O importante é não ler os dados

Estamos à beira duma crise?
Resposta: não, porque a crise começada em 2008 ainda não passou. Não estamos “à beira”, estamos “no meio” duma crise.

Então mudamos de pergunta: estamos à beira dum agravamento da actual crise?
Ohhh, esta que é uma pergunta à maneira.

E a resposta? Ah, pois, a resposta.
Bom, podemos dizer isso: se a nossa sociedade fosse o paciente, a crise a doença e eu o médico, então desaconselharia projectos de longo prazo.
Não sei se rendi a ideia.

Mas porquê tanto pessimismo? Nada de pessimismo: são dados.

Esta semana saíram alguns dados relativos à saúde da economia americana. Se calhar “saúde” é um termo demasiado entusiástico…vamos falar de “condições”, que é mais neutro.

É inútil esconder a realidade: a nossa sociedade gravita à volta da economia dos Estados Unidos. Podemos não gostar disso, dizer que é uma injustiça, mas até hoje as coisas estão assim.

Por isso começamos.
O número das pessoas que receberam um salário em Maio aumentou de 54.000 unidades. Fantástico, esta é uma retoma!
Só que a taxa de desemprego subiu também, até 9,1%.
Como assim? Os empregos aumentam e também o desemprego?
Sim, pois não podemos esquecer que os EUA são um País que recebe trabalhadores do estrangeiro. Na verdade, os desempregados na terra do Tio Sam são agora 13.900.000. É como se todo Portugal com um pedaço de Espanha (a Galiza, que dizem ser terra bonita) ficasse sem trabalho.


Mais: o número de pessoas desempregadas há mais de 27 semanas aumentou de pouco mais de 300.000 unidades. Voltar no mercado do trabalho está cada vez mais difícil.

Mas não há boas notícias? Não, todavia podemos sempre continuar com as más notícias.
A metade das pessoas recém assumida pertencem ao sector dos serviços. Produção? Não é connosco.
E estas 54.000 novas assunções representam uma descida quando comparadas com os resultados dos meses anteriores.

“Sim Max, tudo bem , mas tu sabes que o emprego é o último a beneficiar duma eventual retoma. Não tens outros dados?”.

Justo. Correcto. Então vamos ver outros dados.
Por exemplo: o CESI Index. O que é isso?

É o indicador que Citigroup utiliza para medir a diferença entre os dados macroeconómicos e os dados previstos pelos analistas.
Na prática, o analista diz: “Meus senhores, no próximo mês eis que chega a retoma, a verdadeira, acabaram as brincadeiras. Indústria: + 10%, duma vez só”.

No mês seguinte Ctigroup confronta estas previsões com os dados reais e traduz isso num valor, o chamado CESI Index. Que este mês alcançou -117 pontos. Dito de outra forma: uma diferença abismal.

Neste gráfico, os dados mais importantes são:

linha branca (ECRI), o indicador que “mede o pulso” da economia
linha verde (CESI Index), em descida
linha vermelha (SLF), que indica o stress das instituições bancárias, em área negativa
linha laranja (Standard And Poor’s 500), o mercado das acções dos EUA
linha amarela (BFCIUS), a confiança financeira dos EUA
linha azul (COMFCOMF), que indica a confiança dos consumidores

Ainda uma vez:: a Bolsa dos Valores vive num mundo todo seu (SP 500 e BFCIUS), enquanto a economia real mostra sinais preocupantes (e este é um eufemismo).

Euforia dos mercados em vista dum novo Quantitative Easing (as vozes circulam…)? O terceiro Quantitative Easing? Difícil que a Federal Reserve possa jogar uma carta assim arriscada. Já não seria apenas uma questão económica, mas política também.

Outro dado: o indicador de confiança dos consumidores americanos.

Não é apenas uma mera curiosidade, a tendência da confiança tem reflexos importantes na economia real: um consumidor desconfiado tem medo do futuro e não gasta ou gasta menos. Por exemplo, adia investimentos significativos, como a compra dum carro novo ou duma casa.

Este é o mais recentes indicador da confiança:

 

…em queda. E, ainda mais preocupante, eis a comparação com o mesmo indicador ao longo das crises anteriores:

A tudo isso juntamos uma situação europeia para a qual já é difícil encontrar palavras (caso Grécia, bancarrota prevista no prazo de dois anos) e pronto, eis uma possível resposta para a pergunta de início: agravamento? Talvez não, com um pouco de sorte.

Mas um melhoramento parece fora de discussão…

Ipse dixit.

Gráficos: InterMarketAndMore

2 Replies to “O importante é não ler os dados”

  1. eheheh… Tal como quando uma pedra provoca várias ondas num lago tranquilo, assim e esta crise, a 1ª onda já passou… a segunda vem a caminho… mas como adulteramos a física desta crise, a 2ª onda vai ser pior que a 1ª… e ela está prestes prestes a chegar!

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