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Grécia: referendo e rápida dissolução

Assim, o Primeiro Ministro da Grécia, George Papandreou, decidiu: o povo é soberano, o povo irá decidir. Querem a ajuda da União Europeia? Não querem? Vamos com um referendo.

Dito assim até parece coisa boa. E de facto é.
Mas sobram algumas perguntas. Aliás, uma: porquê agora?

Em primeiro lugar temos que ler as reacções e aprender algo.

As reacções

Durão Barroso, Presidente da Comissão Europeia: “Sem o acordo da Grécia ao programa da EU e do FMI, as condições para os gregos seriam muito mais dolorosas, em particular para os mais vulneráveis e as consequências podem ser imprevisíveis”.

Rainer Bruederle, líder parlamentar do partido Democratas Livres, integrante da coligação do governo alemão: “Fiquei irritado (com a notícia). Essa é uma forma estranha de agir”.

Wolfgang Gerke, professor de negócios bancários e presidente da entidade Centro Financeiro Bávaro: “Isso só mostra que grande equívoco foi não ter expulsado a Grécia da zona do euro no começo


Até foram buscar o Governador  do Banco Central de Taiwan, tal Perng Fai-nan, segundo o qual a notícia do referendo “é uma bomba lançada sobre os mercados”.

Uma anónima especialista económica: “O referendo grego põe em risco as ligações entre os países europeus, desde os acordos comerciais até à moeda comum”.
E, cereja no topo do bolo, eia as palavras de Fernando Santos, treinador da Selecção grega de futebol e por isso grande conhecedor de assuntos helénicos: “Os Gregos foram apanhados de surpresa […] as pessoas não estarão contra a ajuda – estarão contra a austeridade”.

Nas próximas semanas não percam as declarações de Amuk Trondeval, pescador da Gronelândia, segundo o qual “o referendo assusta os peixes e afecta a pesca”.

Porque  a verdade é esta: todo o mundo está contra o referendo. A ideia de que um povo possa livremente escolher o próprio destino não passa disso: dum disparate. Estas são cisas que podem ser feitas na Islândia, onde há só gelo e vulcões. Mas aqui, no mundo ocidental, no berço da civilidade, isso não passa duma tentativa desestabilizadora, até dum show off.

Reparem nas seguintes declarações que a agência Reuters foi buscar entre a população grega.

Emanuel Papadopoulos, um varredor de rua de 50 anos: “Este referendo é um blefe. Eles estão apenas zombando de nós. Eu não pensei como vou votar. Como eu devo votar? Como se fossem eleições ou como se fosse um referendo? Qual será a pergunta (do referendo)?”.

Haris Velakoutakou, um guia turístico de 64 anos: “É um absurdo. Agora eles colocaram a bola na nossa quadra, mas decidir não é a responsabilidade deles? O que é isso? Eles deveriam ter feito esse referendo desde o princípio, antes que todas essas medidas de austeridade fossem tomadas.”

Yannis Aggelou, 50, gerente de vendas em uma empresa de aço: “Ele está nos chantageando”.
Pronto, está demonstrado: pedir uma opinião aos cidadãos é uma péssima medida, até parece um pouco anti-democrático.

Depois descobre-se que quase 60 por cento dos Gregos têm uma visão negativa sobre o acordo de resgate externo, sugerindo que os eleitores no possível referendo dirão “não” ao pacote de ajuda financeira.
Mas como? Estão contra o referendo e depois chumbam a ajuda da União?

Pois, esta representa a prova definitiva: um povo, um qualquer povo, não tem capacidade para decidir acerca de coisa nenhuma. “Povo” e “idiota” podem ser utilizados como sinónimos.

A prioridade tem outro nome: “mercado”. A importância deste ultrapassa a vontade de qualquer cidadão, até a mesma ideia de “Estado” deve dobrar-se perante as exigências dele.

Dura lex, sed lex. É dura, mas é a lei.
A lei do mercado totalmente desregulamentado, óbvio.

E esta é a primeira lição a reter.

O esperto George

 
A seguir, admitimos: esta ideia de George Papandreou carece de sentido. E não é ironia esta, é uma consideração séria.

Antes endividas o País, que fica condenado ao pagamento da ajuda e relativos juros ao longo das próximas décadas, depois utilizas o dinheiro para salvar os bancos privados, comprar tanques franceses e alemães, e no final perguntas: “Então, concordam com o resgate?”.

É impressão minha ou alguém está a gozar?

Não, não está a gozar. Bem pelo contrário, Papandreou escolheu algo de inteligente.
Acreditem ou não, estamos perante um boa jogada política.

Talvez não muito boa no plano internacional (mas será melhor esperar para poder julgar neste sentido), mas óptima no plano interno.

Com o referendo Papandreou:

  • põe em crise a oposição parlamentar (que, de facto, ficou surpreendida)
  • silencia a oposição no interior do próprio partido
  • silencia os Gregos nas ruas (contra quem podem gritar? A palavra é deles agora)
  • responsabiliza todo o País perante os próximos desenvolvimentos (saída do Euro? “Vocês escolheram, não eu!” Permanência no Euro? “Graças a mim que fiz o povo votar!”).
  • demonstra ter coragem para tomar decisões importantes
  • consegue apresentar um acerta autonomia perante a dupla Merkel-Sarkozy

Nada a dizer, boa jogada, sem dúvida.
Sobretudo porque Papandreou demonstra ter percebido que a Grécia não tem saída, a falência pode ser apenas adiada, não evitada. Com o referendo, o Primeiro Ministro não fica qual único responsável, passa a ser um entre os milhões de responsáveis gregos. Não é uma diferença de pouco conto.

E não podemos esquecer as outras notícias que chegam de Atenas: mesmo ontem o governo mudou todas as altas chefias do exército. Sinal que há alguma coisa no ar, e Papandreou deve ter pressentido isso. “Actuar” era imperativo: caso a Grécia decida abdicar das ajudas europeias, melhor ter o exército sob o pleno controle para evitar aventuras que a Grécia conhece demasiado bem (a ditadura dos Coronéis).

E o simpático George actuou.

Mesmo na hora do fecho deste post, eis a notícia que Papandreou estaria prestes à apresentar as demissões, as próprias neste caso. No horizonte, um governo de transição.

Histórias dum País em fase de dissolução.
Normal após a “ajuda” europeia.

Ipse dixit.

Fontes: Diário de Notícias, Yahoo Notícias, Renascença,