Visões do futuro – Prólogo: Massimo Fini

Como será o nosso futuro?
Boa pergunta, parabéns Max. Tens a resposta também?
Não, não tenho.
Mau Max.
Tá bom, não tenho mas posso sempre dar uma dica, não é? Posso apresentar dois artigos que tratam mesmo disso: do futuro.
De quem?
Nosso.
Ah.

Ambos os artigos não são “bonitos”, no sentido que não preveem coisas alegres.

Doutro lado, a maioria das “profecias” implica sempre uma série de desgraças sem fim: guerras, epidemias e cataclismos parecem ser destinados a ser o nosso pão quotidiano nos próximos anos. Podem ler Nostradamus, a Freira de Dresda, a Aranha Negra e outros ainda, mas o cenário não muda: desgraça após desgraça.

Não seria mal ter um “profeta” com algumas notícias boas de vez em quando.
Assim, só para quebrar a rotina.

E mesmo quem profeta não é (e este é o caso dos dois artigos), não foge à regra: desgraças.
Conseguem imaginar uma maneira melhor de começar uma nova semana?

No primeiro artigo encontramos uma entrevista com um dos melhores jornalistas italianos, Massimo Fini.
Não são muitos os bons jornalistas italianos (aliás, são poucos, mas poucos mesmo), por isso seria bom ler com atenção.
Fini não lê fundos de café, não entra em trance, não tem visões: simplesmente observa a actual situação e tenta perceber quais os possíveis desenvolvimentos.
Sem esquecer a Mãe de todos os mestres: a História.

O segundo artigo fala dum documento, o Which Path to Persia?, que foi escrito por quem sabia o que escrever; e, sobretudo, gostaria de implementar um determinado projecto, talvez mais conhecido com o termo de “Globalização”.

Implementação que, até aqui, procede com um certo sucesso.

A Idade Média de Massimo Fini 

O meu nome é Massimo Fini, sou um jornalista, agora mais um escritor do que um jornalista, e sou um anti-modernista. Este é o “sumo”do meu pensamento.

Qual é a definição de “democracia” hoje?

Na verdade ninguém sabe o que é a democracia. O pobre Bobbio [Norberto Bobbio (1909 – 2004) foi um filósofo político, historiador do pensamento político e senador italiano, NDT], que dedicou ao assunto toda a vida, antes fornece nove elementos que caracterizam a democracia, depois seis, depois três…

Na realidade, a democracia representativa não existe, isso é , não é democracia. É um sistema de oligarquias, de aristocracias disfarçadas, que nem têm as obrigações da aristocracia histórica.
Por exemplo, a defesa do território pertencia à nobreza, não ao camponês, o qual continuava a trabalhar o seu campo.

Assim, na verdade, é uma invenção, uma fraude, e isso apesar das boas intenções dos Pais Fundadores, mais Stuart Mill do que Locke. Já Torqueville tinha individuado algo que não batia certo, por isso eu não acredito na democracia representativa.

De forma brutal, tal como escrevi, é um meio sofisticado para f***r as pessoas, sobretudo as mais pobres, com o consentimento. É o “envelope”, o envelope que legitima algo de muito mais perturbador: o desenvolvimento ocidental, o que estamos a viver, contra o qual alguém entre nós está a lutar.    

Onde acabará este modelo de desenvolvimento?

O modelo de desenvolvimento pode acabar só mal, numa catástrofe porque (e já pinga sangue por todos os lados) é um sistema baseado no crescimento exponencial, algo que existe na matemática mas não na Natureza .
Na altura em que não pode crescer mais, colapsa. E não estamos tão longe disso, porque é um modelo obrigado a aumentar constantemente a sua velocidade, por causa da dinâmica interna, por isso vamos cada vez mais rápidos.
Cedo ou tarde iremos bater em algum lado.

Há uma alternativa?

 Sim, haveria, há! É a democracia directa, que já existiu. A democracia existiu antes de ser chamada “democracia” e era a democracia da aldeia.

