Fukushima: 6 meses depois

“E Fukushima?” pergunta Fada do Bosque.
“E Fukushima?” pergunto eu.

Então vamos procurar algumas notícias para ver qual a situação.

O Prémio Príncipe Astúrias da Concórdia 2011 foi atribuído, esta quarta-feira, aos “heróis de Fukushima”, o grupo de homens e mulheres envolvidos na emergência nuclear provocada pelo tsunami no norte do Japão, de 11 de Março.

O júri da Fundação Príncipe das Astúrias, da cidade espanhola de Oviedo (Astúrias), realçou o “valoroso e exemplar comportamento” das equipas que evitaram, com sacrifício próprio, a multiplicação dos efeitos do desastre nuclear provocado pelo tsunami.

Bonito. Mais?

O novo primeiro-ministro do Japão, Yoshihiko Noda, visitou pela primeira vez a central nuclear de Fukushima, danificada pelo tsunami de 11 de Março, e expressou a sua gratidão pelo esforço dos seus funcionários.

Noda, que assumiu funções na semana passada, reuniu-se com militares e com funcionários da central. “Muitas pessoas neste país estão gratas pelo vosso esforço em controlar a central nuclear. Estou orgulhoso do vosso trabalho e quero expressar-vos a minha mais profunda gratidão”, segundo a estação de televisão NHK.

Isso também é bonito. Mais?

A temperatura do recipiente do reator 3 da usina nuclear de Fukushima caiu para menos de 100 graus centígrados, como resultado das operações de refrigeração, informou nesta segunda-feira a operadora do reator, a Tokyo Electric Power Company (Tepco).
O anúncio, divulgado pela agência Kyodo, eleva para dois a quantidade de reatores cuja temperatura caiu, até o momento, para menos de 100ºC, depois de a Tepco ter informado em 21 de agosto que a temperatura do reator 1 estava abaixo desse nível.

A Tepco também informou nesta segunda-feira que o reator 1 da usina diminuiu ainda mais a temperatura e atualmente está abaixo dos 90 graus, refletindo o sucesso das operações de refrigeração, segundo a Kyodo.

A companhia instalou em meados de agosto um sistema adicional de reciclagem e injeção de água, de fabricação japonesa, compatível com o que está em funcionamento desde junho, que deu bons resultados nos reatores 1 e 3.
Os operários pretendem aplicar o mesmo mecanismo em breve na unidade 2, a última que ainda está acima dessa temperatura.

Então problemas resolvidos? Parece.

A licção dos terramotos
Mas nem todos partilham a mesma opinião.
Tomi Mori, por exemplo, jornalista japonês:

Quase seis meses depois do pacote de tragédias que assolou o Japão no dia 11 de Março, o que vemos é a ampliação dos problemas aflorados naquele dia.

E a situação, longe de ter sido normalizada, ainda constitui uma séria ameaça não só aos japoneses, mas aos países vizinhos e também à população mundial.

Exagero? A tragédia começou com um terramoto, seguido de tsunami, ampliado com a crise nuclear e o maior festival de mentiras da história recente. O que vimos e vemos é uma mistura de impotência, ignorância, multiplicada pela ganância capitalista, no que se transformou no mais profundo acidente desde a barbárie do pós-guerra.

Tendo ocorrido num dos principais países imperialistas e numa das sociedades mais desenvolvidas do ponto de vista tecnológico, que lições podemos tirar desses acontecimentos?
Não há como esgotar estas discussões no âmbito de um pequeno artigo, mesmo porque, com o passar dos dias, o impacto cientifico, social e económico está longe de ter terminado. […]

O perigo continua

Hoje, pela madrugada, fui sacudido por um terramoto. Foi leve, magnitude 4.7, no epicentro, na província de Saitama, vizinha a Tóquio. Afirmar que um terramoto magnitude 4.7 é leve, demonstra, inequivocamente, a gravidade da situação actual.

Desde o 11 de Março, perdi a conta dos terramotos de magnitude superior a 6.0, recentemente tivemos um de 6.8. O que isso significa? Significa que o Japão actual vive uma poderosa actividade sísmica. Os especialistas, imediatamente após o grande terramoto, afirmaram que um aftershock de magnitude 8.0 poderia ocorrer nos dias subsequentes; felizmente, até o momento, não ocorreu. Mas não quer dizer, que após seis meses, não possam ocorrer.

