Irão, Iraque e o Downing Street Memo

Seymour Hersh é hoje provavelmente o mais famoso repórter investigador dos Estados Unidos.
Foi ele quem deu a notícia do massacre de My Lai no Vietnam, em 1970, e ajudou a realçar o escândalo da prisão de Abu Ghraib no Iraque, em 2004.

Estes e outros artigos críticos acerca das ações do Governo dos EUA, bem como uma rede dentro de ligações no interior das forças de segurança nacional, fizeram de Hersh uma figura importante nos círculos progressistas e não só.

Numerosas provas, incluindo algumas das avaliações mais sensível da intelligence americana, sugerem que os EUA poderiam correr o risco de repetir um erro como aquele cometido contra o Iraque de Saddam Hussein, há oito anos, espalhando ansiedade em relação às políticas dum regime tirânico e estimando com distorção as capacidades militares da nossa nação e as intenções.

Desde 2005, um ataque iminente ao Irão é um tema central dos artigos de Hersh, e é repetido também no artigo mais recente da revista New Yorker,  sobre “O Irão e a bomba: a ameaça é real.”

Quem usa quem?

O artigo aponta corretamente que, ao contrário das alegações dos Estados Unidos, não há nenhuma evidência de que o Irã está a desenvolver armas nucleares, mas alerta para um possível ataque dos EUA na mesma linha do que aconteceu com a invasão do Iraque de 2003.

Algumas das previsões que Hersh fez no passado sobre a acção militar dos EUA contra o Irão tinham uma específica conotação temporal. Nenhuma mostrou ser precisa.

Muitos dos seus escritos sobre os Estados Unidos e o Irão eram baseados em informações privilegiadas do Pentágono e de outras fontes das agências de intelligence, muitas vezes elogiadas por ele. Cçarp que nesta altura a pergunta deve ser: é o escritor que usa as fontes ou o contrário?

Outra pergunta: como podem os militares dos EUA, tendo já ficados atolados nas guerras no Iraque, no Afeganistão e no Paquistão, começar uma guerra contra o Irão, um País maior e mais forte?

Não há dúvida de que a Administração Obama, como a anterior, está à procura duma mudança de regime no Irão. Está a usar métodos diferentes para conter, dividir e subverter o Irão através de sanções económicas, operações secretas, corrupção no exército de Teheran. Washington é um firme defensor do “Movimento Verde” no Irão, que tem uma base forte entre as classes média e alta.

A guerra psicológica, também, é outro aspecto da campanha de mudança de regime. Hersh é alimentado pela desinformação das unidades de guerra psicológica, cientes de que, dada a credibilidade, os seus artigos serão lidos por toda parte, até mesmo pelos líderes do Irão?

Erro? Não há erro nenhum

Em “O Irão e a bomba”, Hersh dá força adicional à falsidade que permitiu aos EUA invadir e ocupar o Iraque em 2003: a péssima intelligence.

Ele lamenta que os líderes dos EUA possam repetir o “erro” que levou à invasão do Iraque, acreditando que o “erro” foi causado, como já afirmado, pela “ansiedade em relação às políticas dum regime tirânico e a estimativa distorcida das capacidades militares da nossa nação e as intenções”.

A ideia de que invasão de 2003 foi um erro devido a informações incorretas recebidas da intelligence já foi completamente desacreditada.

Os Estados Unidos fizeram uma guerra de vinte anos contra o Iraque sob vários pretextos.
George H.W. Bush lançou a primeira guerra em 1991, para “libertar o Kuwait”.
O Iraque tinham ocupado o Kuwait no dia 2 de Agosto de 1990, após uma longa e amarga disputa entre a família real al-Sabah e o governo iraquiano.

Na curta guerra, os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e outras forças aliadas destruíram grande parte da infra-estrutura civil do Iraque, bem como infligiram pesadas perdas ao exército.

Washington, de seguida, impôs sanções devastadoras sobre o País que mataram mais de um milhão de iraquianos em treze anos. O embargo foi mantido pela administração Clinton durante o seu mandato, de 1993 até 2001, durante o qual o Iraque foi submetido a bombardeios contínuo por caças britânicos e americanos.

A razão apresentada para justificar o letal embargo era a tentativa de forçar o Iraque a desistir das suas “armas de destruição maciça”.

