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O patriotismo de treta

Tá bom, pessoal, vou confessar: hoje era suposto não publicar nada.
A fadiga da viagem (do Tibete até casa é muito!), a idade avançada (os meus óculos! A minha bengala!) e uma série de doenças todas fatais que costumam acompanhar-me aconselhavam absoluto descanso.

Depois abri os diários online e que vi? Eh? Que vi?
Vi uma notícia que na verdade já tinha ouvido ontem na rádio. E é uma notícia bem portuguesinha, pelo que os Leitores não Portugueses podem parar aqui.
Pararam? Ohé, eu avisei, são coisas “de casa” estas.

Whatever. Vamos ver a notícia, do Correio da Manhã:

Um pescador de 64 anos ficou ontem à tarde ferido depois de ter sido atingido por um cabo que rebentou quando puxava as redes, obrigando a embarcação a parar no porto da Nazaré. Segundo fonte desta capitania, o homem ficou ferido na face e foi transportado para o Hospital das Caldas da Rainha. 

Que é isso? Ah, não é esta, lamento.
Vamos tentar outra vez. E as melhoras para o pescador.

Diário Público:

A Jerónimo Martins, dona dos supermercados Pingo Doce, anunciou hoje que a sociedade Francisco Manuel dos Santos vendeu a totalidade do capital que detinha no grupo à sua subsidiária na Holanda, mas mantém os direitos de voto

Ok, vamos ver o que isso significa.


A Jerónimo Martins é um grupo empresarial português de distribuição alimentar e indústria, presente em Portugal e na Polónia.
Aqui entre nós a empresa é conhecida basicamente por causa dos omnipresentes supermercados Pingo Doce, chocolate Hussel, café Jeronymo, gelados Olá e Unilever (Hellmann´s, Knorr, Lipton, Calvé, Azeite Gallo, Vaqueiro, Skip, Surf, Cif, Dove, Rexona e outros ainda).
Enfim, um dos grupos mais importantes do País. Grupo que agora abandona Portugal e passa a ser holandês. E esta não é uma boa coisa para a economia lusa.

Agora, vamos ler algumas das reacções entre os leitores do mesmo diário: 

Jorge Gabriel . 03.01.2012 08:44
Vamos fazer um boicote a estes. Comprem na concorrência que seja portuguesa – talvez seja difícil. 

Pedro Rosa . 03.01.2012 00:38
Assim se vê o patriotismo, pelo menos os impostos eram para portugal. Sao ricos com o aumento dos impostos continuariam a ser , mas não eles querem mais…. Acho estes senhores parecidos aos viciados em jogo … (quanto mais ganham mais querem) 

Rui Edgar Costa . 02.01.2012 21:52
Devemos privilegiar o que é nacional e paga impostos (como todos nós) em Portugal. 

Anónimo . 02.01.2012 21:50
O povo paga impostos. As grandes empresas não os pagam (cá pelo menos), nem sequer a CGD… 

Jose Otto . 02.01.2012 19:28
Este Senhor é o mesmo que,por diversas vezes,foi pregar moral para a televisão ;o Sócrates para ali ,os trabalhadores para acolá ,tudo na base dos bons princípios.Agora , é vê-lo a abandonar o esgoto ,borrifando-se para as condições em que o seu país se encontra.E tudo isto ,calculem ,para encaixar mais uns patacos.São desta têmpera os nossos brilhantes empresários!

Bom, este o teor da esmagadora maioria dos comentários.
Mas em verdade, em verdade vos digo: eu não apenas entendo o grupo Jerónimo Martins, como teria feito exactamente o mesmo.

Falamos de “patriotismo”? Ok, falamos de patriotismo.
É patriótico vender a empresa eléctrica do País aos Chineses?
É patriótico vender um banco nacionalizado aos Chineses?
É patriótico ser primeiro ministro de Portugal e convidar os cidadãos a abandonar o País para trabalhar no estrangeiro?

