Líbia: a voz do outro lado

Saif al-Islam Muammar al-Gaddafi

Vamos ouvir o outro lado?
E vamos.

O diário argelino El-Khabar entrevistou Saif al-Islam Muammar al-Gaddafi, filho de Muʿammar Abū Minyar ʿAbd al-Salām al-Qadhdhāfī, Khadafi para os amigos.

E se a ideia é de uma pessoa que passa a vida entre camelos e poços de petróleo, então é bom lembrar que Seif licenciou-se em Engenheria Cientifica na Universidade de Tripoli, ganhou um MBA na Universidade IMADEC de Viena, um PhD na London School of Economics, colaborou com Anthony McGrew da University of Southampton e o Professor Joseph Nye da University of Harvard.

Pois o dinheiro não tem cor, e o filho de Khadafi era muito bem recebido no Ocidente, pelo menos até quando a Nato não decidir tratar de questões humanitárias.

Vamos ler as declarações dele, lembrando que não representam a verdade absoluta mas apenas uma versão dos factos.
Sem esquecer que este é o País donde partiram e que ainda acolhe os atentadores de Lockerbie (voo da Pan Am precipitado na Escócia em 1988, 270 mortos).
Sem esquecer que muito do que é contado nos medias ocidentais não é o reflexo da realidade.

A entrevista

El-Khabar: Começamos a nossa entrevista com o que mais interessa a opinião pública internacional: a que ponto estão as negociações com a oposição em Bengasi?

Seif el-Islam: Na verdade, temos verdadeiras negociações em curso com a França e não com os rebeldes. Através dum enviado especial que reuniu-se com o presidente francês, temos uma mensagem clara de Paris. O presidente disse francamente ao nosso correspondente: “Nós fomos a crar este Conselho [Conselho dos Rebeldes em Bengasi, NDT] e sem o dinheiro e as armas da França, não existiria.”

Estes grupos entraram em contacto conosco através de canais egípcios, reunimos-nos com eles no Cairo, onde foi realizada uma rodada de negociações, mas os Franceses acabaram com o saber do encontro e disseram ao grupo de Bengasi: nós apoiamos, mas se outros contactos com Tripoli terão lugar sem o onosso conhecimento, então vamos parar imediatamente de apoiar-vos.

Todas as negociações devem passar pela França, disseram: nós não fazemos esta guerra por beneficência, temos interesses comerciais na Líbia, e o governo de transição terá de aprovar vários contractos. Referem-se aos contratos relativos às aeronaves Rafale e aos outros contratos que envolvem a Total. 

El-Khabar: Por que não divulgam ao público os documentos que comprovam o vosso financiamento à campanha eleitoral de Sarkozy?

Seif el-Islam: Bem, nós não usamos todas as nossas armas ao mesmo tempo, temos mais de que uma surpresa, mais de uma arma e vamos usa-las na altura certa …

O avião francês Rafale

El-Khabar: Então agora estão a negociar com a Paris e não Benghazi?

Seif el-Islam: Sim, estamos a negociar com Paris e foram abertos canais de comunicação com a França. Os Franceses disseram: o Conselho faz o que dizemos, então, quando chegarmos a um acordo convosco em Tripoli, começaremos a falar dum cessar-fogo com o Conselho.

O Conselho é, portanto, um fantoche dos Franceses. Para dar-lhe um outro exemplo da interferência francesa no Oeste da Líbia, na zona montanhos perto da fronteira com a Argélia e a Tunísia, chegaram forças especiais francesas com a missão de ensinar [aos rebeldes] a pilotar os aviões franceses.

Essas forças também destinam-se a recrutar e treinar os rebeldes e as milícias, e entregaram com para-quedas armas ocidentais, sob a supervisão de outras forças especiais no chão. A mesma coisa aconteceu quando capturámos alguns prisioneiros em Misurata, disseram que há treinadores franceses a ensinar a pilotar as aeronaves. Bengasi tornou-se uma província da França, controlada pelos serviços de intelligence franceses; o que quero dizer é que a presença francesa em Bengasi tornou-se evidente, não vamos esquecer que Paris tem instalado um sistema móvel de vigilância e interceptação das comunicações em Bengasi, controlado pelos próprios Franceses.

Não se esqueça também do famoso incidente há 40 dias, em que um grupo de contractors [mercenários que tratam da segurança de empresas privadas, NDT] franceses foi morto em Bengasi. As unidades de segurança das empresas francesas estão a lutar com os rebeldes, e as declarações do grupo que capturou os mercenários mostram que as empresas francesas são responsáveis ​​pelos assassinatos que estão a ocorrer em Bengasi. A guerra contra a Líbia é de marca francesa, é uma cruzada liderada pela França.