Em 1998, Clinton assinou o Iraq Liberation Act, tornando a mudança do regime o objetivo oficial da política dos Estados Unidos. Esta lei deixou claro que o verdadeiro propósito das sanções e dos bombardeios era derrubar o governo iraquiano.

A pistola e o cogumelo

A mudança de regime ocupava o topo da agenda na primeira reunião do Conselho de Segurança Nacional do presidente George W. Bush, no dia 30 de Janeiro de 2001, de acordo com o então secretário do Tesouro Paul O’Neill:

Desde o início havia a convicção de que Saddam Hussein tinha que ir-se embora.
(Entrevista com O’Neil, 60 Minutes, 11 de Janeiro de 2004)

A alegada ameaça de armas de destruição maciça iraquianas era completamente infundada e altos funcionários do governo dos Estados Unidos e Grã-Bretanha, com os seus serviços secretos, conheciam bem a verdade.

 No entanto, antes da invasão do Iraque, em Março de 2003, o Vice-Presidente Dick Cheney, a assessora de Segurança Nacional, Condoleezza Rice, e o Primeiro-Ministro britânico, Tony Blair, repetidamente lançaram declarações à imprensa sobre a suposta ameaça de tais armas iraquianas:

Nós não queremos que a pistola fumegante [a ‘prova’ da posse de tais armas] possa tornar-se uma nuvem em forma de cogumelo
(Condoleezza Rice, Setembro de 2002)

Depois da ocupação do Iraque, em Abril de 2003, Bush, Blair e outros funcionários fingiram surpresa e consternação quando não foi encontrada nenhuma arma de destruição maciça, mas as recitações foram pouco convincentes.

A defesa dos “direitos humanos e da democracia” tornou-se a nova justificação para uma ocupação de oito anos, que já matou mais de um milhão de Iraquianos e milhares de soldados norte-americanos. Além, claro de ter destruído o País.

Nada disso (sanções, invasões, bombardeios, mentiras) tem alguma conexão com uma suposta “ansiedade” acerca das “possibilidades e das intenções” do Iraque. O Iraque nunca ameaçou os Estados Unidos. O seu exército foi dizimado na primeira Guerra do Golfo e tinha sido reduzido até 15-20 % do poder mostrado durante a guerra de 1991.

Downing Street Memo: as mentiras provadas

O argumento de que o “fracasso da intelligence” provocou a invasão do Iraque recebeu o golpe de misericórdia com o lançamento do Downing Street Memo, em Maio de 2005.

O memorando é a acta de uma reunião entre Blair e altos funcionários na residência do Primeiro-Ministro britânico em Londres, no dia 23 de Julho de 2002, cerca de oito meses antes do início da agressão ao Iraque.

Na reunião, Richard Dearlove, chefe do MI6 britânico (o Serviço Secreto), falou duma reunião realizada em Washington apenas com os mais importantes funcionários da segurança nacional:

Bush queria remover Saddam com uma ação militar, justificada pela conjunção do terrorismo com as armas de destruição maciça. Mas a intelligence e os factos foram moldados pela política.
(DowningStreetMemo.com)

Em outras palavras, não foram as falhas da intelligence ou a falta de informação que levaram à invasão e ocupação do Iraque. A decisão foi tomada antes de lançar a nova guerra e depois tinha sido concebida uma história deliberadamente falsa para justificar o ataque.

Não há mistério nenhum acerca as razões que impulsionaram a guerra implacável contra o Iraque, as sanções e as ameaças contra o Irão e a cobertura da inteira área com bases militares dos EUA. O objectivo é dominar uma região estratégica que detém 2/3 das reservas de petróleo conhecidas no mundo.

Na tentativa de atingir este objectivo, a política dos EUA nas últimas seis décadas procurou destruir qualquer movimento independente ou Estado progressivo, apesar de ter apoiado os regimes mais repressivos e agressivos na região, como no caso da Arábia Saudita e de Israel.

O crime real do Irão, segundo Washington, não tem nada a ver com a democracia ou com um alegado programa de armas nucleares. É que o Irão recusa os ditames do império.

Acreditar que a agressão contra o Iraque e o Irão sejam devidas a “erros” é uma expressão de confiança num sistema intrinsecamente orientado para a guerra e conquista imperialista.

Fonte: Richard Becker em GlobalResearch
Tradução e adaptação: Informação Incorrecta

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