A actual actividade sísmica, que é concreta, tem gerado, ainda, poderosos terramotos. Digamos que, por sorte, esses terramotos ocorreram em locais onde não causaram nenhuma nova tragédia, mas não está descartada a hipótese de os terramotos, que são diários na província de Fukushima, poderem um dia destes, atingir em cheio a central nuclear.

O que pode ocorrer caso isso aconteça? Bem, deixo à imaginação dos leitores… Seria um grotesco exagero da minha parte, se esse argumento não fosse baseado na minha diária averiguação dos terramotos japoneses. Ocorrem diariamente, como média, de 10 a 20 terramotos cuja magnitude varia de 2.0 e 7.0. Que país, em todo o planeta, vive uma situação semelhante? Mas não é um país qualquer, trata-se da segunda potência imperialista e da terceira economia mundial.

Entre as tragédias naturais, como os furacões, tormentas, inundações, soterramentos, secas e irrupções vulcânicas, o terramoto ocupa um lugar especial. Enquanto as outras calamidades são facilmente previsíveis e antecipadas, o mesmo não ocorre com os terramotos.

Porquê? Atrevo-me a dizer que os terramotos causam pânico. Que, para evitar a tragédia de um terramoto, é necessária a evacuação da população.

A evacuação consome recursos, dinheiro, interrompe a actividade económica. A maioria delas, se fossem realizadas preventivamente, seriam inúteis. E, para os capitalistas, um desperdício de tempo e de dinheiro.

Mesmo que um sismólogo possuísse os dados irrefutáveis de que uma calamidade está próxima, nenhum meio de comunicação se atreveria a divulgar uma notícia dessas para não criar um pânico incontrolável e, ainda por cima, correr o risco de sofrer processos judiciais de todo tipo por promover um alarme falso caso não ocorra.

Nesse caso, as autoridades competentes, que representam os interesses do capital, deixam a população à sua própria sorte, mesmo que isso custe milhares de mortes e, na ocorrência de uma grande tragédia, imediatamente têm quem colocar no banco dos réus e lançar todo tipo de acusações. A natureza, essa mesma que nos propicia todos os recursos materiais para o nosso bem-estar social, é convocada ao banco dos réus e recebe todo o tipo de acusações pela ocorrência da tragédia.

Simples, não? Alguém já ouviu a frase “Não podemos fazer nada contra a força da natureza!” proferida por políticos impotentes?

Na semana passada, o Yomiuri, o maior jornal japonês, publicou um interessante artigo que, entre outras coisas, dizia que o grande terramoto de Março havia provocado uma grande modificação e que os estudos anteriores deveriam ser re-analisados.

O artigo argumentava que o grande terramoto de Kanto (onde se localiza Tóquio), que ocorre regularmente no intervalo de 100 anos, poderia ter o seu prazo encurtado devido ao terramoto de Março. Ou seja, a possibilidade de que um grande terramoto atinja Tóquio, no próximo período, ficou maior.

Mas de que adianta saber isso, que cem em cada cem japoneses sabem, se ninguém faz nada? Por que viver em Tóquio e esperar que a sua casa caia sobre a cabeça? Por que esperar que após um terramoto de magnitude 7.0, ou maior, um tsunami adentre a baía de Tóquio e o arraste e a toda a sua família?

O artigo prossegue com mais alguns anatemos contra a sociedade capitalista e o Deus dos Terramotos. Que deve ser um capitalista também.

Mas nada acerca das consequências que podem afectar todos.
A radio-actividade libertada no ar? Desaparecida. Talvez fosse bio-degradável.

Nada de pânico

Doutro lado, porque preocupar-se?
As previsões alarmistas de que os efeitos a longo prazo, sobre a saúde, do acidente nuclear de Fukushima seriam piores daqueles que seguiram Chernobyl, em 1986, são susceptíveis de agravar os efeitos psicológicos nocivos do incidente. 

Afirma Gerry Thomas do Imperial College London, numa reunião em Varsóvia, Polónia:

Temos de acabar com estes tipos de relatos que nos chegam, porque realmente perturbam a população japonesa […]

O media têm muita responsabilidade aqui, porque pior dos efeitos pós-Chernobyl foram as consequências psicológicas e isso não deve acontecer novamente.

