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Dilma e o caminho do Brasil

E para complementar o post anterior, eis um extracto do blog do amigo Gilson Sampaio: a versão reduzida duma intervenção de Paulo Kliass nas páginas de Carta Maior.

Isso confirma os meus medos, já apresentados em tempos não suspeitos: não apenas Dilma não é Lula, como tem uma tarefa bem diferente.

Que País é este?
Para quem estivesse um pouco ausente do País nos últimos tempos – pouca coisa, não mais do que 2 semanas – as hipotéticas manchetes abaixo seriam um sinal de grave alteração na cena política brasileira:
“Governo anuncia desoneração da folha de pagamento para Previdência Social, antiga reivindicação do patronato”

“Base parlamentar do governo aprova alterações no Código Florestal que favorecem o agronegócio e compromete o futuro do meio-ambiente”

“Ministro da Casa Civil declara que a multiplicação de seu patrimônio por vinte vezes é lícita, pois ocorreu quando estava fora do governo”

“Presidente anuncia privatização dos principais aeroportos do Brasil”

Peraí, deixa eu tentar entender melhor!
Quer dizer que um governo presidido pelo Partido dos Trabalhadores toma a iniciativa, de moto próprio, de apresentar ao Congresso Nacional uma medida para viabilizar essa antiga reivindicação do patronato brasileiro, qual seja a desoneração da folha de pagamentos como a fonte de financiamento do sistema de Previdência Social?
Além disso, o governo pressiona e as Centrais Sindicais de sua base parlamentar aceitam apoiar politicamente a medida, apenas com a promessa de que não haveria perdas para as futuras gerações de aposentados e pensionistas?
E conformam-se apenas com a menção dos estudos que garantem que uma eventual alíquota de 2% sobre um hipotético procedimento de cálculo do faturamento das empresas dará conta de tais necessidades?
Ou seja, isso significa que um modelo concebido há mais de 80 anos e operando com algumas alterações ao longo de todo esse período vai sofrer uma tal mudança estrutural, como se fosse tão somente uma pequena reforma nos jardins no fundo do quintal?
Uma mudança feita em ritmo de urgência, sem nenhum debate e apenas para agradar aos empresários que adoram reclamar dos seus altos custos, mas que não se dispõem a discutir mecanismos de distribuição dos lucros.
Um perigoso passo rumo ao desconhecido, paradoxalmente proposto e apoiado por aqueles que só teriam a perder com o risco da iniciativa intempestiva.
Em seguida, os partidos da base do governo – incluindo uma parcela expressiva de deputados do PT – resolvem se aliar aos representantes dos setores mais conservadores do empresariado e do núcleo dirigente do agronegócio para aprovar uma das alterações mais retrógradas para a política de meio-ambiente em nosso País.
Tudo isso como o resultado de um processo que tem início há um bom tempo, com uma iniciativa que todos imaginavam individual, isolada, de um deputado do PCdoB, Aldo Rebelo.
Há alguns meses, o ex-presidente da UNE resolveu assumir a relatoria do Projeto de Lei de alteração do Código Florestal. Com o desenrolar das negociações, ele surpreende a todos observadores ao iniciar uma colaboração orgânica e altamente sintonizada com a Senadora Katia Abreu.
Uma surpreendente empatia política do parlamentar comunista com aquela que vem a ser nada mais nada menos do que a Presidenta da Confederação Nacional da Agricultura, a entidade que luta pela defesa dos grandes negócios no campo e no chamado “agribusiness”.
O Projeto de Lei que foi aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 24 de maio passado é escandoloso na proteção aos que sempre violaram as leis ambientais, estabelecendo mecanismos de anistia e moratória.
Mais do que isso, o texto que ainda vai ser submetido ao Senado caminha na contramão de tudo o que vem sendo feito no Brasil nos últimos anos em termos de atualização da nossa legislação e prática ambientais.
Por trás da falsidade do discurso contra os “ambientalistas que querem impedir o Brasil de desenvolver” e supostamente contra as “propostas das ONGs estrangeiras operando em nosso território contra os interesses do nosso povo”, o projeto abre todas as fronteiras para aprofundar ainda mais as práticas extrativistas e agrícolas que deterioram o meio ambiente, estimulam a derrubada descontrolada das áreas de preservação e florestas para permitir a continuidade do ciclo da deflorestação/pecuária extensiva/monocultura da soja e outras variações do mesmo gênero.
O desafio que se apresenta para as forças progressistas é o de se debruçar na tarefa (difícil, é importante reconhecer!) de construir um novo paradigma de desenvolvimento sustentável que inclua a possibilidade do Brasil crescer economicamente, gerar emprego, aumentar sua renda e também preservar o seu patrimônio ambiental.
Mas caiu-se na armadilha perigosa do caminho mais fácil.
Gostaria de saber o que pensam os estudantes universitários, tão preocupados com o futuro do planeta e sempre ávidos por alternativas a esse modelo exaustivo, a respeito do silêncio da UNE face a esse processo tão carregado de irresponsabilidade política.[…]
Por último, a Presidenta acaba de anunciar a sua intenção de promover a privatização de alguns dos principais aeroportos do País: Guarulhos (SP), Viracopos (SP) e Brasília (DF). O argumento apresentado é o da urgência para cumprir o cronograma previsto para a Copa do Mundo de 2014, com a suposição implícita de que o setor privado teria condições de atender melhor a tais prazos.[…]
O governo, que deveria supostamente atuar na defesa do interesse da maioria da população trabalhadora, opta por implementar políticas públicas contrárias a tudo que seus integrantes sempre defenderam antes da chegada ao poder federal.
E o mais surpreendente, é que ele passa a colocar em prática medidas favoráveis aos grandes grupos econômicos e financeiros, que há muito tempo pressionavam pela abertura de mais esse filé para aumentar o horizonte de suas aplicações patrimoniais e a rentabilidade de seus negócios.

Interessante.
Nem o blog de Gilson nem Carta Maior podem ser acusados de fascismo ou simpatias de Direita, disso não há dúvida…

Entre os comentários, afirma Dionísio Gonzalez:

Sou velho petista e não entendo essa virada ” a la derecha” do meu partido, e principalmente as recentes atitudes mefistofélicas dos políticos do PT que mais parecem manifestos do FHC. Estou perplexo, viu !!!

Interessante mas não surpreendente.
A minha impressão (que, lembro, é de quem vê as coisas “de fora”) é que a boa Dilma esteja a reconduzir o Brasil no âmbito da “normalidade”. Uma normalidade com sotaque Yankee, óbvio.

Porque estar à procura dum desenvolvimento sustentável é coisa boa e justa. Aliás, é um dever.

Mas prejudicar o meio ambiente, aumentar as horas de trabalho ou privatizar serviços públicos (aeroportos, neste caso) significa ir na direcção oposta.

Uma direcção que Estados Unidos e Europa conhecem muito bem. Mas o futuro do planeta não está no grande jogo dos Países ocidentais, um “jogo” que mesmo nestes últimos tempos mostrou as próprias fraquezas estruturais, incongruência e, em última análise, insustentabilidade.

O Brasil deveria procurar outro caminho.

Fontes: Carta Maior via Gilson Sampaio