Prince no Iperurânio

Já tiveram a impressão que algo esteja a fugir?
Algo de importante, algo de fundamentalmente importante.
Algo de tão importante que nem conseguimos vê-lo. Mas que existe, está aí.

“Aí” onde? Não sei, mas sei que está.

Eu tenho muitas vezes esta impressão.
Na rua, nas lojas. Vejo as pessoas nas filas, com as caras preocupadas. E gostaria de dizer “Pessoal, acordem: olhem que não é assim, olhem que está errado.”
Mas não digo nada, porque depois não saberia que acrescentar.

Então, para não ser acompanhado até o mais próximo consultório de psiquiatria, fico calado.

Mas a sensação volta.

Olho para as pessoas nos transportes públicos ou nos carros. São tristes, estão sempre ocupadas e pensam.
Em quê? Nos problemas do dia a dia: as contas, o trabalho. Ficam enervadas quando falam com alguém.
É raro ver um rosto sereno.

Algo não bate certo. Há algo mais do que isso.
Olho para o Leonardo. Parece-me sereno. Óbvio: tem a barriga cheia e eu não estou a chateá-lo.
Ou será que consegue ver algo?

Prince, o cão que não canta (mas anda)

Prince (o cão)

Myrna Carillo é uma mulher americana que cinco anos atrás vivia na Califórnia e tinha uma cão, Prince. Não o cantante, um cão mesmo.

Um dia Myrna perdeu Prince e a seguir teve de transferir-se para outra cidade. E outra ainda. Um total de quatro mudanças.

Casou, nasceram dois filhos e após cinco anos eis que à porta de casa aparece Prince. Não o cantante, sempre o cão.

As crónicas estão repletas de casos como este. E sobra sempre uma pergunta: como foi possível?
A clássica resposta neste caso é: instinto. Que não significa nada.
Instinto de quê? Instinto GPS TomTom?

Que coisa consegue ver um cão que percorre centenas ou até milhares de quilómetros para encontrar o dono?
Que coisa vêm as aves que percorrem o planeta com descontracção como se fosse o quintal de casa?
Que coisa conduz as enguias no meio do Atlântico até alcançar o Mar dos Sargaços e depois de volta, até Europa?

 Wikipedia com problemas

Nem Wikipedia, que tudo sabe e tudo conta, faz luz acerca deste mistério. E se nem o site mais negacionista do Planeta consegue fornecer um vislumbre de explicação científica, então significa que a questão é mesmo séria.

Neste caso, Wikipedia portuguesa é a pior: na prática diz que as aves e os peixes, por exemplo, partem daí e voam ou nadam até lá.
Que como explicação não é grande coisa.

Um pouco melhor (mas pouco) a versão italiana, que parece ser aflita por uma estranha forma de surpresa aguda (as tartarugas conseguem voltar à mesma praia onde nasceram, após trinta anos, inacreditável!) e fornece explicações no mínimo esquisitas: neste caso, as aves teriam uma espécie de mapa geográfico na cabeça, no qual estão marcados os montes e os rios.
Um Google Earth Portable, provavelmente com ligação USB.

E como isso não parece suficiente, eis que as aves observam também o céu, o azimute, a posição das estrelas, a direcção dos ventos.

Cegonhas após cerveja

De facto agora lembro que na região de Milão (uma zona onde o nevoeiro pode estacionar ao longo de dois ou até três meses seguidos) não é invulgar encontrar cegonhas nos cafés durante os dias nublados, o que provoca graves problemas aos gestores, pois as aves costumam beber muita cerveja mas depois não têm dinheiro e esvoaçam (às gargalhadas) até a árvore mais próxima.

Doutro lado, tentamos perceber as pobres cegonhas: com uma visibilidade de dois ou três metros, como podem voar?
Podem? Ahe? Podem mesmo? E o nevoeiro, o azimute, as estrelas e todo o resto? Esquisito mesmo…

E os peixes? Ah, pois os peixes…ehhhh, os peixes não têm Google Earth Portable, coitados, estes nadam no meio do Atlântico, só se forem as estrelas. De noite. E de dia? O Sol. E se houver nuvens? Ah, então é o magnetismo terrestre.
Supor que o magnetismo seja a chave significa apenas substituir o mapa modelo Google Earth com um mapa  magnético.
Mas Prince (o cão, não o cantor)?

Azimute, estrelas, Sol, ventos, magnetismo. Tudo pode ser, mas a verdade é que ainda nada sabemos ao certo.
E não esquecemos Prince. O cão, não o cantor.
Todas as hipóteses até aqui ilustradas não têm validade nenhuma no caso dos animais que percorrem milhas após milhas, com um rasto que apenas eles podem seguir.

