A Maçã do Chile (Reloaded)

Blogger inacessível ao longo do dia todo.
Blogger com problemas.
Acontece quando a conta da electricidade não é paga.
Blogger volta on-line.
Blogger apaga todos os artigos de ontem.
Obrigado Blogger.

Max, sempre esperto como um javali do Alentejo, já tinha feito o backup.
Max re-publica os artigos perdidos.
Isso para o benefício do leitor que ainda não tivesse lido.
O que seria muito, mas muito mal mesmo. 
Obrigado Max.
De nada.

Posted: 12 May 2011 06:08 AM PDT

Ao entrarem Portugal pela fronteira espanhola, no Alentejo, deparamos com dezenas de quilómetros de campos não cultivados.

Imensas áreas onde pastam calmamente vacas, que com ar preguiçoso observam os raros carros passarem.

Milhas de campos, intervalados por pequenas manchas brancas feitas de casas, e a seguir ainda espaços verdes com vacas preguiçosas.

Enquanto o carro avança debaixo dum calor arrasador (no Verão, claro: no Inverno é um frio arrasador), surge a pergunta: e se eu desejar um alface? Pois se também os vegetais forem comidos, o mistério é saber onde podem ser cultivados.

Ao entrar num supermercado, eis a resposta. Nas prateleiras encontramos grandes variedades de vegetais e frutas, e se lermos a origem podemos ver: Espanha, Argentina, Chile, China. Se for manga ou abacaxi então é Brasil.
Tudo bem: é normal que frutos exóticos não sejam cultivados aqui, o clima não é propício.
Mas alface? Os tomates? As maçãs? Os espargos? As laranjas? Os morangos? Todos itens “exóticos”? Não parece.

O que se passa em Portugal é um bom exemplo da “globalização”, um processo lento começado há algumas décadas atrás, e ao qual a União Europeia contribuiu não pouco. Neste aspecto, Portugal representa um caso ainda mais especial, pois os seus produtos nem conseguem competir com os da vizinha Espanha.

Mas é um processo geral, cujo primeiro sinal foi dado pelas laranjas.
Toneladas de óptimas laranjas destruídas porque não competitivas no mercado internacional. Parece inacreditável, mas uma laranja vinda da China é mais barata duma feita na Europa.

Depois foi a vez o leite, o que provocou violentos protestos por parte dos produtores. Cada País podia produzir apenas uma determinada quantia de leite; e se isso não for suficiente (e não era), então era preciso importar.

Vacas com um leite excelente ficaram assim no desemprego, enquanto centenas de camiões importavam na Europa toda o leite dos Países do Leste ou até leite em pó. Que uma vez chegado ao destino, era misturado com água e vendido. Enquanto a vaca, sem trabalho, ficava preguiçosa a ver os carros passarem.

Nacional é bom. E caro. E feio.

Hoje, como afirmado, é possível encontrar fruta, vegetais e carnes importados de todo o mundo.

Ao individuar um produto nacional é festa grande. Pelo menos até observar o produto com atenção: pois então percebemos que “nacional é bom”, mas tem uma cara assustadora.

Os tomates, por exemplo, parecem ter já vivido dias bem melhores; as maçãs têm caras tristes, os morangos são anémicos e até as laranjas não estão a sentir-se muito bem.

A verdade é que uma peça de fruta produzida no estrangeiro, selecionada e embelecida com corantes e ceras, continua a ser mais baratas do que a mesma peça feita no País. Muitas vezes tenho até a impressão que as grandes superfícies apresentem de forma mais descuidada o produto nacional. E faz sentido: porque vender o nacional quando o estrangeiro fornece maiores margens de lucro?

Vivemos numa aberração que contradiz o sentido comum.
O sentido comum diz que uma alface cultivada no campo aqui ao lado é mais barata do que uma alface que chega duma outra cidade. E a razão é simples: o custo do transporte.

O nosso “livre mercado” raciocina de forma inversa: o produto que chega dum lugar mais longe é mais barato. E existem gráficos e tabelas que explicam este processo: é uma questão de números, o preço do transporte fica diluído perante enormes quantidades.
O que é apenas uma parte da verdade: pois temos que acrescentar o salário mais baixo do trabalhador, o lucro menor do produtor, o monopólio das multinacionais que, de facto estabelecem os preços.