O marido de Carla Bruni

El-Khabar: Sabemos que no parlamento francês será realizada na próxima Segunda-feira um debate sobre a guerra na Líbia, o que gostaria de dizer aos representantes do povo francês?

Seif el-Islam: O que aprendemos com os rebeldes que decidiram regressar a Tripoli é que queriam acabar o conflito na Líbia antes do 14 de Julho, antes do feriado nacional francês, porque Sarkozy queria comemorar o aniversário com a vitória e a ocupação da Líbia.

Sarkozy também anunciou nos meios de comunicação que Muammar Gaddafi tem que ir para o estrangeiro, o que significa que a intenção é voltar aos dias do colonialismo francês na África e na Argélia, quando os líderes nacionais foram expulsos dos países.

O projeto era de completar a ocupação da Líbia, em tempo para as celebrações do feriado nacional francês. Este é o seu programa, e ainda temos relatórios da intelligence segundo a qual os Franceses gostariam de desembarcar tropas de terra nas montanhas, nas áreas controladas por rebeldes, para depois atacar Tripoli. É uma das opções que foram estudadas em Paris. Por esta razão, se eu tiver que falar com os Franceses, digo-lhes que esta guerra estúpida, essa guerra baseada em informações falsas, em que acreditava-se que a Líbia pudesse ser derrotada e ocupada dentro de alguns dias ou algumas horas, fui na direcção oposta, como quando diziam que a Argélia pertencia de direito aos Franceses; que, no entanto, tiveram de sair.

Se Deus quiser, a França sairá da Líbia de mãos vazias e não será capaz de atingir os seus objetivos. Eu digo que se a França quer vender os seus aviões Rafale, se querem assinar contratos de petróleo, se querem voltar para a Líbia com suas empresas, então deve falar com o legítimo governo da Líbia e com o povo líbio, devendo fazê-lo por meios pacíficos e diplomáticos, porque da guerra e dos bombardeios não obterá nada. Esta é minha mensagem para a França.

El-Khabar: Em ponto está a mediação internacional e o que está a acontecer agora? em particular agora, depois da visita do mediador russo que tem tomado conhecimento da situação, após a reunião entre o presidente russo Medvedev e presidente da Nato e depois do encontro entre Medevedev e o presidente sul-africano Jacob Zuma, que é parte da mediação?

Seif el-Islam: Primeiro, deixe-me esclarecer algumas coisas, nomeadamente que o inteiro planeta foi enganado com artigos de jornais que mentiram, que diziam que o Estado líbio teria matado milhares de manifestantes e que bombardeou a população com aeronaves militares. O mundo agora sabe que era tudo uma mentira, a Human Rights Watch reconheceu que a informação era falsa, mesmo a Anistia Internacional disse que eram falsidades e o próprio Pentágono realizou uma investigação interna e concluiu que era informação falsa.

El-Khabar: E voltando à questão da mediação internacional, em que ponto estão?

Seif el-Islam: Com relação às iniciativas, há um road-map africano acerca do qual todos concordam: queremos organizar as eleições e chegar a um governo de unidade nacional, estamos prontos para realizar eleições sob a supervisão das organizações internacionais e introduzir uma nova Constituição, mas os rebeldes recusam, e recusam porque ainda não há acordos com Paris.

Khadafi

El-Khabar: O coronel Khadafi, no seu discurso perante os apoiantes na Sexta-feira Sabha, ameaçou retaliar e enviar homens-bomba na Europa: não está com medo de ser tratado como terrorista?

Seif el-Islam: Primeiro, é nosso direito atacar os Países que nos atacam e matam os nossos filhos. Mataram o filho de Muammar Gaddafi, destruíram a sua casa e mataram os seus parentes. Não há uma família a na Líbia que não tenha sido vítima da Nato. É por isso que estamos em guerra, a nato começou os ataques e vai enfrentar as consequências.

El-Khabar: Seif el-Islam será um candidato para as futuras eleições na Líbia?

Seif el-Islam: Estou oficialmente fora da política na Líbia desde 2008 e desde essa data e até o início da crise estava fora da Líbia, estava no Camboja. Voltei para a Líbia no início dos eventos, fiquei fora do jogo político, mas depois do que aconteceu na Líbia todos os planos foram alterados. Depois de ver a traição, os interesses no campo e a nova colonização, todos os dados foram alterados, não excluo a possibilidade de candidatar-me, todas as opções são possíveis.

El-Khabar: Como mudará o sistema da Líbia após as reformas em curso?

Seif el-Islam: Vamos manter um sistema público, mas terá um novo visual e um novo visual. Haverá uma segunda estrutura administrativa que será adicionada à primeira, se Deus quiser, estamos a lançar as bases dum Estado moderno. Estabelecemos uma Comissão Constitucional há três anos, envolvendo grandes especialistas locais e internacionais, e este projecto deve ser avaliado por todas as tribos da Líbia e discutido pelo povo. Se for aprovado, vai ser implementado.