Então chegamos até um ponto morto.
Vamos dar um salto?
Para onde?
Para além do óbvio.

O salto 

E se existisse realmente algo? Algo que guia os cães, os gatos, as aves, os peixes. Algo que também nós podemos sentir mesmo sem reconhece-lo.

Uma ligação. Não sei de que tipo, mas uma ligação.

O que nós temos que existe, que não pode ser observado nem medido, não pode ser cheirado, ouvido, auscultado, pesado, tocado mas que existe?

São as ideias.
Alguém poderia dizer “o pensamento”, mas eu prefiro as ideias (que criam o pensamento e não vice-versa!).

As ideias não têm corpo, mas existem. Quase todos os seres humanos têm ideias. Os mais perversos tornam-se banqueiros e os que têm poucas ideias entram em política, onde terão só que fazer o que os banqueiros irão pedir.
Mas, duma certa forma, quase todos temos ideias.

Kill ‘em all

Ainda Wikipedia:

De acordo com algumas definições actuais, a ideia seria uma representação que a mente instintivamente compõe para o reconhecimento dos impulsos externos, sob a forma de elemento composto por pequenos itens anteriormente aprendidos, e com a cuja combinação seria possível compreender o estímulo externo.

Por favor, não venham com esta treta. Peguem no vosso empirismo, peguem no Cartésio, Locke, Hume e deitem tudo pelo cano abaixo. Se o Mundo é o lugar triste de hoje, é também por causa destes senhores.
Há vida além da lógica (mas uma vida sem lógica torna-se caos!).

O passado é o futuro?

Ao invés, peguem num Platão, num Plotino, até num Santo Agostinho se for o caso. E começamos a considerar as ideias não como “consequências” mas como “origem”. 

Ideias como formas pré-existentes, um esboço de pensamento. Algo que não precisa nascer porque já está em nós.
Um conceito demasiado primitivo, um anacronismo? Nem por isso: podem ler Carl Gustav Jung, por exemplo, e as suas ideias inatas e pré-determinadas do inconsciente humano.

Leonardo, o cão filosofo

Mas imaginar as ideias como “origem” e não como “consequência” tem implicações profundas. Significa que as ideias existem antes da experiência. 

Santo Agostinho achava que Deus tinha criado o Mundo a partir do nada, mas antes desta criação as ideias já existiam na mente Dele. E a religião encontrou assim a filosofia.

Mas se as ideias existirem, onde estão? Em que lugar?

Segundo Agostinho o lugar é a mente de Deus.
Platão, pelo contrário, coloca as ideias numa região além do Céu, o Iperurânio.

Eu não sei. Afinal não sou mais do que um fruto duma educação lógica e baseada na repetibilidade científica.

Mas gosto de pensar que Prince (o cão, não o cantor) possa ter seguido uma ideia. Uma ideia em comum com a dona.
E que as aves e os peixes possam seguir uma ideia também, a ideia de “lar”.

Talvez, no meio do trânsito, temos o vislumbre duma ideia.
Talvez, no meio das filas, dê para ter uma vaga impressão de ideia.
Uma ideia que repete: “Pessoal, acordem: olhem que não é assim, olhem que está errado”…   

Ipse dixit. 

Para concluir, um vídeo dum artista do qual eu nunca gostei mas que um dia, evidentemente, caiu, bateu com a cabeça e ainda bem que ai perto estava um papel com uma caneta, pois assim nasceu uma das canções melhores do mundo: Purple Rain.

O artista é Prince (o cantor, não o cão) e depois das curas voltou à normalidade.
Infelizmente.

Fontes: Wikipedia Pt, Wikipedia It

2 Replies to “Prince no Iperurânio”

  1. Sabe, talvez seja estranho ler isto, mas esta postagem veio hoje pra mim de maneira perfeita.

    Me fez me sentir melhor, era justamente o que eu precisava.

    Penso o mesmo sobre os "instintos" e essa ignorância teórica dos animais. Penso que esse nosso afastamento do animal que somos é muito mais prejudicial do que imaginamos. Quando em contato com a terra, sem os sapatos e meias que criamos, quando no meio da mata, ou dentro do mar, nos sentimos tão bem! Por que fugimos tanto disto?

    Perfeito. Perfeito.

  2. Gostei bastante deste post.

    Talves trata-se algo mais do que o instinto, será o Sonho? O Destino?

    Assunto que dava para filosofar a noite toda, ams prefiro ir dormir.

    Parabéns mais uma vez!

Obrigado por participar na discussão!

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