Site icon

Abram os vossos olhos

E assim foi.

A reunião dos últimos dias da semana passada tinha que decidir a sobrevivência do Euro. Foi o que aconteceu: foi decidida a morte da moeda única. Mas não será algo de repentino. Pelo contrário, será uma lenta e dolorosa agonia. A não ser que um evento traumático qualquer venha a acelerar a implosão. O que não é possível excluir. Bem pelo contrário.

A Alemanha, com a cumplicidade do criminal Mario Draghi e a abismal idiotice do marido de Carla Bruni, conseguiu aí onde Hitler tinha falhado. Três tentativas no espaço dum século, duas vezes com o exército, uma com a economia. E, obviamente, foi esta última a bem sucedida, pois desta vez tudo aconteceu no âmbito democrático. Ainda uma vez a França assinou a própria derrota, ainda uma vez o Reino Unido fica de fora, para combater depois.


Mas atenção: atrás de Angela Merkel existe alguém. Tal como atrás de Hitler havia alguém. Ladrar contra a Alemanha seria como olhar para a ponta do dedo sem perceber que há algo além disso.
Vamos ver quais as novidades e tentar perceber como é que a Alemanha destruirá o Velho Continente.

O final da cimeira:

A estabilidade e a integridade monetária da União Económica e Monetária (…) Para atingir este objectivo, serão utilizados os resultados conseguidos nos últimos 18 meses, potenciado-os: o Pacto de Estabilidade e Crescimento reforçado, a actuação do Semestre Europeu que começa este mês, o novo procedimento para os desequilíbrios macroeconómicos e o Pacto euro plus (…) Se a Comissão relevar um desrespeito particularmente grave do Pacto de Estabilidade e Crescimento, irá exigir um documento programático de orçamento revisto.

…actuação do Semestre Europeu…
O Semestre Europeu significa que os parlamentos nacionais poderão examinar as respectivas finanças só após estas estarem aprovadas pela Comissão Europeia. E a Comissão Europeia é uma instituição formada por pessoas que nunca foram eleitas. São tecnocratas neoliberais que têm como dono as lobbies financeiras internacionais.
O Semestre Europeu foi pedido em 2002 pela lobby European Roundtable of Industrialists no memorandum ERT EU Governance, ERT Discussion Paper, May 30, 2002.
Em outras palavras: as que dizem terem sido decisões dos vários Monti, Passos Coelho, Sarkozy e companhia são na realidade ordens das lobbies privadas. Os políticos obedecem, com a Merkel no leme. 

Se a Comissão relevar um desrespeito particularmente grave do Pacto de Estabilidade e Crescimento, irá exigir um documento programático de orçamento revisto…
Se, após ter examinado as nossas finanças antes que os parlamentos tenham a possibilidade de fazer o mesmo, a Comissão decidir que estas não são tão agradáveis (e não é difícil perceber “agradáveis” aos olhos de quem), os governos serão obrigados a corrigi-las. A soberania do governo democraticamente eleito e do povo foi totalmente apagada.

o novo procedimento para os desequilíbrios macroeconómicos…
O novo procedimento para os desequilibrios macroeconómicos contem as sanções pecuniárias para os Estados que não obedecem. É o chicote que os tecnocratas de Bruxelas podem usar contra nós. Tal chicote foi pedido pela lobby financeira Business Europe em 2010 no memorandum Business Europe, The Madrid Declaration, June 11, 2010.
Após um ano e meio, eis a aplicação directa do desejo de alguns “especuladores” financeiros que podem condicionar centenas de milhões de vidas europeias.

o Pacto euro plus…
O Pacto Euro plus inclui as medidas neoliberistas contra os trabalhadores, as medidas para aumentar a idade da reforma, os cortes nos ordenados públicos, os cortes dos serviços essenciais e a obrigação de incluir nas Constituições a proibição de ultrapassar os limites de despesa pública.
É o fruto duma série de pedidos avançados pela Business Europe entre Junho de 2010 e 4 de Março de 2011, entregues à Comissão Europeia e consultáveis nos seguintes lugares: Corporate Europe Observatory, Business against Europe: Business Europe Celebrates social onslaught in Europe. March 23, 2011.

