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O que é esta raio de crise? Parte I

Estamos no meio duma crise. Até aqui todos estamos de acordo.
Mas agora temos um problema: a crise chegou de repente, silenciosa como um alce, ou foi construída?

Vamos ver hoje a segunda hipótese, porque se assim for, talvez seja possível entender as velhas crises, as que já passaram. É a tentativa de racionalizar algo que , pelo contrário, é apresentado como um mal natural, tal como acontece com os terremotos.

“Porquê há as crises?”
“Eh, assim, é a Natureza”.

As crises não são algo de imprevisto e imprevisível: é suficiente olhar para uma boa teoria económica do capital para encontrar o mecanismo que está na origem das crises. Não há “acaso”, não há “azar”.

Mas antes de falar disso, temos que perceber o que entendemos com o termo “economia”, caso contrário haverá apenas confusão.

O que é a economia?

Este blog, desde o princípio, dedicou muito do seu espaço à economia.

Porquê? Max tem uma fixação com isso?

Não, a realidade é outra: a economia não deve ser entendida como actividade de troca, nem como abstrusa disciplina que apenas os mais cultos podem tratar; nem como alquimia de moedas, processo financeiros, interesses, juros ou mais ainda.

Todas estas coisas são apenas a “capa” com a qual a economia é apresentada. Uma capa importante, porque consegue esconder o papel real da economia que, na sociedade ocidental, é a gestão do poder.

Podemos chama-lo “esquema”, “Matrix”, elite financeira, o motor oculto, mas a síntese será sempre a mesma: a economia é a função primária, debaixo da qual prosperam todos os outros mecanismos sociais, o “sistema operativo” que desde séculos percorre os governos.

A função da economia não é a sobrevivência dum povo, nem o enriquecimento da classe dominante (já suficientemente rica), mas o sistema com o qual e´estabelecido e transmitido o poder.
Em poucas palavras, a sociedade Ocidental é o mesmo sistema, o organismo e não apenas um dos muitos órgãos.

Sem perceber este ponto, então torna-se impossível ir mais a fundo, tentar entender os complexos mecanismos que regulam toda a nossa sociedade, porquê os mecanismos são a sociedade e a sociedade é a economia.

Complicado? Nem por isso: tentem imaginar a nossa sociedade (o vosso País, por exemplo) sem economia.
É possível? Não, porque sem economia toda a nossa sociedade desmoronaria, e sem sociedade não existiria economia: não pode existir uma das duas partes sem a outra (atenção, repito: isso acontece na nossa sociedade, não é uma lei absoluta!).

Mas o que ninguém nunca afirmará nos media é que o fim último da economia é a demolição controlada da sociedade, que é exactamente o que está a acontecer.

O sistema

“Mas como?” pensa o Leitor, “Antes diz que uma coisa sem outra não pode existir e agora…? Eu sempre disse, nunca gostei deste blog…”

Calma, um pouco de paciência: como sempre, nada melhor do que um exemplo prático para esclarecer as coisas.

E facto, a coisa torna-se mais simples se considerarmos um computador: a economia ocidental coincide com o “sistema operativo”, no interior do qual funcionam todos os programas (que não podem funcionar sem sistema operativo): por exemplo, o programa da política ou aquele da gestão social.

Isso acontece porque ao longo dos séculos o computador foi construído com várias peças e no final o conjunto deu este resultado: como já afirmado, não é uma lei divina, as coisas não devem ser “obrigatoriamente” assim; mas assim acabaram. E o nosso azar é que a garantia já expirou.

De forma lenta, o poder mercantil substituiu o poder dos Príncipes e dos Cardeais, e encontrou nos bancos a arma perfeita para controlar, de forma oculta ou não, o povo. Com a queda dos velhos poderes, este deveria ter-se tornado o novo centro do poder.

Mas na verdade isso nunca aconteceu. Guerras de independência, revoltas na Europa e na América, nunca conseguiram mudar a situação: o poder económico sempre conseguiu manter o controlo da sociedade.

O caso francês

O símbolo da liberdade, a Revolução Francesa, deflagrou por causa da dívida que o Rei tinha contraído com alguns bancos privados.

Na altura, como agora, os banqueiros aplicavam a usura, obrigavam a vender património, ouro, a introduzir impostos.

E ninguém lembra que a Revolução mudou tudo, até o calendário ou a maneira de vestir, mas nunca conseguiu mudar o mecanismo da dívida pública.

Dívida que permaneceu na França post-Revolução e que foi paga com os bens subtraídos à Igreja e à aristocracia antes, com as rapinas napoleónicas depois.
Mas foi paga, enquanto quando ainda havia o Rei, Luís XVI, o Estado estava à beira da falência (e isso pode ajudar a perceber quem foram os verdadeiros “mandantes” das Revolução…).

De facto, a Revolução Francesa teve outro fim que não apenas o pagamento das enormes dívidas da França: foi o processo com o qual começou a demolição dum poder hostil que minava o poder económico. O Rei era algo “fora de controlo” (mais ou menos, claro), que em qualquer altura poderia ter escolhido alterar as regras do jogo.

Na verdade, nenhum rei teve esta oportunidade, em particular nos últimos séculos das grandes monarquias, pois o poder económico sempre conseguiu controlar as realezas também. Mas era sempre um perigo potencial e como tal tinha que ser eliminado. Coisa que regularmente aconteceu.

Poder ao povo: mas onde?

Ao dar o poder “ao povo”, o sistema económico encontrou a maneira para manipular e controlar o mesmo povo: antes deu a sensação que o povo pudesse conquistar o poder com as revoluções, depois, com a democracia, forneceu a ilusão de que o povo estivesse a auto-governar-se.

“Ilusão” é o termo que temos que lembrar: o que vemos muito bem hoje é que o poder real permaneceu nas mãos da economia, deixando aos povos o poder político (parcialmente), sendo que este último, como vimos, é subordinado à economia.

De facto, a economia tomou o lugar que antigamente era da aristocracia e das casas reais. Isso levou até outra consequência, interessante, pela qual antes os responsáveis eram facilmente individuáveis, hoje estão mergulhados e disfarçados no tecido “democrático”.

O vírus

O instrumento que permitiu atingir estes objectivos foi uma economia corrupta por um vírus que, a seguir, espalhou-se no resto do sistema: é a nossa economia doentia.

Vírus que coincidiu com o controle privado da emissão monetária, induzindo de seguidas erros e funcionamentos defeituosos no sistema:

  • aspiração da riqueza desde a base e transferência para o Império financeiro (banqueiros, acionistas, investidores, Bolsas, paraísos fiscais, especuladores, seguros…)
  • mau funcionamento da maquina estatal, explorada para empobrecer ainda mais a base com a introdução de impostos, cortes, sacrifícios, maior productividade, privatização das empresas públicas
  • Risco de falência do Estado, evitado com dinheiro do nada, ulteriores privatizações, vendas de património público.
  • morte sistémica final, gerida como demolição controlada ou do só aspecto económico ou do inteiro sistema político-social.

Vamos ver, em pormenor, como acontece e qual a razão.

Agora? Não, amanhã. Mas porquê amanhã?
Porque estamos em democracia e sou eu que decido.

Ipse dixit.