O que se passa com a imprensa de regime é espantoso.
Pegamos nos principais diários de língua portuguesa: notícias acerca da situação na Grécia?
Porque o leitor pode não saber, mas ontem foi um dia para ser lembrado em Atenas e arredores.
Estadão:
Ex-jogador Edmundo é preso em um flat na capital paulista
Uma notícia importante, até é a notícia logo abaixo do título. Meus senhores, é Edmundo, não um Zé Ninguém qualquer.
Afeganistão é o país mais perigoso para mulheres, mostra estudo
Por isso as leitoras já sabem: nada de férias em Kabul neste Verão. Para os homens nenhum problema.
Xeque egípcio substitui Bin Laden no comando da Al-Qaeda
Com certeza.
O Globo:
Mesmas notícias. O artigo acerca do Afeganistão é substituído pelo motociclista morto com dois tiros ao longo duma briga, em São Paulo.
Os meus pêsames.
No outro lado do Atlântico.
O Diário de Notícias abre com a Escherichia coli (ainda???): segundo o jornal, nos supermercados da Lidl os hamburgers têm a bactéria letal.
Para criar um pouco mais de pânico não é especificado que tudo aconteceu na França, que ninguém morreu e que ainda estamos perante uma suspeita com tanto de investigação e não um facto provado.
A não perder o Director Geral de Saúde, Francisco George, que afirma: “Não hesito em comprar sapatos de marca portuguesa”.
Com vídeo, obviamente.
Há ainda o sucessor de Bin Laden.
No Correio da Manhã, um dos mais lidos, não há espaço para a Grécia, pois a redação optou por evidenciar duas notícias de bem outra espessura:
1. nos Estados Unidos uma mulher chama polícia por lhe servirem o prato errado
2. tentam roubar cão-guia a deputado espanhol cego
Nem o sucessor de Bin Laden temos aqui.
No Expresso…Minha Nossa! Falam da Grécia!!! E até o artigo nem é mau…
Mas afinal, o que aconteceu?
Informazione Scorretta e outros blogues italianos seguiram os acontecimentos em directo vídeo streaming.
E o de ontem foi um dia quente mesmo.
O parlamento tinha que fazer uma escolha: decidir entre União Europeia e FMI dum lado e cidadãos gregos do outro.
Isso é: decidir se aprovar os novos cortes, a nova vaga de privatizações e outras medidas impostas pelo Fundo Monetário Internacional.
Contra os desejos dos Gregos, óbvio.
O protesto começou na Praça Syntagma, em Atenas, onde já no passado dia 5 de Junho centenas de milhares de cidadãos tinham manifestado.
Cedo foram erguidas redes metálicas para a proteção do Parlamento, enquanto os cidadãos gritavam “Ladrões”. Situação delicada também em Tessalonica, onde o Ministro da Macedonia e da Tracia ficou rodeado por centenas de manifestantes.
Os protestos de Atenas tornaram-se mais violentos, com uso de gás lacrimogéneo, molotov, pedras, tentativas de ultrapassar as redes de metal, confrontos físicos entre polícia e cidadãos.
O Primeiro Ministro, George Papandreu, ofereceu as próprias demissões em troca dum governo de unidade nacional.
O dia fechou-se por volta das 23 horas, com as notícias do mundo financeiro: rendimentos dos Títulos de Estado que pulverizam todos os recordes negativos, 28% a nova taxa de juro.
Ao longo da noite, o demissionário Papandreu tentou constituir um novo governo, mais amplo, mas até agora sem sucesso.
Hoje, o mesmo Papandreu irá pedir a confiança apresentando um executivo que tem o mesmo programa do governo que acabou de ruir. Mas tudo acontecerá à noite, na esperança que os cidadãos durmam.
E quando o barco afunda, os ratos fogem: Ektoras Nasiokas, deputado do Pasok, acabou de demitir-se hoje com uma intervenção televisiva.