárquica do ponto de vista monetário. E seria o verdadeiro fim do Euro.

É assim que desaparecerá o Euro? Talvez. Mas este é apenas um dos possíveis cenários. Há outros.

Em Italia, por exemplo, muito esperam o default nacional nos próximos meses (as vozes falam do primeiro semestre deste ano). E a falência italiana, terceira economia europeia, é o pesadelo que assombra os sonhos das Mentes Pensantes de Bruxelas: onde encontrar o dinheiro suficiente para um resgate? Não há tanto dinheiro.

Isso sem falar de novos estados de sofrimento, agora ocultados, mas que podem emergir com violência: como no caso da França, por exemplo.

Enfim, um outro artigo pessimista?
Pontos de vista. É verdade que um colapso do sistema bancário seria uma “mini-apocalipse” do Velho Continente. Mas após a tempestade volta sempre o sol: neste caso, uma boa ocasião para reconstruir uma Europa. Sem Mentes Pensantes. E com bancos nacionalizados.

Ipse dixit.

Fonte: RDL