Os orçamento gerais das administrações públicas devem ser equilibrados ou excedentários (…) Esta regra também será incluída nos sistemas jurídicos nacionais dos Estados-Membros ao nível constitucional ou equivalente (…) Reconhecemos a competência do Tribunal de Justiça para verificar a implementação desta regra a nível nacional. 

É estabelecida a obrigação dos Estados Membro de ter um orçamento equilibrado, isso é: o Estado deve aplicar impostos iguais ao dinheiro gasto para nós ou, melhor ainda, ter o excedente (superávit), isso é: o Estado aplica impostos com os quais ganha mais do que gasta para nós. Estes empobrecimentos automáticos dos cidadãos devem ser tornados obrigatórios por leis constitucionais, como escrito no parágrafo acima, de acordo com as reivindicações da lobby Business Europe. O Tribunal Europeu de Justiça, que de acordo com o Tratado de Lisboa já tem supremacia sobre as nossas Constituições, tem o poder de vigiar, mesmo que não tenha sido eleito por nenhum cidadão europeu.

Os Estados-Membro submetidos ao procedimento relativo aos défices excessivos deverão apresentar à Comissão e ao Conselho, para aprovação, um programa de parceria económica que mostre em detalhe as reformas estruturais necessárias para garantir uma correcção verdadeiramente sustentável dos défices excessivos. A implementação do programa, e dos documentos de planeamento orçamental anual de acordo com ele, será monitorizado pela Comissão e pelo Conselho. Será instituído um mecanismo para a relação ex-ante dos Estados-Membro sobre os respectivos planos anuais de emissão de dívida.

Se um Estado Membro for considerado negligente, deverá preparar um programa no qual se empenha em penitências de despesa pública definidas como “reformas estruturais”: cortes nas reformas e serviços, mais impostos, deflação dos ordenados, etc.

Estas deverão ser implementadas sob a vigilância dos tecnocratas europeus ou de chefes de governos estrangeiros que ninguém elegeu (ver caso Mario Monti). Pior: a partir de agora, até as emissões de dívida (os Títulos de Estado) serão antes julgadas pelos tecnocratas e só depois permitidas. Isso é: nem a mais básica das operações de despesa soberana será permitida.

Logo após a Comissão achar que um Estado Membro ultrapassou o limiar de 3%, serão accionadas consequências automáticas a menos que uma maioria qualificada de Estados-Membro da Zona Euro tome medidas contrárias. Serão adoptadas as medidas e as sanções propostas ou recomendadas pela Comissão, a menos que a maioria qualificada dos Estados-Membro da Zona Euro seja contrária.

Se um Estado Membro se atreve a criar deficit e gastar para os seus cidadãos, isto é, dar-lhe mais dinheiro do que ele conseguir com os impostos, além do já ridículo limite de 3% do PIB, haverá automaticamente sanções económicas decididas pela Comissão Europeia, que poderão ser travadas somente se os Estados Membro chegarem a um acordo por maioria qualificada. Este é o paradoxo anti-democrático pelo qual, para evitar as chicoteadas de empobrecimento decididas pela Comissão não eleita, os representantes democraticamente eleitos terão que conseguir um fadigoso acordo. Inteiros Estados soberanos (!) para bloquear alguns burocratas nas mãos das lobbies financeiras. 

Em relação aos recursos financeiros, estamos de acordo sobre os seguintes pontos: (…) vai ser re-examinada a idoneidade do máximo global do FESF/MES de 500 mil milhões de Euros em Março 2012 (…) Estamos ansiosos por contribuições paralelas da comunidade internacional.

Eis o desastre do Euro como moeda insustentável que os mercados recusam até o ponto de fazer falir inteiros Estados. É precisa uma explicação: o que são estas FESF/MES?

Em síntese isso: são fundos de dinheiro que a Zona Euro está a reunir na tentativa de salvar da bancarrota os Países mais em crise, como Grécia, Portugal, Italia e, futuramente, França. Porque devem ser salvos? Porque adoptaram o Euro, a moeda que nenhum Estado pode emitir e que todos os Países da Zona Euro têm que pedir emprestada aos grupos de investidores privados. Mas estes investidores não confiam em financiar os Estados do Euro, em particular os mais fracos, pois cada investidor empresta dinheiro com a esperança de que o devedor possa um dia reembolsar o empréstimo (e não num dia qualquer, mas no prazo estabelecido).

