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Decrescimento: poucas ideias mas bem confusas

De forma lenta, começa a aparecer cada vez mais o conceito de decrescimento.

Vivemos num mundo onde a palavra de ordem é “crescimento”, sempre, infinito, a qualquer custo. Afirmar que um País conseguiu produzir a mesma riqueza do ano passado é uma catástrofe: o País, qualquer País, tem que produzir mais, cada vez mais.

Não é bem claro quem deveria adquirir os bens produzidos em quantidades maiores, sobretudo se considerarmos a grave crise da qual não conseguimos sair, os cortes aos salários, o desemprego, etc.

E nem fica esclarecido onde encontrar os recursos, em medida cada vez maior, pois o planeta é o que é, tem os seus limites.

Mas não interessa: crescimento deve ser.
Caso contrário, é recessão.

Por isso, eis a solução: decrescimento.
Pensar numa sociedade que não tem de crescer mas que pode viver numa situação de equilíbrio ou até “encolher-se” um bocado.
Parece uma boa ideia. Afinal muitos dos males actuais são provocados por esta “febre dos recursos”, Pensamos nas guerras do petróleo, do gás.


O problema é que, como muitas vezes acontece, os pensadores desta nova sociedade (um misto de ecologistas, vegetarianos, cheguevaristas) passam de 8 até 80. O panorama pintado parece mais o duma sociedade Amish, salvo a religião, aqui substituída pela ideologia. Todos a viver no campo, nada de carros, nada de viagens, nada de televisão, nada de nada; todos fechados na própria comunidade, numa espécie de exílio global. Um salto atrás de 200 anos ou pouco menos.

Estou convencido que parar o crescimento infinito não significa voltar ao Tempo das Trevas. No entanto, eis uma lista de 10 pontos que dois destes pensadores (Bruno Clémentine e Vincent Cheynet) acabam de publicar: 10 pontos para afastar o consumismo.

O mesmo consumismo que permitiu a existência de internet e do blog deles.
Mas afinal, são Franceses…

O decálogo

1. Livrar-se da televisão

Entretenimento e imaginação

Para entrar no decrescimento, o primeiro passo é tomar consciência dos próprios condicionamentos. O primeiro meio de condicionamento é a televisão.

Eis um erro típico deste tipo de pessoas: não conseguem distinguir entre causa e efeito.

A televisão, tal como é concebida hoje, é um meio que torna papa o cérebro do telespectador, verdade. Mas isso não significa que a ideia de televisão seja má: é o uso que da televisão é feito na nossa sociedade que é perverso. Porque sugerir que uma futura sociedade não seja capaz de dar à caixinha com imagens e sons uma função melhor que a actual?

Eu não sou um grande consumidor de televisão, acho que a programação é feita mesmo para tornar o público uma massa informe de consumidores sem ideias próprias. Mas isso é agora. No futuro, numa sociedade melhor, não sei.

As críticas contra a televisão enquanto ideia são ridículas. Porque a seguir eis as alternativas aconselhadas:

Nós preferimos a vida interior, a criatividade, aprender a fazer música, fazer e assistir a representações, viver; para informar acerca das escolhas que temos existem a rádio, a leitura, o teatro, o cinema, conhecer pessoas, etc.

Moral: antes da televisão não havia injustiças, o público não estava condicionado, provavelmente nem havia guerras. E isso porque as pessoas ouviam a rádio ou iam ao teatro: e a rádio não pode condicionar (Guerra dos Mundos, de Orson Wells, 30 de Outubro de 1938, façam uma pesquisa na internet), nem os livros ou o cinema podem transmitir ideias que não sejam verdade absoluta..

2. Livrar-se do carro

Mais do que um objecto, o carro é um símbolo da sociedade de consumo. […] O carro é um dos flagelos ecológicos e sociais do nosso tempo. Nós preferimos: a rejeição da hipermobilidade. O desejo de viver perto do local de trabalho. Andar a pé, de bicicleta, tomar o comboio, usar os transportes públicos.

Basta de modernices

Verdade. O carro, assim como foi concebido e desenvolvido, é um embuste. Estes prodígios da tecnologia, com airbags, abs, navegador e muito mais, utilizam o motor de combustão interna, um projecto do século XIX. E a coisa engraçada é que são pagos como se fossem “novos”.
Poluem, fazem barulho, custam, matam.

Mas o carro é também sinónimo de liberdade. O carro pode levar a nossa família até lugares desconhecidos e maravilhosos.

A chave está no repensar o carro. Favorecer ao máximo os transportes públicos no interior da cidades e, ao mesmo tempo, obrigar as pessoas a utilizar os transportes colectivos. Mas que haja uma real alternativa ao carro, não como agora.
Entretanto, concentrar-se na procura dum veiculo eléctrico (cuja electricidade seja produzida a partir de fontes renováveis, óbvio), reciclável e mais seguro.

