Mercadorias

Dizia Zygmunt Bauman, um dos mais ilustres sociólogos de sempre:

Na sociedade do consumo que ninguém pode tornar-se um sujeito sem primeiro ser transformado em mercadoria, e ninguém pode manter segura a própria subjetividade sem ressuscitar, reviver e recuperar constantemente as capacidades que são solicitadas e atribuídas a um produto comercial.

Que significa isso? Não faço ideia, mas soa bem.
Gosto sobretudo da frase “ser transformado em mercadoria”.

Consumismo, mercados, desregulamentação, liberalização: via das convenções sociais, via dos Estados-Nações; basta de fronteiras; acabam as tradições; via das regras que limitam. Nenhuma lei, escrita ou moral, deve travar o fluxo do dinheiro.

“Globalização” é a palavra símbolo. Porque somos todos iguais; não como indivíduos, mas enquanto mercadoria.


Pensamos nisso. Ao longo das nossas vidas lidamos com produtos que temos de escolher o mais rapidamente possível, na sequência duma necessidade ou dum capricho momentâneo. Dezenas de supermercados com prateleiras de mercadorias igual, cega com cores berrantes, frases de efeito, promoções e oportunidades únicas. Descontos.

Muitas vezes decidimos numa fração de segundo, sem pensar; mas por trás há milhares de milhões gastos e meses de trabalho apenas para propiciar um gesto irracional em favor dum produto em detrimento de outros. Até a disposição das prateleiras não é casual; até a disposição da mercadoria nas prateleiras é objecto de estudo.

Agora imagem um desses supermercados, um dos cómodos, com parqueamento gratuito, elevadores, e música de fundo. E tentem responder: qual é a mercadoria? Aquela que fica nas prateleiras ou aquela que empurra o carrinho?

Facebook. ou Orkut. Pensem nos social network e nas nossas reacções. 
Fazemos upload das nossas fotografias (as melhores, claro); oferecemos uma nossa descrição, que terá bem poucos defeitos; participamos nos jogos online e enviamos prendas para os amigos, porque somos generosos.

É a mesma coisa que faz um produto na prateleira. Uma fotografia bonita, uma palavra bonita, cores bonitos. Tudo é bonito na mercadoria, como no nosso perfil do social network. 
Tentamos ser únicos e inimitáveis. Em detrimento dos outros. A mesma coisa que faz um detergente.

Podemos interagir com os outros, mas apenas se aceitarmos expor a nossa mercadoria. Que somos nós.

É a cultura do aparecer que entra de forma definitiva no nosso computador e, consequentemente, na nossa casa. Não é suficiente um vestido de marca, não basta um carro último modelo: agora é altura de vender a nossa imagem, por-la na prateleira dos social network e esperar para que alguém decida comprar.

No caso de Linkedin, a comercialização é ainda mais clara, pois o assunto é o mercado do trabalho. E que é vendido ou adquirido num mercado? Mercadoria, óbvio.

Podemos pensar que afinal é normal: sempre foi assim e sempre será assim. Sempre houve pessoas que decidiram distinguir-se das outras e para fazer isso é preciso realçar as melhores qualidades.

Isso é verdade. Mas quem criou o termo “ambicioso” e porquê?
A grande diferença é que hoje todos temos de ser ambiciosos, é a sociedade que exige esta atitude. Então Facebook e Orkut tornam-se um fenómeno de massa e facturam milhões de Dólares. Com apenas um tipo de mercadoria: nós.

A única diferença é qual das mercadorias empurra o carrinho e qual observa a partir da prateleira. 

A corrente  

Mudamos de assuntos, mudamos de mercadoria.

Em Portugal as coisas não estão boas. O que não é novidade.
Um sinal entre outros: surgem como cogumelos as lojas onde é possível trocar ouro por dinheiro. 

Há 10 dias abriu uma das tais lojas perto da minha casa, mesmo ao fundo da rua.

Há 2 dias uma senhora foi assaltada às 22 horas, enquanto passeava o cão. Roubaram-lhe a corrente de ouro que tinha ao pescoço. 
Foi o primeiro assalto desde que aqui moro. 

Uma coincidência, sem dúvida. 

Ao minuto 

E para acabar, outra mercadoria ainda. 

Num supermercado reparei neste dístico que é um publicidade da PT Telecomunicações, perto dum telefone público:

 

0,14 Euros (isso é, 14 cêntimos) para ligar um telemóvel é bom preço: eu pago 16 cêntimos ao minuto.

Mas eis una coisa curiosa: após € 0,14 há um asterisco. O que significa aquele asterisco?

No fundo do dístico é possível ver uma linha, absolutamente ilegível. E posso assegurar que também ao vivo tive dificuldades em ler; isso eu que nem uso óculos, imaginem uma pessoa idosa, por exemplo. 

A linha em questão assim reza: “€ 0,14 – 30 segundos de conversação”. 

30 segundos? Mas que raio de publicidade é esta? Os preços costumam ser dados por minuto de conversação, não por 30 segundos. 

Desta forma, ligar com a PT custa 0,28 cêntimos ao minuto, contra os meus 0,16. 
Nada barato. 

Se este for o exemplo que vem “de cima”…

Ipse dixit.

2 Replies to “Mercadorias”

  1. Quando nascemos recebemos um certificado de nascimento, tal qual mercadoria que atraca nos portos, entre outros documentos para garantir que a "mercadoria" é legalizada.

    Exagero?

    Talvez.

    Abraços!

  2. Infelizmente, a sociedade existente (o esquema montado) exige que haja competitividade. As pessoas tentam manter-se à tona de água.

    Eu acredito, como já li algures, que a sociedade gera os comportamentos e os sentimentos de ganância, egoísmo, competitividade, etc. Aliás, não é preciso ser-se nenhum sociólogo para perceber isso…

    E pensar que tudo isso provém de uma coisa que parece tão simples, como os juros Que têm de er pagos com dinheiro que simplesmente não existe em LADO NENHUM.

    Cumprimentos,
    — —
    R. Saraiva

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