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Maria e os reformados (com áudio)

E assim falou Maria.

Taí uma coisa que eu gostaria muito que tu, Max, respondesses: o que o cidadão comum pode planejar para não ser liquidado com a socialização dos prejuízos financeiros pelos poderosos do mundo!!

Tô falando daquele cidadão/cidadã comum, hoje na casa dos seus 60 anos, funcionário público jubilado, que investiu 30 ou mais anos da sua vida no serviço em instituições estatais, acreditando na futura tranquila pensão que lhe possibilitaria a realização do estado de bem estar social a nível individual.

Este cidadão que hoje vê com desconfiança a continuidade da existência pura e simples da sua pensão, ou na melhor das hipóteses, a degradação da tal pensão, tendo em vista inflação por um lado e estagnação dos valores de pensão?

Tu sugeres que esse cidadão faça o que? Arrume um novo emprego, ou um pequeno negócio para compensar as perdas quando a sua saúde foi desgastada nos 30 anos de cumprimento exemplar das suas funções?

Aprenda a viver com muito pouco, coisa que sabe já bastante bem porque o cumprimento exemplar de suas funções nunca lhe permitiram realizar qualquer ato ilícito que lhe permitisse aumentar o salário?

Aprenda a enganar, furtar etc, coisa que nunca soube ou desejou fazer em 60 anos de vida?

Ou quem sabe, vire ativista e acredite que suas iniciativas de protesto vão de alguma forma alterar o estado das coisas? Como acredito que tu sejas capaz de pensar alternativas mais inteligentes que essas, te exponho a questão.

Cara Maria, antes demais uma confessão: estás a sobrevalorizar-me, acredita. E a demonstração está nas tuas considerações: não sou capaz de pensar em alternativas mais inteligentes, talvez porque nem existam.

Sobreviver

A condição de reformado é hoje uma das piores: não apenas é considerado inútil pois não produz, mas até representa um fardo por causa da reforma, cada vez mais difícil de pagar.

Perante isso, o reformado pode só esperar que os vários governos não apliquem cortes tão brutais na pensão e que a mesma consiga seguir o custo da vida.

Ao falar da realidade Portuguesa (admito ignorar a situação do Brasil, mas algo me diz que não deve ser muito diferente) e no caso das reformas mínimas, a única solução é sobreviver. O que já deve ser considerado um grande resultado.

Demasiado duro e triste? Meus amigos, acreditaram no sistema ao longo da vida toda, este é o fruto do sistema que escolheram e que votaram.

Não acreditaram e votaram sempre contra? Não interessa: votaram, e desta forma legitimaram o sistema.
Não acreditaram e não votaram? Parabéns, estão como os Leitores e autor deste blog: têm uma visão diferente e não ganham nada com isso, porque a maior parte continua a acreditar e votar, sem mexer-se. 

Investir?

No caso das reformas médias e altas, a situação é bastante complicada.
Investir? E como?

Numa casa? Sim, se a ideia for de viver naquela casa ao longo de muitos anos.

Se for para ganhar alguma coisa no curto prazo, então melhor abdicar: tira um ventinho frio que, provavelmente, irá trazer uma crise imobiliária no Velho Continente. E com uma crise imobiliária o valor das casas precipita.

Investir nas moedas? Dólar, Esterlina e Euro não oferecem segurança, bem pelo contrário, melhor evitar. O Yuan, a moeda chinesa, também não é um porto seguro. Só se for a Coroa Norueguesa.

E investir no mercado das acções? Grande risco, sobretudo no caso da Europa. As previsões do último Geab, acerca dum grave crise na segunda metade de 2011 ou, no máximo, primeira parte de 2012, parece acertada. Investir o pouco dinheiro que temos com que base? Num palpite? Com a opinião dum consulente?
E o consulente sabe o que irá acontecer nos próximos meses? Quais bancos irão desaparecer? Quais empresas podem esvaecer?

Títulos de Estado? Mesma coisa.

Como li há algumas semanas num site de referência ligado à Bolsa dos Valores, o objectvo agora não é ganhar, mas não perder. E isso deve ser aplicado a todos os investidores, em particular aos pequenos que investem de vez em quando e não conhecem qual a real situação dos mercados.

Objectivos mínimos

Em qualquer caso, mesmo que o investimento tenha um êxito positivo, é difícil que a própria vida possa mudar de forma radical.