Perceber que não é necessário ter o carro à última moda: a vida dum automóvel não é apenas de 3 ou 4 anos mas de muitos anos.
Repensar o mercado, de forma que seja mais conveniente uma reparação do que uma nova aquisição (e isso acontece não apenas no sector dos transportes).
Obrigar a que todos os modelos estejam equipados com todos os acessórios relativos à segurança.

E até lá, dar prioridade aos transportes colectivos, como afirmado.

Foi a mobilidade, cada vez melhor, que consentiu a circulação das ideias, desde sempre.
Nega-la significa voltar à Idade da Pedra. Em que alguns deste indivíduos viveriam com prazer, não tenho dúvida. Mas não a maior parte das pessoas.

3. Livrar-se do telemóvel

O sistema gera necessidades que se tornam vícios. O que é artificial torna-se natural, […] o telefone é uma falsa necessidade criada através da publicidade. Com o telemóvel podemos deitar no lixo os fornos microondas, as máquinas de cortar relva a motor e todos os itens desnecessários da sociedade de consumo. Nós preferimos o correio, a palavra, mas acima de tudo tentamos viver para nós mesmos ao invés de tentar preencher o vazio existencial com os objectos.

Eis identificado outro dos grandes males da nossa sociedade: o telemóvel. Que, evidentemente, é inútil. Melhor o correio. Ou o pombo correio, ainda mais natural. Aliás, fazemos assim: vamos entregar de pessoa as nossas cartas. Obviamente sem automóveis ou transportes que poluam.

Ficaram envolvidos num acidente rodoviário? Procurem uma estação dos correios e enviem uma carta para o hospital mais próximo para pedir socorro. Talvez seja melhor um telegrama, se não for demasiado moderno.

Nem é enfrentado o discurso acerca da saúde (radiações), o único que parece ter fundamentos científicos. Não, o telemóvel é mau e ponto final. Como o cortador de relva a motor.
Modernices.
Inúteis.

4. Recusar o avião

Ecológico, fiável, falta só a vela

Recusar tomar o avião é, em primeiro lugar, romper com a ideologia dominante que considera um direito inalienável o facto de usar este meio de transporte. […] O avião é o meio de transporte mais poluente por cada passageiro transportado. Por causa da velocidade, baralha a nossa percepção das distâncias. Nós preferimos ir mais longe, mas melhor, a pé, a cavalo, de bicicleta ou de comboio, de vela, com qualquer veículo sem motor.

Como na Idade Média. Tempos felizes, nos quais era precisa uma semana para percorrer uma distância que hoje é feita em poucas horas. Sem falar do entretenimento: havia sempre a possibilidade de ser assaltados. Sempre melhor de que ficar com a percepção da distância baralhada.

A nossa sociedade deu prioridade aos transportes e isso em detrimento da capacidade de mexer-se do indivíduo. Somos “drogados” de carro, por exemplo. Mas podemos dizer o mesmo do avião? Acho que não.

Estas pessoas são provavelmente as mesmas que correm dum lado até o outro do globo quando houver uma catástrofe humanitária. O que é de louvar de forma incondicional, não há dúvida. Mas a minha pergunta é: vão a pé ou de vela?

5. Boicotar os supermercados

Desumaniza o trabalho, polui e distorce os subúrbios, as cidades, mata o interior, incentiva a agricultura intensiva. A lista dos males é longa demais para ser listada aqui. Nós preferimos: em primeiro lugar comer menos, auto-produção (a horta), em seguida, as lojas de vizinhança, cooperativas de artesanato. Isso também leva a consumir menos e a rejeitar os produtos industriais.

Até que enfim.
São poucos os pontos a favor da grande distribuição. Poucos mesmo.
Por isso subscrevo na íntegra quanto afirmado.

6. Comer pouca carne

Reciclagem total

Ou melhor, vegetariano. As condições de vida dos animais de criação revela a barbárie da civilização tecno-científica. O consumo de carne também é um grande problema ecológico.

É melhor comer cereais de que utilizar as terras agrícolas para alimentar os animais destinados ao abate. Ao comer vegetariano, ou pelo menos ao comer menos carne, também nos traz uma melhor higiene e menos calorias.

O Homem não é um animal vegetariano. No entanto, abusamos de carne e omitimos a consumo de frutas e vegetais, que devem ficar como a base duma dieta natural. Isso é verdade.
Sim, é bom o churrasco e ninguém quer impedi-lo. Mas não é para todos os dias. Melhor abundantes rações de fruta, leguminosas e vegetais em geral.
Verdade.

7. Coma produtos locais

Quando você compra uma banana das Antilhas, esta já consumiu o petróleo necessário para o seu transporte. Produzir e consumir localmente é uma das melhores condições para entrar no movimento do decrescimento, não no sentido egoísta, é claro, mas sim para que cada comunidade possa recuperar a capacidade de auto-suficiência.

Por exemplo, quando um agricultor africano cultiva nozes de coco para enriquecer um leader corrupto, não cultiva do seu e não alimenta a sua comunidade.

Sim e não.

Produtos locais. Sempre.