Os Japoneses fizeram a coisa certa, proporcionando iodo estável para assegurar que as doses radioactivas nas crianças fossem mínimas
Mínimas? Tão mínimas que 26.300 estudantes de Fukushima receberam nesta Terça-feira dosímetros para evitar exposições excessivas. Não parece uma situação normal. E nem tranquilizadora.
E o facto da Agência Nuclear Japonesa afirmar que a libertação de radioactividade em Fukushima foi cerca 10 por cento a de Chernobyl não ajuda: não simples acreditar nas palavras da mesma agência que tinha aceite como válidos os standard de segurança oferecidos pela Tepco, a empresa privada que gere (e geria) a central nuclear de Fukushima.
Césio em Vancouver?

Uma organização de pesquisa atmosférica francês criou um “mapa de simulação”, sugerindo que a costa oeste da América do Norte tem níveis de césio-137 maiores do que no Japão ocidental.

Clicar para ampliar

A apresentação do Centro de Pesquisa e Ensino no Ambiente Atmosférico deixa a clara sensação de que o césio-137 libertado em Fukushima alcançou a área metropolitana de Vancouver, Canada. Junto com o césio-134, o iodo-131 e o estrôncio-90, o césio-137 é um dos isótopos lançados na atmosfera pelo acidente nuclear, e todos são considerados uma ameaça para a saúde humana.

De acordo com CEREA, a simulação foi realizada com uma versão específica da química atmosférica e modelo de transporte Polyphemus/Polair3D.

Segundo os responsáveis do Centro:

A magnitude do campo de deposição é incerto e os valores simulados de radionuclídeos depositados poderiam ser significativamente diferente da deposição real […] Portanto, estes resultados devem ser vistos como preliminares e susceptíveis de ser revistos a medida que novas informações estiverem disponíveis.

Vozes. Não a forma melhor para tranquilizar a opinião pública.

Podemos juntar também algumas outras notícias para dar a ideia da falta de informação e até confusão neste fase post-acidente.
10.000 millisieverts
Se, como vimos, a quem diga que os relatos são exagerados e teme os efeitos psicológicos, outros especialistas não partilham esta opinião. 
Quantos materiais radioativos foram liberados a partir da central? O governo e a Tepco ainda não comunicaram o valor total da radioactividade libertada.
Quem faz estas afirmações não é um conspiracionista, mas o Dr. Tatsuhiko Kodama, professor do Centro de Pesquisa de Ciência Avançada e Tecnologia, director da Universidade de Radioisótopos de Tóquio, num discurso do passa do dia 27 de Julho no Comitê de Saúde, Trabalho e Bem-Estar perante os deputados japoneses.

Segundo o Dr. Kodama, a quantidade total de radiação libertada durante os últimos cinco meses é o equivalente a mais de 29 bombas atómicas de Hiroshima e a quantidade de urânio liberado é equivalente a 20 bombas de Hiroshima.

Lembramos que ainda em Agosto foram detectados 10.000 millisieverts (10 sieverts) de radioactividade por hora nos destroços da central, uma dose fatal para os seres humanos, suficiente para matar uma pessoa dentro de 1-2 semanas após o exposição.

10.000 millisieverts (mSv) é o equivalente a aproximadamente 100.000 radiografias ao tórax.

Começamos a ver que os casos de hemorragia nasal aumentam, tal como os casos de diarreia aguda teimoso, e os sintomas tipo-gripe nas crianças

acrescentou o Dr. Yuko Yanagisawa, um médico do Hospital de Funabashi Futawa, na Prefeitura de Chiba . Ele atribui os sintomas à exposição radioactiva e afirma:

Estamos a enfrentar novas situações que não podemos explicar com o conjunto de conhecimentos que temos utilizado até agora.

Conclui Yanagisawa:

A situação na instalação nuclear em Fukushima Daiichi ainda não foi totalmente estabilizada, e ainda não podemos ver um fim à vista.

Como o material nuclear ainda não foi encapsulado, a radiação continua a fluir para o meio ambiente.

Flui, mas em silêncio, de forma discreta. Porque, já sabemos: “pior dos efeitos pós-Chernobyl foram as consequências psicológicas e isso não deve acontecer novamente”. 

Ipse dixit

Fontes: Jornal de Notícias, Público, Notícias Terra, Esquerda.Net, NewScientis, Daily Iomiuri, Straight, AlJazeera

10 Replies to “Fukushima: 6 meses depois”

  1. A quem interessar possa:
    No fim de semana passada viajava eu com alguns jovens bem estudados da região que me perguntavam sobre viagens e se manifestavam loucos por conhecer o Japão. Queriam saber onde eu pretendia ainda ir. Respondi que só sabia onde decididamente não iria, ou não mais. Inclui na listagem o Japão. Perguntaram porque. Óbviamente respondi por causa da radiação. O menino então falou: "Nooossa, mas isso já passou faz tempo". Diante da certeza do rapaz, nada a argumentar, nada…absolutamente nada. De novo eu triste no meu canto com a estupidez humana. Pra que eu fui abrir a boca!? O menino já foi bem educado pelas meios de comunicação, pela política e gerenciamento do admirável mundo novo.

