Nós e os outros: a armadilha da diversidade

Na escola muitas vezes é ensinado que as guerras do passado tinham como razão a Fé.

É esta uma maneira simples e rápida para resolver assuntos bem mais complicados: pegamos numa briga entre homens, inserimos um Deus qualquer, e pronto, eis a razão do conflito. Não são precisas outras explicações, está tudo dito.

Esta versão tem também outra vantagem: cria barreiras. As quais, como sabemos, podem ser habilmente desfrutadas para outros fins

As revoltas na África do Norte.
Começaram com um “input” estrangeiro? Bem provável.
Foram exasperadas com o aumento indiscriminado dos bens essenciais? Quase certo.
Mas a seguir surgiu outra explicação, segundo a qual, atrás dos manifestantes de Tunisi ou do Cario, havia mais: havia o fundamentalismo islâmico. Nomeadamente a Irmandade Islâmica.

Esta “explicação” é particularmente pérfida. Além de errada. Apenas 10% dos Egípcios declara-se disposta a votar no grupo radical numa futura eleição. 10%? E os outros? Os outros não contam, pois estamos perante um duplo objectivo:

1. em primeiro lugar, inserir nas nossas mentes mal informadas o medo do terrorismo. Porque é melhor ser claros: ao falar de fundamentalismo islâmico, as primeiras imagens que lembramos são as de aviões despenhados no chão, cabeças cortadas, mulheres segregadas e outras amenidades do mesmo estilo.
2. a seguir, realçar a diversidade entre as nossas sociedades. O que pode parecer secundário, mas não é.


O fundamentalismo.
Não nutro nenhuma simpatia para os fundamentalistas, qualquer que seja a religião, fé política ou outro pensamento envolvido. Simplesmente, o fundamentalista não raciocina, nem pode fazer isso. Ele encontra nos sagrados textos a verdade absoluta e ninguém ou nada pode obriga-lo a mudar de ideia, nem a evidência.
Na prática, o fundamentalista é um alienado.

Acontece que na sociedade ocidental os termos “árabe” e “fundamentalista” muitas vezes podem ser sobrepostos: mesmo neste blog, nos comentários antigos, é possível encontrar leitores para as quais os Árabes vivem num mundo feito de bombas, gargantas cortadas, sangue por todos os lados.
Leitores para os quais é impossível ver os Árabes como pessoas que, como nós, vivem, amam, esperam um futuro melhor, em paz e serenidade.
Segundo tal visão (e aqui a Igreja tem as suas graves culpas), o bom Árabe de manhã se levanta e a primeira coisa que faz é decapitar uma criança cristã. Só depois toma o pequeno almoço.

Isso ajuda, e muito, na tentativa de manter as sociedades afastadas.

Para quê? Boa pergunta.
Para responder, pensem nisso: se não fosse Tripoli a ser bombardeada, mas fosse Paris ou Buenos Aires, seria a mesma coisa? A nossa reacção seria idêntica? A nossa percepção da guerra ficaria inalterada?

Além disso, há sempre o “bónus” do terrorismo que pode ser desfrutado em mil ocasiões.

A maldade dum Árabe permite coisas que um Cristão teria sérias dificuldades em fazer: imaginem que um Árabe consegue passar os metal-detector dos aeroportos com armas, tomar posse dum avião e, mesmo sendo incapaz de pilotar, conduzir o aparelho contra um arranha-céu.
Isso enquanto nós precisamos dum curso até para conduzir um simples carro.
Mas este é um outro discurso ainda.

Voltamos ao segundo ponto, que depois é directa consequência do primeiro: a profunda diversidade entre as nossas sociedades.

E agora pensem em Madrid: as milhares de pessoas reunidas na Porta do Sol, que querem democracia, uma sociedade melhor, mais justa.

Sejam honestos: quantos entre os leitores pensavam que também na Europa pudesse acontecer algo como na Praça Tariq no Cairo? Sim, era uma hipótese, mas…mas somos tão diferentes, não é? Eles têm um Deus diverso, um idioma incompreensível, as condições de vida não são as mesmas…e depois são Árabes, que raio!

Realçar as diferencias é importante. E será cada vez mais importante, quase fundamental. Porque se já controlar um País ou um inteiro continente implica um bom trabalho, imaginem o que pode significar gerir uma crise que vê do mesmo lado da barricada povos tão diferentes e longínquos.

Tranquilos, não é uma tentativa de criar uma “Irmanidade Inter-religiosa”, nem de chamar à revolta o proletariado mundial: para isso há já blogues e comunistas que sobram. E nem quero cair no “Somos todos iguais, somos uma grande família”, pois assim não é: e se for verdade que a diversidade enriquece, então a diversidade tem que ser preservada.

Mas tentar perceber ajuda. E ajuda o facto de perceber que os nossos medos podem ser desfrutados para fechar ainda mais a gaiola dourada na qual vivemos (Dourada? Sim senhor: dourada. Por enquanto).

Cair na armadilha do binómio Esquerda-Direita significa não conseguir ver além das rotulagens e, implicitamente, justificar o sistema no qual vivemos.
Cair na armadilha da incompatibilidade entre religiões é a mesma coisa: justifica o nosso pequeno mundo (nós somos os normais, eles são bárbaros) e justifica tudo. Até bombardear a capital dum outro País.

Doutro lado são Árabes: não sentem a dor como nós…

Stay human.

Ipse dixit.

2 Replies to “Nós e os outros: a armadilha da diversidade”

  1. Max,além do post ser muito bom, há o fato de ser ensinado assim nas "nossas" escolas, como nos ensinam que a época dos "descobrimentos" foram "descobertas" as Américas pelos Espanhóis e pelos Portugueses , o que não passou de CONQUISTAS de Povos mais pacíficos pelos mais BELICOSOS e TRAIÇOEIROS. Pensem que se os nativos dessas terras tivessem simplesmente exterminado os navegantes das caravelas não haveriam "descobrimentos" e sim só mais alguma expedição que deu errado e "cairam" no fim do mundo (que era quadrado). Essa portanto é a "nossa" versão da história.
    Se os Árabes ensinassem que "nós" Cristãos realizava-mos guerras de conquistas para matar "em nome de DEUS" com as cruzadas e promovemos o extermínio de mulheres fazendo churrasco delas "em nome de DEUS" um deus de"PERDÃO E BONDADE" só porque elas sabiam conviver melhor com a natureza e eram "GUIAS" melhores espiritualmente falando, mas atrapalhavam um bando de TERRORISTAS que simplesmente queimou depois de torturar cruelmente essas mulheres acusadas de serem "BRUXAS". Se todos esses Árabes ensinassem isso ao invés de brigarem entre si,talvez não tivessem sido tão dominados, para finalmente HOJE serem tachados de "extremistas islâmicos"

  2. A propósito de DESCOBRIMENTOS deu hoje na tv (num programa de humor) uma nova visão histórica. O que é o BRASIL? Segundo a "História" oficial, os Portugueses saíram de Portugal em busca do caminho para as ÍNDIAS, mas erraram o caminho e "descobriram" o BRASIL. Portanto o BRASIL é apenas… UM ERRO DE PORTUGUÊS.

Obrigado por participar na discussão!

This site uses User Verification plugin to reduce spam. See how your comment data is processed.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

%d bloggers like this: