Fantahistória – Parte I

O Velho estava aborrecido.
Não que os planos não funcionassem. Tudo funcionava quando o Velho puxava os cordéis. Sempre funcionava.
Só que desta vez as coisas avançavam de forma lenta. E o Velho não gostava da esperar.
Tudo, sempre e já.

– Então, qual o problema desta vez? Dinheiro? É isso que querem?
– Não, não Meu Senhor, não é o dinheiro. Temos com fartura disso, não…
– Então, é o quê? Eh?
– Imprevistos.
– “Imprevistos”? Devem estar a gozar comigo. Só podem.
– Não, não, desculpe Meu Senhor, nunca um pensamento deste…
– Sim, já sei, parem com esta treta. Factos, quero factos. O que está a correr mal?
– A China, Meu Senhor, a China é…
– A China o quê? A China o quê? Eh?

O Velho tinha mudado de cor. Uma nuance quase impercetível mas que os Mordomos tinham aprendido a reconhecer. E depressa, pois era a cor da tempestade.


– Destruímos as empresas da Europa. Dobrámos as indústrias dos Americanos. Já têm 6 ou 7 Países da África. O Japão está fora do jogo. A Índia está controlada. Qual o problema ainda, eh? Alguém sabe responder?

Na verdade era uma pergunta retórica. Mas nem todos têm a capacidade de entender quando é altura de ficarem calados. Afinal, era sempre uma pergunta do Velho.
 
– A bolha, Meu Senhor, a Bolha Imobiliária.
– A bolha! “A bolha” dizem. Não tentem ensinar-me o que é uma bolha, sou eu que crio as bolhas, querem que não saiba o que é uma bolha?
– Sim mas os Chineses…
– Os Chineses o quê? Sabem quanto custou-me moldar esta elite de incapazes? Sabem quanto ouro fluiu até Pequim? O que querem agora, um novo Mao, um novo Livro Vermelho? É isso?
– Não, não é isso. Talvez um erro…
– “Um erro”! Esta é boa. Boa mesmo. Mudamos de avesso o planeta e agora eis a palavrinha mágica: “erro”.
Abram bem os ouvidos, senhores: aqui não há erros, aqui está tudo planeado, até o mais ínfimo dos pormenores.

Os olhos do Velho tinham ficado mais pequenos. Apenas um pouco. Mas tinham ganho a força de provocar arrepios nos presentes.

– O palhaço aí nos Estados Unidos, Yes We Can, donde saiu este, eh? E como é que McCain perdeu, eh? Já esqueceram? Quem pensou na Sara Pallin antes do palhaço poder perder as eleições, eh? Como é que uma idiota como aquela conseguiu ser eleita Governador dum Estado, pronta para ser usada na altura certa, eh? Planeamento, meus senhores, planeamento: este é o segredo. Olhem para a Europa. Nada de problemas, nada de crise, tudo segundo os planos. E porquê? Porque começámos a trabalhar nisso há décadas. Poucas pessoas certas nos lugares certos, dinheiro, e a Europa está arrumada.
– Meu Senhor, talvez a China não esteja pronta…
– Pronta? Está prontíssima, não pronta. Centenas de milhões de mortos de fome, crescidos na pobreza, agora com a ilusão da riqueza. É o velho jogo do burro e da cenoura. Têm fome, senhores, fome de inutilidades. Querem consumir, gastar, boa vida.
– Como a Europa depois da guerra…
– Exacto, como os Europeus após a guerra. E a seguir será a Índia. Sabem que significa isso? Significa que ao longo das próximas 7 ou 8 décadas está tudo desenhado. E depois será a vez da Rússia e da África. A África. Onde tudo começou.

Onde tudo começou. O Velho gostava de se imaginar a si próprio e à linhagem dele como envolvidos numa espécie de missão.
A Missão.
Os Mordomos não tinham a coragem para duvidar e observavam as rugas nos cantos dos seus olhos.

– Imaginem, um continente inteiro, agora morrem como moscas, no futuro serão o motor do Planeta. Estamos a falar de gerações e vocês apresentam o quê? Um miserável erro?
– Talvez com um pouco mais de autoridade…
– Mais autoridade? Mas vocês lêem os memorandos que envio? Balançar e conta-balançar é o método. A História não ensina nada? Temos as melhores bibliotecas do Mundo, leiam por amor de Deus! União Soviética dum lado, Estados Unidos do outro. Agora é altura de contra-balançar: Ocidente dum lado e Nova Democracia do outro: a China será o exemplo, este é o tempo.
– Meu Senhor, talvez seja esta a chave: uma guerra.
– Claro: estava à vossa espera para pensar numa guerra. Saiam. Saiam todos.

Os Mordomos recolheram as pastas e em silêncio alcançaram a pesada porta de madeira que dava para um dos longos corredores da mansão. Pouco depois uma fila de sedan escuros atravessavam o amplo parque.

O Velho tinha ficado sentado, a fixar os jogos das madeiras trabalhadas da mesa. Lentamente, tinha-se levantado para se encostar à janela.

Lá, no fundo, havia uma cidade. Não estava à vista, mas o Velho sabia que havia uma cidade. E atrás outra cidade, e outra ainda. Nelas, milhões de pessoas mexiam-se. Sem pensar.

Afinal pensar para quê? Havia já uma pessoa a fazer isso. Uma tradição de família.
E agora tinha chegado a altura de retomar os velhos hábitos.

3 Replies to “Fantahistória – Parte I”

  1. Genial! Fantástico e assustadoramente real, como sabemos.

    Como interessada e atenta que sou nestas "coisas", apraz-me dizer que este blogue é claro.
    Transparente. Escrito (pelo que li) com muita coerência, parecendo que não, dá logo outra segurança para quem lê.
    Muitas vezes, noto muitas discrepâncias noutros blogues do "género", depois fico confusa e nem sei em que pensar, não sou nenhuma expert, mas também não sou ignorante e acerca de 2 anos conheci esta verdade horrorosa acerca do mundo, dos enganos que fomos e vamos sendo alvos.
    Neste blogue, tudo parece ser preto no branco em termos de interpretação para quem lê. É bom, muito bom.

    Continuação do excelente trabalho que tem feito. 🙂

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