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Os Países, os preços, as mentalidades

Olá pessoal.
Já disse que gosto de carros? Sim, já disse. E gosto mesmo.
Mas tentamos ver as coisas sob outra luz, pode ser?

Observem este automóvel:

Feiosinho, não é?
Bom, apesar do facto que eu gostaria de ter um deles, na verdade é um carro feio. E velho, muito velho.
Trata-se dum Morris Oxford de 1958, que a empresa Hindustan produz e vende normalmente na Índia. Ao longo das décadas o modelo não foi substituído mas constantemente melhorado. Evitou-se assim o gasto de milhões de Dólares na procura de novos chassis, projectação, etc.


E se a “casca” é antiga, o conteúdo já é melhor:

  • caixa de 5 velocidades (todas sincronizadas, óbvio)
  • direcção e travagem assistidas
  • ar condicionado
  • vidros eléctricos
  • computador de bordo
  • leitor mp3
  • múltiplo carregador para telemóveis

As prestações? Depende do motor. É possível escolher entre gasolina (1.8 de cilindrada, bem 53 CV!), gasóleo, gás natural ou gás de petróleo liquefeito (GPL), todos injecção electrónica.

Este monstro de tecnologia, que atinge os 120 km/h e acelera 0-100 km/h em menos de um dia, é vendido em Bombay por pouco mais de 6.000 Euros (cerca de 14.409 Reais) e actualmente é importado em pequena escala e vendido também no País de Gales. Onde é adaptado às normas de segurança europeias e custa infelizmente 13.333 Euros (32.000 Reais), por via do carro ser importado “em pedaços” e precisar assim de ser literalmente reconstruido.

Mesmo considerando o custo da mão de obra, muito mais barato na Índia, é óbvio que um carro como este seria muito menos caro se produzido inteiramente no País onde é vendido. E é um carro verdadeiro, que presta perfeitamente para ir do ponto A até o ponto B. Com calma (muita calma), mas consegue, até com alguns confortos.

Entre as outras coisas, será bom lembrar que o Ambassador é o segundo carro mais vendido no mundo (o primeiro é um Lada, baseado no antigo Fiat 124 dos anos ’60…). Porque é assim: enquanto no Ocidente as marcas gastam biliões por cada novo projecto, a maior parte do mundo está a mexer-se com este tipo de carros. E conseguem, com até um certo sucesso, como no caso da Índia.

Mas se o Ambassador for um caso limite (e é, de facto), na Europa há igualmente automóveis cujo custo é baixo. E mesmo assim não vendem.

Em Portugal, por exemplo, há o caso da Dacia. Não é minha intenção fazer publicidade (a Dacia deveria pagar-me no caso), mas à venda há modelos muito baratos que é difícil encontrar na estrada. E não são “relíquias” como no caso do Ambassador, são carros modernos.

Como este:

É um Dacia Sandero, motor gasolina 1.2, fecho centralizado, vidros eléctricos, ar condicionado, 10.620 Euros (25.503 Reais). Muito mais rápido que o Ambassador (o que não é difícil), um pouco mais curto (4 metros de cumprimento), mas menos gastador.

Existe também no Brasil, é vendido como Renault, só que aqui o preço é mais alto: com motor 1.0 e mesmos acessórios fica em 34.140 Reais (14.216 Euros).

Existe também em Italia, mesma versão de Portugal, preço mais baixo 8.750 Euros (21.013 Reais), sempre com ar condicionado.

Um carro assim deveria ser bem vendido: moderno, cómodo, barato, a garantia duma grande marca (a Dacia é da Renault), mecânica experimentada (a base é a mesma do anterior Renault Clio, o mesmo ainda vendido na América do Sul, um dos carros mais vendidos na Europa).

Mas a verdade é que os Dacia são modelos bem pouco difundidos: são vistos como carros para pessoas “pobres”. O que deveria fazer reflectir acerca da maturidade dos consumidores, a nossa maturidade. Porque o que acontece com os carros acontece também com as outras compras.
Totalmente estupidificados, perseguimos a “imagem” que o objecto pode transmitir. E as empresas, que bem sabem e incentivam esta atitude, agradecem.

Sempre para ficar com o exemplo dos carros: um dos mais vendidos é o Renault Clio. Mesmo motor do Sandero, mesma potência, mesmas dimensões, com bagageira mais pequena, com rádio: 14.900 Euros (35.782 Reais).

E no Brasil custa 31.700 Reais (13.200 Euros): mais barato do que o Sandero. Pois não se percebe a razão mas neste caso o veículo que aqui é “pobre”, do outro lado do oceano fica “rico” e vice-versa.

Talvez não fosse mal, entre as queixas acerca da nossa sociedade, pensar um pouco nas nossas escolhas também. Que acham?

Ipse dixit.

Fontes: CarDekho, AROline, Dacia PortugalRenault, Brasil, Dacia Italia,