A Assembleia da aldeia decide acerca de tudo, é feita pelo chefes das famílias. Decide acerca de tudo e pode faze-lo porque decide acerca do que é seu, acerca de coisas que conhece bem. Assim Rousseau imagina a democracia directa porque na altura dele Genebra era uma cidade de poucas dezenas de milhares de moradores.
A democracia existiu mesmo antes de existir, na comunidade da aldeia. Democracia directa.

Esta democracia da aldeia tinha funcionado muito bem, mas dois anos antes da Revolução Francesa, com a ajuda da burguesia (por causa dos interesses e por causa da vontade de regulamentar tudo) tudo muda: já não é a Assembleia da Aldeia que decide na aldeia e no território dela, mas alguns delegados e ai começa o desastre.
Óbvio, isso acontece porque entretanto tinham surgidos os Estados, estes são grandes entidades e a democracia directa já não consegue explicitar-se.

O que acontecerá após a queda do modelo de desenvolvimento?

A hipótese mais provável é que aconteça o que acontece em todos estes tipos de sistemas, o mesmo que se passou com o Império Romano.

O Império Romano tinha acabado de conquistar tudo o Mundo então conhecido, mas colapsou e foi na origem do feudalismo europeu.

O que algumas correntes de pensamentos imaginam, e é a hipótese mais “feliz” por assim dizer, é um Feudalismo sem feudatários, isso é, comunidades que não têm um dono, que controla; mas uma comunidade de iguais, em vários sentidos, porque a sociedade medieval era estruturada duma forma muito diferente da nossa: por cada família deve ser garantido o espaço vital.

Ao ler os antigos Estatutos Artesanais, encontramos coisas incompreensíveis para nós.
Por exemplo, não é possível subtrair clientes das lojas dos vizinhos, isso é , não é possível a concorrência. É uma sociedade que não é baseada na competição; não é particularmente eficiente, não há dúvidas acerca disso, mas é um tipo de comunidade que resistiu até quando resistiu o delicado sistema da comunidade da terra.
Que não é o Comunismo da terra, nada disso, porque existe a propriedade; mas nas municipalidades há regras em favor da inteira comunidade. Pode levar os teus animais a pastar na terra do vizinho, desde que a colheita tenha acabado, podes pescar, podes utilizar a água…agora até a água querem privatizar.

Mas só em Italia somos 65 milhões. O que acontecerá?

Um banho de sangue.
É inevitável porque na altura em que o sistema do dinheiro ruir, as pessoas percebem que nas cidades não se pode comer, não se pode comer o asfalto ou beber o petróleo; e voltará para os campos, mas estes não são infinitos, haverá pessoas a resistir, com golpes de foice ou de kalashnikov.
E não acontecerá apenas em Italia, mas em todo o Mundo.

Haverá um banho de sangue a não ser que o modelo seja travado por causa de alguma milagrosa intuição,  com a coragem de dar passos atrás; não até as cavernas, mas alguns passos atrás.

As correntes de pensamento americanas imaginam um regresso gradual até formas de auto-produção e auto-consumo, com a recuperação da terra e a marginalização do aparato industrial e financeiro. Esta é a hipótese reformista mais credível embora, na realidade, tudo está a mexer-se no sentido oposto e nesta altura parece utópica.

Doutro lado, temos que aceitar sugestões da sociedade medieval e da cultura, coisas que eliminámos porque demasiados dolorosas, demasiado trágicas se comparadas com o pensamento judaico-cristão, o que temos agora na cabeça. A ideia de progresso leva até várias transformações de tipo económico, até o modelo de desenvolvimento de hoje.