Leiam o seguinte (obrigado Dona Ivone):

Despacho n.º 1/XII — Relativo à atribuição ao ex-Presidente da Assembleia da República Mota Amaral de um gabinete próprio, com a afectação de uma secretária e de um motorista do quadro de pessoal da
Assembleia da República. Ao abrigo do disposto no artigo 13.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Serviços da Assembleia da República (LOFAR), publicada em anexo à Lei n.º 28/2003, de 30 de Julho, e do n.º 8, alínea a), do artigo 1.º da Resolução da Assembleia da República n.º 57/2004, de 6 de Agosto, alterada pela Resolução da Assembleia da República n.º 12/2007, de 20 de Março, determino o seguinte:
a) Atribuir ao Sr. Deputado João Bosco Mota Amaral, que foi Presidente da Assembleia da República na IX Legislatura, gabinete próprio no andar nobre do Palácio de São Bento;
b) Afectar a tal gabinete as salas n.º 5001, para o ex-Presidente da Assembleia da República, e n.º 5003, para a sua secretária;
c) Destacar para o desempenho desta função a funcionária do quadro da Assembleia da República, com a categoria de assessora parlamentar, Dr.a Anabela Fernandes Simão;
d) Atribuir a viatura BMW, modelo 320, com a matrícula 86-GU-77, para uso pessoal do ex-Presidente da Assembleia da República;
e) Encarregar da mesma viatura o funcionário do quadro de pessoal da Assembleia da República, com a qualificação de motorista, Sr. João Jorge Lopes Gueidão;

Palácio de São Bento, 21 de junho de 2011
A Presidente da Assembleia da República, Maria da Assunção Esteves.
Publicado
DAR II Série-E — Número 1
24 de Junho de 2011

Tradução: a Presidente da Assembleia da República acaba de atribuir a Mota Amaral, na qualidade de ex-presidente do Parlamento, um gabinete, uma secretária, um BMW 320 e um motorista.
Reparem na data de publicação, quando já se falava de “sacrifícios” e outras amenidades.

Por favor, tentemos ser sérios, pode ser? Este é o patriotismo da classe política portuguesa, a mesma que está sistematicamente a destruir o que ainda sobrar do Estado, a mesma que roga sacrifícios e sofrimento.

E eu, empresário, tenho que ficar em Portugal para quê? Para entregar os meus impostos a estes senhores? Mas porquê? Para engordar as filas daqueles que pensam que “comprar português ajuda o País” e que “temos de fazer sacrifícios agora para ficar bem depois”? Mas ainda acreditam nisso? Ainda não entenderam o que se está a passar?

E enquanto eu comprar português, o património português é vendido para o estrangeiro? Enquanto eu assumo a subida dos preços, dos impostos, a diminuição dos serviços, a queda das reformas e tudo o resto, eles distribuem BMW aos amigos de regime? É este o tão falado “patriotismo”?

Algumas notícias dos diários de hoje.
Ainda o Público:

O PSD apagou do relatório preliminar sobre as audições relativas aos serviços secretos, realizadas na 1.ª comissão parlamentar, as referências que indiciavam ligações de titulares de cargos de chefia e de direcção da intelligence à Maçonaria.

Diário das Notícias:

Luís Montenegro [líder parlamentar do Partido Social Democrata, ndt] faz parte da loja Mozart, onde está o ex-diretor do SIED [serviços secretos, ndt] Jorge Silva Carvalho, ao mesmo tempo que integra como suplente a comissão parlamentar que investigou as irregularidades nas secretas e que censurou as alusões negativas à maçonaria.

Notícias Sapo:

Quando, em 2003, cessou funções enquanto Ministro das Cidades, Isaltino [Isaltino Morais, autarca, ndt] declarou ter uma participação num fundo da UBS no valor de 47.869 francos suíços, cerca de 32 mil euros. Nessa mesma declaração, o autarca afirmava que esta conta não tinha sido mencionada no ano anterior, quando iniciou funções neste cargo, por lapso.
Em 2005, quando iniciou funções como Presidente da Câmara de Oeiras, as aplicações na UBS dispararam para os 369 284 euros.

Estas, repito mais uma vez, são apenas as notícias de hoje.

Tudo isso é patriotismo?  É por isso que uma empresa deveria ficar em Portugal? Eu, empresário, tenho que ver baixar os meus lucros para permitir que este circo possa continuar?

Limpem o País e depois será possível falar de “patriotismo”. Até lá, continuem com o silêncio cúmplice, com os votos para eleger estes criminosos, com os favores e com as “cunhas”, com as “espertilhices” do dia a dia e deixem trabalhar quem assim desejar, seja aqui ou num outro País.

Nesta altura, o único acto de patriotismo seria ocupar a Assembleia da República.
Tudo o resto é só conversa.
E acordem, s.f.f.

Ipse dixit.

Fontes: Correio da Manhã, Público 1, Público 2, Expresso, Notícias Sapo