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Nobel, fármacos e dinheiro

Nobel.
Um prémio que todos os actores gostariam de receber…não, aquele deve ser o outro, o Oscar.
Tentamos outra vez.

Nobel, um prémio que todos os cientistas gostariam de receber. Porque representa o máximo reconhecimento do mundo académico.
Talvez.

Vamos conhecer melhor esta que é uma das instituições mais famosas do mundo.

O filantropo explosivo

Alfred Nobel  (1833-1896)

Era uma vez, na Suécia, um homem chamado Alfred Nobel que, para matar o tempo nas longas noites geladas escandinavas, inventou a dinamite.

Com a dinamite, o bom Alfred conseguiu matar também o irmão, mas a descoberta forneceu ao autor a imortalidade (coisa que não pode ser dita para o irmão, evidentemente).

Atormentado por problemas de consciência (“Será que a minha invenção será desfrutada para finalidades bélicas?”), decidiu incluir no próprio testamento uma doação de 32 milhões de coroas para que, em cada Dezembro, fossem premiadas as personalidades que mais tinham conseguido prestar grandes serviços à Humanidade.

No ano seguinte decidiu morrer e pouco depois, em 1900, foi criada a Fundação Nobel, cuja primeira dúvida foi: e agora onde vamos arrumar estes 32 milhões de coroas? Estabelecido que as coroas afinal eram moedas, em 1901 começaram a ser entregues os prémios.


Um grupo de sábios costuma reunir-se em Estocolmo e, depois de ter sido subornados de longas avaliações e discussões científicas, decide quais os homens mais dignos de louvor.

Mas como funciona a Fundação Nobel? Com base em quê são decididos os Nobéis?

Para descobri-lo, vamos analisar a história duma aclamada cientista italiana.

Rita Levi Montalcini e o fármaco (quase) milagroso

Rita Levi Montalcini (1909)

Rita Levi Montalcini é uma senhora de origem hebraica com 174 anos de idade que costuma andar com um gato nevrótico enrolado na cabeça, a quem ela chama carinhosamente “o meu cabelo”.

Em 1986 recebeu o Prémio Nobel por causa dos seus estudos acerca do factor de acrescimento da fibra nervosa, o NGF.

Que a Montalcini conseguisse identificar a estudar o NGF é coisa certa, não é isso que está em causa. O que levanta preocupação é a forma como foi decidido o Nobel.

Em 1975, Francesco Della Valle, gestor da Fidia, uma pequena empresa farmacêutica, obtém os direitos de exploração dum fármaco, o Cronassial, que tinha falhado todos os testes e que, em definitiva, não fazia nada a não ser provocar danos.

Mas a Fidia precisa dum medicamento para atacar o mercado farmacêutico e o Cronassial parece ter chegado na altura certa.

Problema: como convencer alguém a comprar um fármaco que não faz nada e que até pode resultar perigoso?
Resposta: com a ajuda dum cientista de renome.

3 Nobéis, alguns mortos

Della Valle contacta assim Rita Levi Montalcini, à qual entrega 50 milhões de Liras (em 1975 era um montante de todo o respeito).

A partir de então, a Montalcini trabalha nos laboratórios da Fidia e quando em 1986 recebe o Nobel, publicamente agradece a pequena empresa; e a Fidia, dum dia para outro, entra no Olimpo dos medicamentos.

De repente o Cronassial torna-se o fármaco mais vendido em Italia e exportado em todo o mundo: lógico, quem garante é nada menos do que a recém Prémio Nobel. Cúmplice uma agressiva campanha promocional, o Cronassial é receitado contra todos os males e a Fidia chega ao quarto lugar entre as casas produtoras de fármacos.

Além da Montalcini, também outros cientistas apoiam o Cronassial: é o caso dos americanos Carleton Gajdusek (Prémio Nobel da Medicina em 1976) e Julius Axelrod (Prémio Nobel da Medicina em 1970), ambos financiados pela Fidia.  

Todavia no estrangeiro reparam num pormenor esquisito: entre os pacientes que assumem Cronassial, muitos têm a antipática tendência em desenvolver a Síndrome de Guillan Barré, que mata um em cada 10 pessoas.
Em 1989 o Cronassial é banido da Alemanha, o ano seguinte é a vez do Reino Unido e em breve o mercado rejeita totalmente o produto. É o fim da Fidia.

Della Valle, que da empresa era o gestor (a propósito: nunca foi descoberto quais os verdadeiros donos da empresa: tudo acaba no segredo dum estúdio legal da Suíça), sai e cria uma nova estrutura, Lifegroup.
A Montalcini declara:

A saída de Della Valle da Fidia ameaça a sobrevivência da pesquisa científica.

E, dito isso, segue Della Valle na Lifegroup.

Metade e metade

Mas que tem tudo isso a ver com a Fundação Nobel?

Em 1993, o Director do Serviço Farmacêutico Nacional, Duilio Poggiolini, é preso e interrogado.

A acusação é pesada (corrupção: Poggiolini será condenado a sete anos de prisão) e ao longo dos interrogatórios conta uma história estranha: o Nobel da Montalcini seria o fruto dum “investimento” da Fidia, cerca de 7 milhões dos actuais Euros.

A coisa seria simples e o funcionamento o seguinte: dos 7 milhões, metade seria para o candidato para que este possa apresentar pesquisas e trabalhos adequados; metade para a Academia Real de Estocolmo, a mesma que analisa as candidaturas.

Mais pormenores? “Peçam a Della Valle”, responde Poggiolini.

Mas os investigadores já têm outra confirmação: um outro gestor (também sucessivamente preso e condenado) duma casa farmacêutica confessa que estava prestes a”investir” 2 milhões dos actuais Euros com o mesmo objectivo: a Suécia.

Nesta altura a investigação deveria ultrapassar os confins e viajar até a Suécia. Mas as coisas ficam complicadas e a mesma investigação, lentamente, “desaparece”.

Quem? Onde? Quando?

Uma entrevista de Chiara Baldassarri com Rita Levi Montalcini, ano 2004:

Chiara Baldassarri: O Cronassial […] foi retirado do comércio após diversos mortos e quando ficou claro que podia provocar efeitos devastadores no fígado e nos músculos. A professora Rita Levi Montalcini colaborou com a empresa produtora.
Rita Levi Montalcini:  Claro, conheci o Cronassial na altura.
CB: E porque a experimentação deu resultados que depois não foram confirmados? 
RLM:  A quem? Onde e quando?
CB: Não foi posto em comércio e depois retirado por causa dos efeitos colaterais muito graves?  
 
RLM: Não me parece. Não comento coisas que não conheço. Não façam todas estas perguntas porque acho serem uma perda de tempo.
CB: Mas existem fármacos que foram experimentados nos animais e depois no homem com resultados completamente diferentes.
RLM: Não, não me parece! Eu acho que o experimento com o animal é válido, naturalmente com o controle. Desculpe, mas são perguntas das quais não gosto.

A dúvida: será apenas arteriosclerose?

Ipse dixit.

Fontes: Politica Molecolare, La Repubblica, Dmi. Universitá di Perugia