Sim porque é justíssimo voltar ao consumo dos produtos locais: os mais saudáveis, seguros, economicamente eficientes.

Não porque o mito da auto-suficiência é mesmo isso: um mito.
Seria interessante pedir a estes senhores um exemplo de comunidade auto-suficiente. Realmente auto-suficiente. De certeza a resposta seria uma qualquer comunidade onde à noite há só as luzes das velas, onde o prato principal (e muitas vezes único) é composto por batatas cozidas, onde uma deslocação até a cidade é já considerada uma viagem e requer preparação.

Talvez não fosse mal esclarecer duma vez por todas (principalmente a estes senhores) que decrescimento não é sinónimo de viver numa cabana de palha e lama seca; não significa isolar-se do resto do mundo; não significa ter de comer só o que uma pessoa conseguir produzir; não significa rejeitar todas as descobertas e inovações conseguidas nos últimos 400 anos. Este não seria decrescimento, seria um pesadelo.

Decrescimento significa em primeiro lugar repensar de forma radical a estrutura da sociedade, de forma que esta não seja pensada apenas em função do lucro. Significa tomar consciência de que os recursos são limitados (pelo menos, esta é a situação até hoje) e que uma sociedade baseada exclusivamente no consumo (como é a nossa) não tem futuro.

É claro que num cenário deste tipo as nossas vidas ficariam afectadas: haveria a necessidade de mudar de hábitos e a mudança seria profunda. Não há dúvida. Mas a Humanidade cresceu e a questão não é “voltar atrás” (sempre admitindo que isso fosse possível); pelo contrário, a ideia seria de “ir pela frente”, encontrando novos caminhos e novas soluções.

Decrescimento não é sinónimo de pesadelo.

8. Politizar

Sede do Partido Progressista

A sociedade dos consumos deixa a escolha entre a Pepsi-Cola e a Coca-Cola, café Lavazza ou café “equo” de Max Havelaar. Escolhas de consumidores. O mercado não é de direita nem de esquerda nem de centro: impõe a sua ditadura com o objectivo de recusar qualquer contradição ou conflito de ideias. A realidade é a economia: o ser humano tem que render-se. Esse totalitarismo é imposto em nome da liberdade, paradoxalmente, para consumir. O estatuto do consumidor é ainda mais importante do que o de ser humano.

Nós preferimos a politização, como associações, partidos políticos, para combater a ditadura nas fábricas. A democracia exige uma conquista permanente. Morre quando abandonada pelos cidadãos. É hora de propagar a ideia do descrescimento.

Cá estão. Resistiram até o ponto 8 mas mais não foi possível: “Sim, somos de Esquerda, somos Comunistas, abaixo o Capitalismo, viva os Soviets!!!”
E, como bons Comunistas, não conseguem ver a realidade que está perante os olhos deles: não é preciso “politicizar-se” para fazer política. É suficiente comprar. Porque é na altura das compras que o cidadão vota, não é nas urnas.

Comprar um produto em detrimento dum outro não é a mesma coisa: significa muito mais que escolher uma marca ou uma embalagem. Significa entregar o próprio dinheiro a uma empresa que, como todas as empresas, terá a própria maneira de relacionar-se com o meio ambiente, com os trabalhadores, os fornecedores, os partidos políticos.

Ao escolher o café Lavazza nós dizemos: sim, gosto do teu produto, eis o dinheiro, o meu prémio, continua assim para que eu possa continuar a adquirir o fruto do teu trabalho.
Para mudar a sociedade não é preciso entrar nas fábricas e gritar slogans tipo “O povo unido etc. etc.”.
Seria suficiente tornar o consumidor mais consciente nas suas escolhas. Para que o mesmo consumidor pudesse realmente escolher os produtos das marcas que poluem menos ou não poluem de todo, que oferecem as melhores condições de trabalho, que paguem o justo aos fornecedores.

A solução não é eliminar o mercado. É tornar o mercado justo e sustentável. E é possível.

9. O desenvolvimento pessoal

Nem tudo pode ser mau…

[…] o decrescimento económico tem como condição o desenvolvimento social e humano. Desenvolvimento da rica vida interior. Dar prioridade à qualidade do relacionamento em detrimento do desejo de possuir objectos que por sua vez, herdará. Tentar viver em paz e harmonia com a natureza, para não ceder à violência, esta é a verdadeira força.

A descoberta da água quente.
A nossa sociedade não cuida dos aspectos interiores. Viver em paz é melhor do que viver na violência.
Podemos acrescentar: ser saudável é melhor de que ficar doente, melhor ganhar um prémio de que partir uma perna.
Ainda bem que chegou o decrescimento para explicar isso.

10. Coerência

As ideias são para ser vividas. Se não formos capazes de coloca-las em prática, servem apenas para fazer vibrar o ego. Estamos todos imersos num compromisso, mas vamos lutar para uma maior coerência. É o desafio da credibilidade dos nosso discursos. Mude e o mundo mudará.

Zzzzzzzzzzzzzzz….

Fonte: Casseurs de Pub via EcoProgetti