Ou uma pessoa detém grandes capitais e pode assim arriscar num investimento com retorno substancioso, ou os lucros obtidos serão sempre de poucas centenas de Euros.
Que ajudam, sem dúvida, mas que não mudam a vida.

E não esquecemos que estamos a falar de reformados: quantos podem no final do mês pôr de lado dinheiro suficiente que possa justificar um investimento?

Na maior parte dos casos, será um bom resultado conseguir pagar os alimentos, os medicamentos, a gasolina (se houver carros) e, de vez em quando, um pouco de diversão (que é uma necessidade e não um acessório).

Que, afinal, é o objectivo de todos, reformados e não.

Porque a condição de quem já não trabalha não é muito diferente das outras: todos esta é a assim chamada “crise”.
Aliás, os reformados têm uma vantagem: receber no final do mês alguma coisa (ainda funciona), enquanto há quem tenha ainda de construir a própria vida e nem um trabalho tem.

Mas não há nada para fazer?
Há. E como sempre a solução não deve chegar “de fora” mas de nós.
É sempre a mesma história: ficamos sentados à espera das decisões dos outros? Ou vamos fazer algo?

Ao ficar à espera, não sei quanto direito de queixa teremos, julgo muito pouco ou nada. Antes deixámos que os outros tomassem decisões por nossa conta e agora refilamos porque não satisfeitos? Não faz muito sentido.

Ao fazer algo, as coisas mudam. E muito. Porque não somos simples espectadores (a condição da maioria da humanidade), mas actores.
Percebo: não é uma atitude que possa oferecer melhorias imediatas.
Mas quais atitudes podem oferecer resultados imediatos?

A nossa sociedade, o modo como funciona, é o fruto de décadas de “desenvolvimento”, onde cada cidadão deu, de forma voluntária ou não, a própria contribuição, não apenas económica, óbvio.
Cada um dos reformados trabalhou ao longo da vida toda para chegar aqui, na condição na qual vive hoje.

Afinal pensar que haja uma maneira de melhorar as nossas condições assim, de repente, é a mesma coisa que esperar para uma solução milagrosa. Mas para ter um milagre temos que ir em Fátima, Lourdes, pois na nossa sociedade nada disso acontece.

Roubar? Enganar? Tens razão, Maria, o primeiro impulso pode ser este.

Mas, além das implicações de carácter moral e penal, qual o resultado?
Ou roubas algo de verdadeiramente “grande”, do tipo “Ok, e agora estou nas tintas para o resto da minha vida” e esperas não ser apanhado, ou então terás que tornar o roubo (ou qualquer atitude menos licita) um habito.

Mas para onde vai um Mundo deste?

Além disso: se a nossa condição hoje é o que é, isso deve-se também por causa das pessoas que têm o poder e que ao longo das décadas mantiveram comportamentos incorrectos, em alguns casos fraudulentos.
Vamos fazer o mesmo? É este o nosso desejo? Perpetrar uma sociedade onde ganha apenas o mais esperto?

Maria sabe disso e se citou estas atitudes é apenas para realçar a situação de desespero na qual vivem muitos reformados.

Mas repito: não há soluções milagrosas.

Experiência e saúde

Todavia há uma riqueza: a experiência, que não tem preço.
E os reformados, sendo pessoas já com idade avançada, têm experiência, e muita.

Podemos comer com a experiência? Podemos torna-la uma riqueza tangível, para satisfazer alguns nossos desejos materiais?

Não, pelo menos não de imediato, pois também neste caso a experiência pode ser utilizada para construir, corrigir, mas não para comer ou comprar um novo fato.

Pôr a disposição a própria aula que durou uma vida pode ser uma maneira para mudar a sociedade.
Isso e manter-se em forma, do ponto de visto físico e psicológico, para ter a melhor qualidade de vida possível.

Desporto, participar em associações, grupo de pessoas com interesses em comuns. Manter o cérebro vivo. Pensar. E não deixar de fazer projectos, nunca.

É pouco? Talvez. Talvez não, não sei.
Gostaria de poder indicar algo de mais prático, mas não estou a ver nada.
A propósito: se alguém entre os Leitores tiver uma ideia, é favor escrever.

Lembrem que um dia todos estaremos fora do mercado do trabalho e teremos que enfrentar as mesmas dúvidas e os mesmos problemas.

Provavelmente até piores.

Ipse dixit.