Mas há a cultura grega.
A cultura grega tinha um profundo sentido do limite.
Por cima da entrada do Oráculo de Delfos estava escrito: “Nunca nada de demais” e uma série de mitos gregos falam do hybris, o delírio de potência do Homem que será causa da inveja dos Deuses e, portanto, da punição inevitável.
Acho ser preciso recuperar o sentido do limite antes que seja tarde demais. Embora possa ser demasiado tarde. Podemos ver isso, na ecologia…

Fonte: BeppeGrillo

5 Replies to “Visões do futuro – Prólogo: Massimo Fini”

  1. "Doutro lado, a maioria das "profecias" implica sempre uma série de desgraças sem fim: guerras, epidemias e cataclismos parecem ser destinados a ser o nosso pão quotidiano nos próximos anos. Podem ler Nostradamus, a Freira de Dresda, a Aranha Negra e outros ainda, mas o cenário não muda: desgraça após desgraça.

    Não seria mal ter um "profeta" com algumas notícias boas de vez em quando.
    Assim, só para quebrar a rotina.

    E mesmo quem profeta não é (e este é o caso dos dois artigos), não foge à regra: desgraças.
    Conseguem imaginar uma maneira melhor de começar uma nova semana?
    "

    Max, como já disseste noutros artigos, e bem, "os problemas e as desgraças com que nos defrontamos, tornam-se oportunidades".

    Eu até à pouco tempo acreditava que a dor era uma coisa má, mas depois estudei e mudei a minha forma de pensar – a dor é das melhores formas que temos de aprender, das mais eficientes. A dor é mestra e ensina-nos muita coisa!

    Claro que não me refiro à dor de quem leva um enxerto de porrada de algum maluco que passa na rua – nesse caso, tiveste azar. Mas refiro-me à dor da mágoa, a dor de mudar de vida, a dor que é deixar tudo para trás…a dor do processo de transicção – mas apenas durante a transicção, pois após as mudanças, percebemos como a dor nos lapidou os sentimentos e nos tornou pessoas melhores.

    Quantas vezes não vemos as acções e movimentos humanitários de caridade quando há uma catástrofe?

    Será que o ser humano só é caridoso e fraterno em resposta a estímulos externos? Ou será que o ser humano tem capacidade de simplesmente Amar por seu bem querer?

    Enquanto isso não acontecer, teremos sempre "desgraças" e "catástrofes"…
    …mas quando o Amor for sentimento presente nos nossos Corações, teremos uma visão diferente.

    Eu acredito na mensagem trazida por Jacques Fresco (Zeitgeist) – o dinheiro é símbolo da ganância, pois a forma como o sistema está montado, o dinheiro molda o sentimento das pessoas – torna-te ganancioso, competitivo e egoísta.

    Mas se basearmos a nossa economia nos recursos e vivermos numa grande aldeia global onde vivemos com Amor ao próximo, talvez consigamos mudar tudo.

    Muitas mudanças são precisas…mas elas chegarão, acredito que os tempos são próximos.

    "Quem não aprende com Amor, aprende com a dor."

    Grande abraço,
    — —
    R. Saraiva

  2. Olá Tony! Olá Anónimo!

    Muito obrigado!
    Mas a segunda parte não é a continuação desta entrevista.
    Mesmo assim, vou procurar algo mais acerca de Massimo Fini: pois parece ter as ideias claras.
    Infelizmente…

    Abraço!

  3. Olá Saraiva!

    Subscrevo tudo.
    Mas o caminho do Homem neste sentido é ainda muito, muito, muuuuuuuuito longo.

    Acredito que um dia será encontrado o equilíbrio. Estou convencido disso. E a dor também ajudará a indicar qual a direcção.

    Não é optimismo: é raciocínio. Ou o Homem encontra o equilíbrio ou desaparece, muito simples.

    E como o nosso instinto de sobrevivência é uma das maiores forças "adormecidas" em nós, acredito que na altura certa poderá acordar e obrigar a fazer as escolhas certas.
    E definitivas.

    Mas este não será o nosso futuro. A nossa época é muito mais divertida: é a época do Homem que não sabe para onde nem como ir.
    É a época da construção e da destruição, das oportunidades.

    É a época dos reality-shows.
    Está tudo dito.

    Abraço!

Obrigado por participar na discussão!

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