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A arma abusada

A empresa Ryanair pede para que as greves sejam abolidas.

A simpática companhia de transporte aéreo privado, com sede na Irlanda, está um pouco preocupada: amanhã é prevista uma greve do seu pessoal e a empresa irá perder alguns dinheiros com isso.
Então, Stephen Mc Namara, porta voz da companhia, pede o quê?

Medida de nível europeu para que o direito de greve seja removido para os serviços aeroportuários essenciais, de modo que os planos de viagem dos passageiros europeus não sejam mais alterados pelas acções egoístas dos sindicatos.


Só isso?
Ah, tá bom, eu pensava quem sabe o quê…

Mas então as coisas são diferentes: afinal Ryanair está preocupada com os direitos dos passageiros, não com os próprios lucros.

E os passageiros dos transportes rodoviários? Porque temos de discriminar? Vamos abolir a greve no sector rodoviário também.

E que tal a escola? Serve para quê poder viajar até as instituições se depois estas não funcionam? Já ouviram falar do direito à educação? E os outros serviços? Mas temos direitos ou não temos? Se a resposta for “sim,” então a abolição da greve é justa e necessária em todos os sectores.

Doutro lado, a Ryanair tem um historial na defesa dos direitos: também a abolição do segundo piloto nos voos ia neste sentido, sem dúvida.

Se for uma questão de direitos, tudo bem, abolimos as greves. E pensando melhor, também as férias.

A arma

Os tempos mudam. Aliás, já mudaram.

Até poucos meses atrás um pedido assim teria sido simplesmente ignorado, mas as coisas estão diferentes agora: então as palavras de Mc Namara não apenas não são motivo de gargalhadas como até merecem as páginas dos diários.

Ao longo das últimas décadas, a greve foi utilizada com uma desenvoltura assustadora; o que minou a credibilidade e a força desta arma. Porque de verdadeira arma se trata. E, como tal, deveria ser utilizada em casos extremos, apenas quando já não há espaço para as palavras e só para defender os direitos de uns sem pôr em causa aqueles de outros.

Infelizmente não foi assim. Os sindicatos sempre interpretaram as greves e as consequentes manifestações como uma prova de força e como a maneira mais cómoda e rentável para demonstrar a própria (alegada) potência.

Em Portugal, por exemplo, é normal programar greves para as Sextas ou as Segundas-feiras. Um mero acaso? Sim, sem dúvida, não desejamos pensar mal, pois não?

O abuso das greves fez que muitas pessoas ficassem enervadas com estas actuações; paradoxalmente, a greve, longe de atrair as simpatias de todos os outros trabalhadores, acaba por ser encarada por aquilo que actualmente é: uma óptima ocasião para prolongar o fim-de-semana.

Resultado: a instituição da greve esvaziada do próprio significado.

Pena, como dito, pois nesta nova imagem ficam greves “de cómodo” e greves atrás das quais há causas importantes também. Disso podemos sem dúvida agradecer os génios dos sindicatos, reduzidos hoje em dia a simples grupos de poder.

Novos tempos

Podem não acreditar, mas é o dono da companhia…

Mas aqui a questão é outra: é o princípio que é posto em causa.

A Raynair não está contra as greves “cómodas”, abusadas até o limite: está contra as greves e ponto final.

E isso não pode ser admitido. A greve deve permanecer um direito, pois ninguém pode obrigar um homem a trabalhar se as condições de trabalho não forem adequadas. Esta é a greve na sua essência.

Claro, seria preciso voltar a dignificar a instituição da greve; ter pessoas responsáveis nos sindicatos que percebam como a greve é uma medida extrema que só em casos extremos terá de ser usada. E não nas Sextas ou nas Segundas, se o desejo for ser tomados a sério.

A seguir, deveria ser obrigatória a participação dos grevistas nas manifestações correlatas e nas discussões para alcançar uma resolução dos problemas; porque as greves não podem ser uma boa ocasião para fazer shopping ou dormir até tarde: devem ser uma ocasião para marcar a própria posição e também procurar recursos.

Mas, claro está,  até quando houver alguém a falar ainda de “luta de classe” (ligada aos fins-de-semana, os dias melhores para a “luta” ao que parece), as esperanças numa melhoria são poucas…então até um atrasado como Mc Namara terá oportunidade para falar.

Como afirmado: os tempos mudaram, e no actual panorama de sistemática redução dos direitos (não apenas dos trabalhadores), a voz da Ryanair será só uma entre as muitas.

Ipse dixit.

Fonte: Libero