  2. Fukushima? Fukushima está "Fuked"…

    Provavelmente igual ou pior que Chernobil…

    Quanto aos sismos… bem…

    1º ninguém nos obriga a viver em cima de falhas gigantescas fruto da colisão de placas… ainda por cima sabemos que as placas estão sempre em constante movimento… estamos à espera de quê?

    2º Fica por saber se este foi de origem natural ou de origem humana… já parece a estória do aquecimento global ihihih

    3º Só para ajudar à informação incorrecta:

    desde 09-03-2011 2:45 até 30-04-2011 18:08 ocorreram 1105 sismos na área entre Lat 35º-45º Lon 140º-150º assim distribuídos:

    MAG Quantidade
    3.0 – 3.9……1
    4.0 – 4.9….625
    5.0 – 5.9….420
    6.0 – 6.9…..55
    7.0 – 7.9……3
    8.0 – 8.9……0
    9.0 – 9.9……1
    total…….1105

  3. max , vc e italiano certo ? ,

    e tenho uma curiosidade, vc viveu na epoca do duce ?

    foi mal se o tema e meio que proibido que nem o nazismo na alemanha "democratica", mais tenho uma curiosidade para saber sobre o tempo do duce .

    desculpa pala fulga de tema.

  4. Max e amigos,

    Deixei de acompanhar o nosso Max nestes últimos dias, e poderia dizer que tive a nítida impressão de que as coisas estão caminhando celere em direção do abismo.

    – Al Qaeda na Líbia: uma cronologia
    – Guarani vs. Shell
    – Climagate? Chegou a hora de Obama
    – Fukushima: 6 meses depois

    Depois cheguei a conclusão que não se tratava de mera impressão. Os relatos são novos, de fatos que vêm se sucedendo há tempos. Forças especiais para reprimir manifestações, como relatado pela Fada e todo o ambiente totalitário que se desenha, é, como disse Saraiva ou Burgos, num comentário dum destes posts, de causar MELANCOLIA. "Mais feliz que pinto no lixo", como gostava de usar essa expressão! Não há mais pinto algum que sustente a afirmação. Estão todos dentro daquela caixa enfumaçada do Max. Por estes dias, o pinto acordou, pulou da caixa, se deu conta que estava num lixão comendo titica e morreu de melancolia.

    Até a próxima,
    Walner.

  5. PLANO DE MUDANÇA COMPORTAMENTAL ARQUITETADO PELA ONU EM PLENO FUNCIONAMENTO:

    http://not.economia.terra.com.br/noticias/noticia.aspx?idNoticia=201109090901_BBB_80164525

    Pôsteres tentam profissionalizar imagem de prostitutas na Irlanda

    Isso faz parte da mudança comportamental que a ONU tem planejado
    ha muito tempo. Pelo jeito, estão a todo vapor.
    Não confio em absolutamente NADA que vem destas ONGs financiadas e
    apoiadas pela corrupta ONU.

    Desculpa, precisava compartilhar minha indignação com vocês.

    abraço
    e juízo!

  6. É Max, pare de nos importunar com estes pormenores! não estás a ver isso nos traz problemas psicológicos? deixe para as gerações futuras, que nascerão com adefeitos e isso nunca, de forma alguma, irá afetar psicológicamente as famílias, e muito menos as doenças derivadas da radiação, não não, o problema são pessoas como Max que vão a cruz por mostrar a realidade, onde já se viu!?

  7. Obrigada Max pela sua pesquisa e por ter partilhado connosco informação que está muito "enterrada" para ver se escapa!
    Parte do discurso de Haruki Murakami, na entrega do prémio internacional da Catalunha:

