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Luis Vuitton em Marte

Os economistas exortam os governos a adoptar políticas que possam reduzir os desequilíbrios comerciais do planeta, ou seja, em outras palavras: a China deveria reduzir o seus activos na balança comercial e os EUA o seu défice.

Também na Europa a palavra de ordem é “exportar”; e para exportar é preciso ser competitivos; e para ser competitivos é preciso cortar tudo: serviços sociais, ordenados, reformas.

No entanto o nosso planeta parece ter um grave problema que invalida todas as estatísticas disponíveis: um desequilíbrio comercial muito grave, provocado pelo comercio entre os Humanos e os habitantes dos outros planetas.

Eu exporto, tu importas

Simplificando: se eu exportar 100, na balança comercial dum outro País haverá 100 de importação. Não há maneira de evitar isso, eu exporto e alguém deve importar. O saldo entre exportações e importações deveria ser sempre zero: X foi exportado, X foi importado.

Mas não é o que acontece.
Ao somar as transacções comerciais de todos os Países (incluindo exportações menos importações de bens e serviços, rendimentos líquidos de investimento, remessas de emigrantes e outras transferências ainda), descobrimos que em 2010 o mundo exportou 331.000 milhões de Dólares mais do que conseguiu importar, isso de acordo com o World Economic Outlook do Fundo Monetário Internacional (a máxima autoridade em matéria).

E o mesmo FMI também espera que este excedente atinja quase 700 biliões de Dólares em 2014.

Os Marcianos estão a comprar malas Louis Vuitton? Faz sentido: não é fácil encontrar malas em Marte e as lojas mais perto são mesmo as nossas.
Isso.

Isso ou uma série de erros graças aos quais os deficit comerciais de Países como os Estados Unidos, por exemplo, são subestimados e as exportações da China, outro exemplo, são sobrestimadas.

O mistério é depois agravado pelo facto de que o mundo teve um deficit neste sentido ao longo de quase três décadas, até 2005. Em 2001 o deficit tinha sido de 0,5% do PIB global, mas com as previsões do ano seguinte, o FMI declarou que os activos teriam atingido um recorde de 0,8% do PIB.

Era uma previsão que ultrapassava os activos da balança comercial chinesa do mesmo período.

Agora, de facto, os activos do mundo inteiro são maiores daqueles da China.

O FMI interpreta os astros

Na verdade, estamos perante um autêntico buraco negro que autoriza algumas (não poucas) dúvidas sobre a capacidade de previsão do FMI, segundo o qual os desequilíbrios comerciais globais vão aumentar nos próximos anos.

De acordo com esta previsão, o superavit comercial chinês deverá dobrar o seu valor em Dólares entre 2010 e 2014. Como vimos, se a China aumentar as exportações alguém terá de aumentar as importações. Mas segundo o FMI não será assim: o resto do mundo vai aumentar os activos comercias também. Todos exportam mais do que conseguem importar.

Como ninguém compra e todos exportam, deve existir um lugar para onde a mercadoria é vendida. E o único lugar que sobra é o espaço. Voltámos à hipótese do início: os alienígenas e Luis Vuitton.

Estudos anteriores do FMI concluíram que o défice global das décadas de 80 e 90 foi em grande parte devido a declarações inferiores à realidade no caso de rendimentos de investimentos estrangeiros e uma falta de transparência em outros casos (vendas não declaradas).

Mas na última década a situação melhorou, em parte porque os governos têm dado uma ofensiva contra a evasão fiscal e em parte porque as taxas de juros caíram.
Um sucessivo estudo demonstrou também importantes distorções na medição dos serviços, o que prejudicava o resultado final: no comércio internacional de serviços jurídicos e financeiros (seguros, consultoria) os exportadores desses serviços são mais fáceis de identificar de que os importadores.

Mas, após o estudo, os erros na estimativa do comércio de bens aumentaram significativamente e agora estão no mesmo nível do erros de estimativa dos serviços.

Atrasos nos transportes podem levar a um excesso (aparente) de exportações numa situação de crescimento rápido: por exemplo, os bens estão em trânsito em Dezembro e são contabilizados como exportações da China; mas não são ainda contabilizados como importações dos Estados Unidos porque a mercadoria chegará apenas em Janeiro.

É possível, aliás, é bem provável.
Mas isso não é suficiente para explicar o tamanho da discrepância estatística e o seu aumento, sobretudo porque o crescimento do comércio tem diminuído desde 2007.

Interessa? Não pouco!

Mas porque tudo isso é tão importante?
O que temos nós a ver com o binómio importações/exportações?

A explicação é a mesma fornecida no início: a palavra de ordem é “exportar”; e para exportar é preciso ser competitivos; e para ser competitivos é preciso cortar tudo: serviços sociais, ordenados, reformas.

Dados incorrectos acerca da balança comercial levam a erros políticos, escolhas que afinal não têm razão de ser. E antes de poder decidir, os governos deveriam fazer alguma limpeza neste dados.

Ipse dixit.

Fonte: The Economist