Site icon

A Morte dos Leitores

E não, meus senhores, desta vez não vou escrever nada de novo.
Não apenas isso, mas até vou pedir para que sejam os Leitores a escrever.

Porquê?
Porque há um tema que tenho quase a certeza nunca ter sido tratado neste blog: a Morte!

Hoje é o Dia Mundial dos Mortos. Ou melhor, o Dia dos Fiéis Defuntos ou Dia de Finados.
Em particular gosto deste último termo, faz lembrar gente fininha, tal como ficam todos os mortos após algum tempo.

Mas o assunto é: o que acham os Leitores da Morte? É o fim de tudo ou algo sobrevive (como a Alma, por exemplo)? Somos apenas pó e pó voltaremos ou a Morte é algo diferente?

E a Alma, para onde vai? Inferno, Paraíso ou fica aí, no meio? Ou sofre de metempsicose, que não é uma doença psíquica mas é a Reencarnação? E qual Reencarnação? A dos Espíritas ou aquela das religiões orientais?

E o Leitor: tem medo da Morte? Porquê?


Ohhhh, quantas perguntas e que tema mórbido…doutro lado a Morte faz parte da Vida: sem uma não há outra.

A propósito: conhecem Totó? Talvez alguns conheçam.
Foi um actor italiano, especializado em comédias, e participou em mais de 100 filmes, com grande sucesso (em Portugal, por exemplo, é conhecido).

Poucos sabem que Totó era o nome artístico de Antonio Focas Flavio Angelo Ducas Comneno De Curtis di Bisanzio Gagliardi, descendente da linhagem imperial bizantina, e que, entre as outras coisas, era escritor e poeta.

Deixo aqui uma poesia dele (apesar de eu não ser apreciador de poesias, mas esta é outra estreia do blog!), cujo título original é ‘A livella (“O nível” em português, o original é em dialecto de Napoli), 

Cada ano, no dia dois de Novembro, costuma-se
ir ao cemitério para homenagear os finados.
Cada um precisa conservar esta tradição.
Cada um precisa ter este pensamento.

Cada ano pontualmente, neste dia,
desta triste ocorrência
eu também vou e com flores enfeito
o lóculo marmóreo de tia Vincenza.

Este ano aconteceu-me uma aventura…
Foi depois de ter cumprido a triste homenagem.
Nossa Senhora! Se penso nisso; e que medo!
Mas depois criei coragem.

Assim aconteceu, ouçam:
estava chegando o horário de encerramento:
eu, sem me descompor, estava saindo
dando uma olhada a uns túmulos.

Aqui descansa em paz o nobre Marquês
senhor de Rovigo e de Belluno
ousado herói de mil cometimentos
morreu dia 11 de Maio de ’31.

Acima da inscrição tinha o brasão com a coroa…
… abaixo uma cruz feita de lamparinas,
três buquês de rosas com a lista de luto,
velas, castiçais e mais seis lamparinas.

Bem ao lado do túmulo deste senhor
tinha outro túmulo pequenininho,
abandonado, sem nenhuma flor;
como sinal somente uma pequena cruz.

E sobre a cruz somente podia-se ler:
Espósito Gennaro – gari [varredor de rua, NDT].
Observando-a, fazia-me pena
este morto sem sequer uma lamparina!

Assim é a vida! Pensava comigo mesmo…
quem teve muito e quem não teve nada!
Será que este pobretão esperava
ser miserável até no outro mundo?

Enquanto fantasiava este pensamento
já era quase meia noite,
e fiquei preso, prisioneiro,
morto de medo… na frente dos castiçais.

De repente, que vejo de longe?
Duas sombras aproximar-se…
Pensei: isto parece-me estranho…
Estou desperto… durmo ou é fantasia?

Nada de fantasia; era o Marquês:
com cartola, monóculo e casacão;
atrás dele aquele outro, uma coisa feia;
tudo sujo com uma vassoura na mão.

Aquele certamente é seu Gennaro…
o que morreu pobre… o gari.
Nesta história eu não vejo claro:
Eles são mortos e aparecem agora?

Estavam bem perto de mim
quando o Marquês parou de repente,
voltou-se e sério sério… calmo calmo,
disse a senhor Gennaro: Meu jovem!

De vós queria saber, vil carniça,
com que atrevimento e com que ousadia
vós fizestes sepultar, por minha vergonha,
do meu lado, eu que sou brasonado!

A casta é casta e tem que ser respeitada,
mas vós perdestes o sentido e a medida;
vosso cadáver precisa ser exumado;
e sepultado no lixo.

Mais não posso suportar
a vossa vizinhança fedorenta
é mister que vós buscais
uma cova, junto com os seus pares!

Senhor Marquês, não foi culpa minha,
eu nunca vos teria feito esta ofensa;
minha esposa fez esta tolice,
eu que poderia fazer se era morto?

Se fosse vivo vos daria satisfação,
pegaria o pequeno caixão com os quatro ossos
e desde já, neste instante,
entraria dentro doutra cova.

E o que esperas, nojento malcriado,
que a minha ira alcance o excedente?
Se eu não fosse brasonado
já teria recorrido à violência!

Quero ver… – toma esta violência…
A verdade, Marquês, é que estou de saco cheio
de ouvir-te; e se perco a paciência,
esqueço que sou morto e são porradas!…

Mas quem tu achas de ser… um deus?
Queres entender que aqui somos todos iguais?…
Tu és morto e morto também sou eu;
cada um é igual ao outro.

Sórdido porco!… Como ousas
igualar-te a mim que tenho natividade
ilustre, nobilíssima e perfeita,
pra fazer inveja a Príncipes Reais?

Mas que natividade, Natal, Páscoa, Dia de Reis!!!
queres colocar na tua cabeça… no teu cérebro
que ainda estas doente de fantasia?…
Sabes o que é a morte?… É um nível.

Um rei, um magistrado, um homem importante,
entrando neste portão já está cônscio
que perdeu tudo, a vida e mesmo o nome:
tu não te deste conta disso?

Portanto, ouças bem… não sejas teimoso,
suporta-me por perto – que te importa?
Estas palhaçadas só são feitas pelos vivos:
nós somos sérios… pertencemos à morte”.