Quem está estendido ao sol de Copacabana que tem a ver com os problemas do conjunto de Países que ficam do outro lado do planeta?
Não será mais uma vez uma visão eurocentrista, que esquece a realidade dos outros continentes?
Resposta: não. Que como resposta não é grande coisa, considerado que provem dum europeu.
Então vamos reflectir.
Em primeiro lugar: pensar no mundo feito de muitos Países, cada um dos quais autónomos e independentes é mera ilusão. A crise da Bolsa de Taiwan tem consequências (graves) no resto da Ásia, mas também na América do Norte, do Sul, na Europa…
A crise de 1997 começou na Tailândia, mas cedo contagiou os outros mercados asiáticos e não ficou por aí, envolvendo todas as principais praças mundiais.
Um pouco mais atrás: Segunda-feira negra de 1987, queda de Hong Kong que arrasta Estados Unidos e Europa também.
Esta é a globalização dos mercados, que estão todos interligados. Não é possível pensar em áreas compartimentadas, não funciona assim.
Enquanto os líderes europeus ainda estão a lutar para encontrar uma resposta credível para a crise, a perspectiva dum ou mais Países (em condição de falência ou não) fora da Zona Euro é considerado cada vez mais plausível.
De repente, os especialistas, os políticos e outros observadores tiveram que pôr em causa um dos principais pontos de referência, ou seja, uma Europa unida qual parte fundamental dum mundo multipolar.
Diz Thomas Barnett, estrategista-chefe para o grupo dos EUA de consultores de risco Wikistrat:
Um dos grandes pilares da globalização, os Estados Unidos, entraram num um período difícil. Agora, um dos outros pilares, a Europa, parece prestes a implodir.
Isso é: o Velho Continente, que até alguns anos atrás formava o maior grupo das economias do G7, está cada vez mais perto das potências emergentes, quais China, Índia e Brasil.
Thomas Kleine-Brokhoff, especialista em estratégia do think tank de Washington, George C. Marshall Foundation:
Mesmo que por alguma mágica a crise desaparecessem amanhã, os outros jogadores estratégicos no mundo já estão começando a rever as opiniões sobre a Europa. A mesma consideração que a Europa está pronta para integrar ainda mais e tornar-se um único actor já se foi.
Isto levanta questões interessantes para outras áreas do mundo, onde muitos esperam o surgimento de blocos regionais como a UE, em vista de maiores integrações.
Nikolas Gvosdev, professor de Estudos de Segurança Nacional no U. S. Naval War College:
Acreditava-se que a Europa fosse o modelo a seguir, agora isso será posto em discussão.
Para alguns, qualquer desgaste da Zona Euro, com ou sem o colapso da União, pode ser considerado mais um sinal do declínio do mundo ocidental, mais rápido do que o esperado.
Para alguns, qualquer desgaste da Zona Euro, com ou sem o colapso da União, pode ser considerado mais um sinal do declínio do mundo ocidental, mais rápido do que o esperado.
Kleine-Brokhoff:
Índia, China e muitas outras novas potências simplesmente não vê uma crise da Zona Euro, vêem uma crise do mundo rico,o que faz acreditar que a hora deles chegou.
Mas essa interpretação poderia ser uma decepção.
Michael Denison, ex-assessor do Ministro do Exterior britânico David Miliband e agora director de pesquisa Control Risk:
Ninguém pode rir, não acho que haverá um vencedor. Haveria uma crise da dívida soberana e dos bancos que seria mal para todos.
A empresa de consultoria de intelligence Stratfor, que avalia a possibilidade duma quebra da Zona Euro este ano de, pelo menos, 90 por cento, acredita que a China vai sofrer o maior golpe:
Será possível observar um colapso de capitais para o Vietnam, o Brasil e para partes da África. Também será o fim do milagre económico chinês. O maior mercado para a China é a Europa. Isto poderia ter um enorme efeito destrutivo na China, que poderia levara a uma revolução social.
Mas também há outros perigos: alguns Países, num planeta cada vez mais fragmentado e sem liderança, poderiam decidir escolher por conta própria. O que pode ser muito bom por um lado, mas muito arriscado por outros.
Exemplo prático: Israel e Irão. E se um dos dois escolhesse agir sozinho, sem os “aconselhamentos” dos aliados ou simpatizantes?
A Europa não estará em condição de propor-se como actor no panorama geo-estratégico mundial e isso numa altura em que os Estado Unidos enfrentam graves problemas e contavam mesmo com o protagonismo do Velho Continente. A aventura líbia ensina.
Paul Cornish, professor de política internacional da Universidade de Bath, Reino Unido: a falência da Zona Euro poderia implicar uma forte instabilidade política, que poderia levar a tensões e até conflitos. Estamso mal preparados perante o que acontecerá.
O problema é que não é apenas a Zona Euro a estar em discussão: é todo o sistema, que é igual, com poucas diferenças, em todo o mundo ocidental: Europa, Américas, parte da Ásia, Oceânia, parte da África.
Pensar que uma área possa ruir deixando intactas as outras partes é pura ilusão: ao longo das décadas, o sistema ficou cada vez mais interligado.
Claro está: haveria zonas mais atingidas, com consequências mais graves, sem dúvida.
Mas não haverá “ilhas felizes”.
É um sistema que demonstra agora todos os seus limites, mas para o qual não existe uma séria alternativa. Simplesmente porque não foi preparada.
O mundo ocidental, no amplo sentido, decidiu entrar numa única estrada, com a certeza de que era o caminho certo. Seria possível perguntar “quem” de facto escolheu a estrada, mas não é isso que está em questão agora.
Foi escolhida uma forma doentia de Capitalismo, definido também como turbo-capitalismo ou capitalismo financeiro. Seja qual for o nome, é um sistema que foi implementado em todo o mundo ocidental. E na Zona Euro, como já afirmado em outros artigos, foi decidido ir além disso, com a criação dum laboratório que ajudasse na percepção dos possíveis futuros desenvolvimentos.
Agora o laboratório está prestes a explodir e o resto do mundo pergunta: “E agora?”
Agora é Danse Macabre.
(Psssst! Sim, eu sei, o fim é demasiado trágico e pessimista. Mas fez-me lembrar um conto de Edgar Allan Poe e ficava bem!).
Ipse dixit.
Fontes: Reuters