El-Khabar: Algumas pessoas pensam nua Líbia dividida, o primeiro-ministro britânico David Cameron já declarou a intenção de particionar o Sahara líbio, o que acha?

Seif el-Islam: Existe um plano britânico para o desmantelamento da Líbia, a Oeste e o Sul para a França, o Leste para a Grã-Bretanha, e uma base militar para os Britânicos em Tobruk. Este não é um segredo, mas é uma ilusão colonilista, é como latir para a lua.

El-Khabar: Acredita que a Argélia possa desempenhar um papel no reunir entre eles os cidadãos líbios?

Seif el-Islam: Com toda honestidade, se perguntar a qualquer cidadão líbio, ele dirá que os Argelinos são muito próximos dos Líbios. Infelizmente, como você já viu, o único País árabe para o qual se olha como para um covil de criminosos é a Argélia. Nós temos uma coisa em comum com os Argelinos. Eles têm lutado contra a França no passado, nós estamos a fazer a mesma coisa hoje.

A mediação da Argélia seria bem-vinda. Tem sempre desempenhado um papel de unificação. Gostaria de salientar que as posições adoptadas pelos Países árabes são indignos, a Argélia é um dos poucos Países árabes que têm tomado uma posição completamente diferente. O povo líbio nunca vai esquecer e é por isso que a mediação da Argélia é bem-vinda para uma aproximação entre os irmãos da Líbia.

El-Khabar: Têm alguma coisa a acrescentar, uma declaração final?

Seif el-Islam: Desejo que a comunidade internacional preste atenção ao que está a acontecer na Líbia, onde há lugar uma das campanhas de desinformação mais colossal. Este é agora admitido pelos Europeus e pelos próprios Americanos. Na verdade, os media inventaram uma série de escândalos que nunca aconteceram. Avisamos a comunidade internacional que as imagens que é possível ver nos canais por satélite e na Internet são manipuladas. A verdade irá surgir um dia!

Fontes: Blogghete
Artigo original: El-Khabar

6 Replies to “Líbia: a voz do outro lado”

  1. Entrevista muito esclarecedora, e' pena que nao seja mostrada na grande generalidade dos media para a maioria das pessoas comecar a abrir os olhos e pararem com este sentimento xenofobo perante os povos muculmanos.

    O que foi dito para os leitores do I.I. nao deve de apresentar grande surpresa pois coincide com o que tem sido dito por aqui.

    Ando eu a pagar impostos para o nabo do Cameron andar a esbanjar bilioes nesta trampa de operacao.

    Boa descoberta Max

  2. ehh alguem teria esse link ou coisa do genero, por eles mesmo sobre essa afirmação?

    "a Human Rights Watch reconheceu que a informação era falsa, mesmo a Anistia Internacional disse que eram falsidades e o próprio Pentágono realizou uma investigação interna e concluiu que era informação falsa."

    obrigado

  3. De Túnis, onde estão os deputados Protógenes Queiroz e Brizola Neto:

    Nós , integrantes da delegação brasileira que tem como missão ir à Líbia conhecer de perto a situação no país do Norte da África, que está sendo vítima de bombardeios diários, queremos manifestar nosso repúdio às recentes ações aéreas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) a vilarejos da cidade de Zhaltan. A ação está interrompendo a estrada que liga a Tunísia à Líbia e impedindo a entrada de ajuda humanitária àquele país, assim como o simples direito de ir e vir dos cidadãos.

    Na noite de segunda feira (16), tivemos a informação de que o médico líbio Heghan Abudeihna, ao atravessar a fronteira, foi atingido pelos bombardeios e integrantes da sua família foram vitimados.

    Esses bombardeios estão impedindo, por hora, o ingresso da nossa delegação, que aguarda em Túnis a informação de que a região mencionada esteja sob controle das autoridades líbias. Somente com essas condições de segurança seremos autorizados a ingressar no país para realizarmos o nosso trabalho.

    De antemão, fica possível atestar que a OTAN está extrapolando os princípios e objetivos da sua atuação em território Líbio, posto que na região atingida não se encontravam, até o início dos ataques da OTAN na segunda-feira, forças militares governamentais ou quaisquer milícias que pudessem representar perigo às forças rebeldes.

    Entendemos que a única forma de acabar com a crise enfrentada pela Líbia é a realização de um plebiscito, sob a supervisão da Organização das Nações Unidas (ONU), para que o povo decida o regime de sua preferência.

    Trata-se de conteúdo enviado em 17/8 para o blog tijolaço de Brizola Neto

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