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Origens – Parte III

Então: já sabemos (ou pensamos saber) como o Universo foi criado.
Já sabemos (ou pensamos saber) como nasceram o Sol e os planetas do nosso Sistema Solar, Terra incluída.
Que falta? A vida.
Miller e a falsa atmosfera

Na década dos anos ’50, o cientista Stanley Miller pegou num garrafa, encheu com hidrogénio, metano, amoníaco e água. Depois condimentou tudo com descargas eléctricas para simular os raios (ou a radiação solar) e foi para casa.
Após uma semana, observou a garrafa e que encontrou? Compostos orgânicos, entre os quais aminoácidos e outros potenciais constituintes biológicos: Miller tinha encontrado os tijolos da vida numa garrafa com a atmosfera primordial da Terra!

Aplausos, festa, hip hip hurra. A vida nasceu sozinha. E ainda hoje nos livros de história encontramos este bonito conto. Que é falso.


Ninguém sabe ao certo qual a composição da atmosfera primordial. Miller, por exemplo, tinha excluído o oxigénio e hoje a hipótese é que houvesse oxigénio; além disso, havia muito dióxido de carbono, muito mesmo. E com o dióxido as reacções obtidas não teriam acontecido.

Para acabar: os aminoácidos são sim os constituintes-base da vida, mas não têm a capacidade de auto-replicar-se: dos aminoácidos até a primeira célula (que podemos definir como “vida”) o passo é enorme. É como comprar uma lata de tomate e gritar “consegui preparar uma pizza!”: não é assim, o processo é apenas o primeiro passo.

O mesmo Miller afirmou:

Obviamente são suposições, pois não sabemos o tipo de atmosfera que a Terra tinha na altura. Não foi descoberta nenhuma prova directa.

Journal of the America Chemical Society, 12 de Maio de 1955

Do céu

Então como surgiu tudo? Intervenção divina? Não necessariamente.
Os constituintes-base da vida encontram-se também em pedaços de rocha que costuma chover do céu, literalmente: moléculas orgânicas foram encontradas em asteróides. Por incrível que pareça, os “tijolos” mais elementares da vida estão presentes no espaço.

Isso ré-propõe, aparentemente, o mesmo problema da experiência de Miller: estes “tijolos” não têm a capacidade de auto-replicar-se. Mas com duas importantes diferenças:

  1. não é preciso “inventar” uma atmosfera específica para que as condições primordiais permitam o aparecimento de tais “tijolos”
  2. a queda de asteróides (e, por consequência, de material orgânico) era coisa muito mais frequente no passado.

“Quanto” frequente? Imensamente mais frequente.
A Terra formou-se da agregação de “pedaços” de rocha e gelo e após a formação, o planeta continuou a varrer a própria órbita, recolhendo outros pedaços ainda. Mais: o Sistema Solar estava cheio de detritos, por isso a chuva de asteróides deve ter sido imponente.

Temos “prova” disso? Temos: a Lua. A maior parte das crateras do nosso satélite remota aos primeiros tempos da sua formação, hoje quase não há impactos. E a Terra, com uma força gravitacional bem maior, deve ter atraído muitos mais detritos ainda.

Imaginem um jovem planeta, continuamente alvo de bólides do espaço, alguns dos quais com material orgânico: ao longo das centenas de milhões de anos, todo o material deve ter desaparecido sem deixar rastos, mas uma mínima parte, nem que tenha sido uma molécula, pode ter encontrado condições favoráveis para gritar “consegui preparar uma pizza!” (o que responderia também a outra pergunta: “qual foi a primeira refeição?”).

Quando e quem?

Mas quando apareceu a vida?
Resposta não há e provavelmente nunca haverá.

E quais foram os primeiros seres vivos?
Resposta: bactérias.

Vamos com ordem.
Descobrir o exacto momento quando apareceu a vida é impossível: no máximo podemos dizer quais os fósseis mais antigos, o que pode ajudar em perceber “mais ou menos” quando a vida fez o seu aparecimento.

Quando um ser vivo morre, o corpo dele fica a decompor-se. Mas quando as condições forem favoráveis, não desaparece por completo: pode deixar um rasto. Um exemplo básico, só para ter uma ideia: imaginemos um animal perto dum rio.

O animal morre e o corpo cai na lama. A lama cobre o corpo e após alguns tempos endurece: isso é, endurece à volta do corpo, pois os tecidos do animal ainda não foram decompostos.
Com o passar do tempo os tecidos orgânicos desaparecem, mas a lama já ficou endurecida com o “molde” do corpo. Este “molde” será depois enchido com outro material, mas entretanto o “molde” já criou-se. O geólogo, ao cavar, encontra o tal molde e pode ficar a conhecer as dimensões e os traços principais do animal que morreu. Este é basicamente um fóssil.

Os fósseis mais antigos são antigos mesmo: foram encontrados em rochas com uma idade de 3.500 milhões de anos. E eram fósseis de bactérias que comiam enxofre e não pizza, as mais antigas formas de vida do planeta localizadas em 2011 na Austrália.

Mas há indício de que as bactérias poderiam ter surgido muito antes: há vestígios de grafite (aquela coisa preta utilizada nos lápis), substância que é carbono puro e que pode surgir como “detrito” de material orgânico decomposto. Neste caso, as rochas com a grafite vêm da Gronelândia e têm uma idade de 3.900 milhões de anos.

Se assim for, a vida apareceu 600 milhões de anos após a formação do planeta, sob forma de bactérias primitivas. E, ao longo dos sucessivos 1.000 milhões de anos, no planeta houve só e unicamente bactérias, pois nenhum tipo de outro fóssil foi encontrado.

Isso significa que mais de um quinto de toda a vida da Terra foi dominada exclusivamente por bactérias: são eles, que ainda hoje existem e prosperam, os verdadeiros donos do planeta.