    "Mas hoje quero falar de coisas que, ao invés dos edifícios e das estradas, não se podem renovar facilmente. Por exemplo, da ética e do modelo. Nem uma coisa nem a outra são objectos que tenham uma forma definitiva. Uma vez danificadas, custa muito voltar a transformá-las no que eram. Isso é assim porque não são coisas que se possam fazer no imediato, mal se tenha reunido uma série de máquinas, mão-de-obra e as matérias-primas necessárias.
    Refiro-me, concretamente, à central nuclear de Fukushima.
    Como deverão saber, pelo menos três dos seis reactores afectados pelo terramoto e pelo tsunami na região de Fukushima ainda não conseguiram ser reparados e continuam a emitir radiação na zona. Ocorreu a fusão de um reactor, o que provocou a contaminação nas terras em redor, e, ao que parece, verteu para o mar de águas residuais uma alta concentração de radioactividade.
    Cem mil pessoas viram-se obrigadas a deslocar-se da zona próxima da central nuclear. Os campos, os prados, as fábricas, as zonas comerciais, e os portos ficaram subitamente desertos e abandonados. É muito possível que as pessoas que tiveram de fugir da zona não consigam voltar a viver. E, custa-me imenso dizê-lo, parece que os danos não afectaram somente o Japão, mas também alguns países vizinhos.
    A causa desta situação trágica é evidente. Esta desgraça só aconteceu porque as pessoas que construíram a central nuclear não tiveram em conta que poderia haver um tsunami grande. Alguns especialistas avisaram que, nesta região, já se tinha dado um tsunami desta magnitude, e pediram que se revissem os planos de segurança; mas a companhia que geria a central não os tomou a sério. A ideia de investir uma grande quantidade de dinheiro por um tsunami que pode passar, ou não, uma vez em vários séculos, não era muito atractiva para uma companhia que aspira a ser rentável.
    Por outro lado, parece que o Governo, que deveria ter controlado estritamente as medidas de segurança da central, baixou a guarda para levar adiante a sua política nuclear.
    É nosso dever averiguar o que se passou, e, no caso de se ter cometido algum erro, fazer dele público. Por culpa destes erros, mais de cem mil pessoas viram-se obrigadas a abandonar esta região e a mudar radicalmente o seu estilo de vida. Que aborrecimento. É natural.

  8. Por algum motivo, nós japoneses somos um povo que não nos aborrecemos demasiado. Sabemos ter paciência, mas não expressamos muito esse sentimento. Neste sentido, somos muito diferentes dos nossos amigos barceloneses. Mas, neste caso, acho que mesmo os cidadãos japoneses se aborreceram, se cansaram.(…)"
    (…)Só que desta vez ninguém nos lançou nenhuma bomba atómica. Fomos nós próprios que a provocámos, cometemos um erro com as nossas mãos, fizemos mal ao nosso país, destruímos a nossa própria vida.
    Porque é que isto aconteceu? Onde está o medo da energia nuclear que tínhamos mostrado desde o final da Segunda Guerra Mundial? O que é que danificou e corrompeu a sociedade rica e pacífica que tentámos construir ao longo de todos estes anos?
    O motivo é bastante delicado. A ‘eficiência’.
    As companhias eléctricas asseguram que os reactores nucleares são o sistema de produção de electricidade mais eficiente. Isto é, são o sistema que dá mais vantagens. Pela sua parte, sobretudo desde a primeira crise de petróleo, o Governo japonês abdicou da estabilidade de abastecimento de petróleo e adoptou a produção de energia nuclear como uma política nacional. As companhias eléctricas gastaram grandes quantidades de dinheiro em publicidade, compraram os meios de comunicação, e fizeram com que os cidadãos acreditassem que a produção de energia nuclear era absolutamente segura. Então, quando nos demos conta, aproximadamente 30% da produção eléctrica no Japão dependia da produção de energia nuclear. Sem que os cidadãos se apercebessem, o arquipélago japonês, pequeno e com abundantes terramotos, tinha-se convertido no terceiro país do mundo com mais centrais nucleares.
    E, chegados a este ponto, não há volta a dar. É um acto consumado. Mesmo entre os cidadãos se prolonga a sensação de que não há outro remédio que não seja depender da energia nuclear. No Japão faz muito calor, e não pôr a trabalhar o ar condicionado no Verão é quase uma tortura. Às pessoas que põem em dúvida a energia nuclear cola-se a etiqueta de “sonhadores pouco realistas”.
    E, agora, encontramo-nos como nos encontramos. Os reactores nucleares, que em teoria eram tão eficientes, provocaram uma situação dramática, como se alguém tivesse aberto a porta do inferno. Esta é a realidade.
    A realidade dos que estão a favor da energia nuclear, e que pediram a quem está contra que tivesse em conta a realidade, não era a realidade que pediram, mas somente uma “conveniência” superficial. O que faziam era dizer “realidade” no lugar de “conveniência”, para mudar a lógica sem que ninguém se desse conta.(…)

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