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Nós e o Sistema Besta

Abro a caixa do correio e encontro publicidade, como sempre.

Um monte de ofertas, pois empresas e supermercados estão numa corrida louca para que eu possa poupar cada vez mais. Que honra.

Depois olho para os produtos. Já repararam? Os artigos mais baratos costumam ser os que também são menos atractivos do ponto de vista estético.
Motivo de custo? Nada disso, é marketing.

Não custa nada usar combinações de cores mais bonitas ou mais fantasia (que é grátis): os produtos mais baratos são propositadamente mais feios.
Não “tão feios”, pois caso contrário ninguém os compraria. Mas esteticamente piores dos mais caros sim.

Não é uma grande descoberta, este é marketing.
Queres o produto mais barato? Cá está, mas olha quanto é feinho, coitado, não seria melhor gastar um pouco mais para algo de mais agradável (que, casualmente, pode encontrar aí mesmo ao lado)?


Como afirmado, é marketing, que depois é uma forma de condicionamento.
Quanto marketing encontramos no nosso mundo?
Pergunta errada, pois a forma correcta seria: quantos exemplos de não marketing existem nas nossas vidas?

Pergunta inútil? Não acho.

Como podemos ser “nós” quando tudo o que podemos ver é o produto do Sistema Besta?
O que temos de verdadeiramente nosso nessa sociedade?
Podemos ser considerados “livres” quando as nossas escolhas são pesadamente condicionadas pela propaganda?

Estamos num supermercado, perante muitas garrafas de vinho tinto. Produtos novos, que não conhecemos. Como podemos escolher? Com base em quê?

Quais são os parâmetros que podemos utilizar na escolha? 90% dos vinhos vendidos são o produto de contrafação sistemática, obviamente legalizada.

Então, a escolha é baseada em quê? No preço e nas sugestões de apresentação, são estes os dois parâmetros mais utilizados cada vez que a nossa ideia é comprar alguma coisa.

Mas podemos definir esta como uma escolha “nossa”?
Na verdade, seguimos o “”livro de instruções” que o Sistema Besta tem preparado, desfrutando a nossa escassa capacidade crítica, a tendência conformista e a obra estupidificante dos media.

Pena, pois a consciência das nossas necessidades e a capacidade de encontrar as justas soluções deveriam ser um mecanismo tido em máxima conta e valorizado.
Pelo contrário, o Sistema Besta não “valoriza” mas “relativiza”. Relativiza a verdade, relativiza as nossas necessidades: o que seria supérfluo num mundo racional, no nosso torna-se imprescindível, isso significa relativizar.

Mas relativizar a realidade é, além de paranoico, auto-destrutivo: esquecemos o que é importante, os valores fundamentais e gastamos as nossas energias em algo de inútil. Relativizar traz a frustração, pois já não é importante ter um carro para deslocar-se do ponto A ao ponto B: é importante ter um carro que seja “imagem”, que possa subentender o nosso nível de bem estar, por isso não um carro qualquer, mas um BMW, um Audi, um Mercedes.

Os outros são carros para “pobres”, apesar de desenvolver as mesmas funções.

Problema: enquanto nós ficamos satisfeitos com o nosso Mercedes, eis que sonos ultrapassados por um Ferrari. E, outra vez, a parece a frustração: aquele um Ferrari e eu um miserável Mercedes?

Hoje podemos aplicar esta “relativização” a qualquer coisa, até aos sentimentos.

Diz Cristiano Ronaldo, o futebolista: “Todos me invejam porque sou lindo e rico”.

A inteligência nem sequer é tomada em consideração (verdade, no caso de Ronaldo este é um assunto tabu): o que conta, o que provoca inveja, é o facto dele ser lindo e rico.
Depois pode ser um emérito idiota, mas isso não conta, pois as capacidades cerebrais não são um valor importante no Sistema Besta.

O resultado é que o homem “relativizado” é desprovido dos pontos de referência que existiam no passado.
Ao longo de séculos, a Igreja tinha desenvolvido um papel fundamental neste aspecto: podemos não aprovar as ideias, podemos não gostar dos princípios, mas não é este o ponto: a verdade é que havia um conjunto de valores nos quais a sociedade ocidental encontrava as próprias bases.

Hoje este conjunto não existe (e a Igreja tem a sua boa dose de culpa nisso) e foi substituído por…? Condicionamento.

O Sistema Besta criou novos “valores” (relativizando a realidade, como vimos) e, ao mesmo tempo, fornece estímulos que possam satisfazer o lado irracional, na tentativa de mantê-lo em constante função para atordoar o lado racional.

Pornografia (causa de frustração também), caça e pesca (quem precisa de caçar ou de pescar para sobreviver?), mundo do espetáculo (onde a aparência fica em primeiro lugar, depois, eventualmente, o resto), comida e bebidas (bem confecionada e apresentada, mas os ingredientes?), uma escola ao serviço do Sistema e, sobretudo, um universo de publicidade.

Etica? Moral? Já foram, ninguém ganha com isso.

Mas a verdadeira obra do Sistema Besta consiste na ideia de viver num mundo livre. Este, sem dúvida, é o ponto mais alto, pois permite manter os presos sem correntes: não apenas não fogem, mas querem ficar aqui quanto mais tempo for possível.

Porquê? Porque nas há cordas que vibrem dentro de nós, não há reacção, não há desejo que não seja um dos contemplados pelo Sistema Besta.

Não há livre arbítrio nem é desejado.
Há, neste sentido, um nivelamento para baixo que nem nos piores regimes comunistas tinha sido alcançado, uma homologação total.

A Humanidade acabará num enorme anúncio publicitário?

Não. Porque a Natureza criou limites em todas as áreas, na nossa também.
E quando o limite será alcançado, começará um novo ciclo: não gostamos de lembrar (o Sistema Besta não gosta de lembrar), mas sempre foi assim e sempre assim será.

Aquele será um dia divertido.

Ipse dixit.