E dado que nenhum Estado do Euro pode emitir Euros (pelo contrário, são obrigados a pedi-los emprestados), os investidores têm medo de que estes Países não possam reembolsar a dívida. Pelo que, pedem taxas de juro muito elevadas, uma medida lógica para compensar o maior risco. Obviamente os Países já enfraquecidos não podem enfrentar taxas de juros dignas da usura, pelo que deslizam alegremente até a falência (chamada “default” porque é um pouco mais elegante).

Então qual a solução encontrada pelas Mentes Pensantes de Bruxelas (com o bem estar da Alemanha que tem isso como objectivo)? Outras dívidas, definidas como contribuições paralelas, que constituem os fundos de resgate FESF/MES, pensando que os investidores sejam todos uma cambada de idiotas e não percebam o esquema.

Além do facto de que 500 ou 1.000 biliões de Euros como resgate são um nada (para salvar os Países em crise seria preciso quatro ou cinco vezes mais), o problema é outro:

  1. Mas porque temos de viver em Países onde cada Euro tem de ser implorado aos bancos, seguros, fundos árabes, tubarões-investidores?
  2. Mas porque as Mentes Pensantes de Bruxelas não seguem os conselhos que todos os operadores financeiros do mundo estão a gritar há meses?

A austeridade não paga, a única medida para (eventualmente) salvar o Euro é um Banco Central Europeu que faça o Banco Central: monetizar as despesas, sem limites, sobretudo em caso de emergência.

Para que os mercados possam acalmar-se do pânico, devem poder confiar de que não sofrerão falências estatais ou perdas enormes, e só o Banco Central Europeu tem o poder de emitir Euros por tempo indeterminado, o que pode fornecer segurança. Mas os mercados sabem que isso não será feito.
(Financial Times, 09 de Dezembro de 2011)

Percebido? O BCE pode e deve salvar os Estados do desastre do colapso económico e do empobrecimento de milhões de famílias, mas não fará nada disso, então os mercados continuarão a atingir a Zona Euro.

Draghi está a trabalhar em parceria com a Alemanha tentando teimosamente colapsar a Europa, e aproveita do pânico dos mercados que, no fim, provocará precisamente o colapso.

É improvável que Draghi mude as suas políticas, e isso torna muito provável que as agências de rating cortem as avaliações de alguns Países do Euro.

(Jens Larsen, estrategista chefe para Europa do RBC Capital Markets).  

Resumo:

  • A cimeira foi uma farsa inútil que os mercados, verdadeiros donos do nosso destino, ignoram como uma piada.
  •  A parte estúpida dos líderes da UE sopra sobre o fundo salva-Estados, absolutamente insuficiente, que também provoca a hilaridade dos mercados. A parte consciente da UE (Merkel / Draghi) sabe disso muito bem.
  •  É claro para todos que o BCE deve intervir para impedir o colapso do Euro (mas não só da Europa!), mas Draghi recusa categoricamente. Esta recusa desencadeia os cortes das agências de notação, o que causa novas vagas de pânico dos mercados, o que enterra ainda mais o Euro e os Países a este ligados.

 A Europa entrada em colapso, a explosão do sistema do Euro, o colapso de todas as economias mais fracas como Itália, Portugal, Espanha, Irlanda, Grécia, França, Bélgica: tudo isso trará o Velho Continente à situação anterior a 1999, uma condição de sonho para a Alemanha. 

Com um Euro de duas velocidades, ou com o regresso ao Marco, será vista pelos mercados como o único salva-vidas, o único lugar seguro onde pôr o próprio dinheiro e investir. E quem manobra a Merkel, as mega-indústrias de exportação neo-mercantil da Alemanha, vão encontrar dezenas de milhões de trabalhadores europeus dispostos a trabalhar com um salário digno da China. 

A Europa não pode competir contra os mercados emergentes. Um País-guia rodeado por mercados de trabalho falidos sim.

Abram os vossos olhos.

Ipse dixit.