Além disso, um dos sectores que ao longo de toda a história humana (“toda”, sem excepções) foi de importância primaria, está a ser abandonado, cada vez mais: a agricultura.

Quem é hoje o agricultor em Portugal? Uma pessoa idosa (na maioria dos casos) ou uma empresa que cultiva produtos de nicho, como os 100% biológicos. Poucas são as áreas onde o produto nacional pode competir com o estrangeiro e fornece um meio de sustentamento ou até consente uma qualquer aventura empresarial.

E no resto da Europa? Na vizinha Espanha as coisas são um bocado diferentes, mas não muito.

Os Espanhóis perceberam depressa o conceito de “quanto maior (o produto), tanto menor (o preço)”, e isso , aliado a sistemas de cultivo modernos e intensivos, permitiu “recortar” áreas do mercado onde a presença é forte.

E o mesmo acontece no resto do Velho Continente. Mas atenção: em qualquer super ou hipermercado europeu é possível encontrar maçãs do Chile, bifes da Argentina e muito mais.

A vida nos campos é uma vida dura, feita de sacrifícios. Tem bem pouco de romântico. A vida na fábrica é melhor: 8 horas de trabalho e depois há o descanso.
Há tempo para estar com a família, ir ao cinema, socializar, comprar.

Aparentemente um grande avanço. Mas serão apenas vantagens? Todos para nós?

Milénios no lixo

A agricultura foi abandonada. Deste sector, ainda definido como “primário”, foram retiradas dezenas de milhões de pessoas com a propaganda consumista: abandonar o cultivo da terra para serem projetadas num mundo mais cómodo, mais superficial, para viver em casulos, cada um por conta própria, todos contra todos.

Fazer trabalhos poucos gratificantes, ficar num banco para vender produtos-ciladas aos reformados, comprar serviços dos quais nem precisamos. Este é o outro lado da medalha.

Depois no transito, para chegar até casa, porque a maioria das pessoas vive fora das cidades por causa dos custos. Eis que as 8 horas de trabalho já não são 8.

E uma vez em casa, as contas, a reunião de condomínio, os problemas da escola dos filhos. E quando tudo está despachado, abandonar-se à máquina esmaga-neurónios: a televisão, com a qual ficamos convencidos de que sim, de facto esta é a melhor das vidas possíveis.

Ao mesmo tempo, onde antes havia um campo, agora há asfalto e um grupo de casas, prontas para ser entregues à jovens casais que ficarão com uma dívida ao longo dos próximos 20 ou 30 anos.

Porque a verdade é que o campo do agricultor não pode ser jogado na Bolsa dos Valores, um condomínio novinho em folha sim. O velho campo não rendia, o condomínio rende.

Sim, a vida nos campos é dura e implica muitos sacrifícios. Mas sempre tinha sido a espinha dorsal da sociedade. Sempre. E agora está a ser, lentamente, gradualmente, inexoravelmente, destituída em nome duma vida “melhor”.

Todos temos um apartamento, uma geladeira, uma televisão, um carro, um telefone celular. Muitas vezes não apenas um mas dois. Porque uma pessoa infeliz tende a procurar a satisfação pessoal através do consumo desenfreado em bens e serviços (supérfluos ou desnecessários) que “enriquecem” a vida dele e quase enchem o vazio.
Paralelamente, o multiculturalismo foi o instrumento inventado para destruir o povo e criar uma lama sem identidade, um bando de pessoas fáceis de governar e explorar, com pouca capacidade de reagir.

Porque esta é uma das grandes diferenças entre a vida no campo e a na cidade: no campo é mais fácil encontrar apoio nas pessoas vizinhas.

Paradoxo: numa cidade todos ficamos mais perto um do outro, mas a distância multiplica-se.

Assim, a base da sociedade ao longo de vários milénios foi arrumada.

E já entrou na última fase, a da auto-destruição: os produtos locais são cada vez menos competitivos, os agricultores abandonam os campos por causa do desespero, há cada vez menos produtos locais, o que torna tudo ainda menos competitivo.

Mudar é importante. É extremamente importante, é assim que nascem as descobertas e as invenções. E nem é possível pensar numa sociedade feita só de agricultores: a Humanidade fez progressos ao longo dos últimos milénios, e ainda bem que assim foi.

Mas quando num supermercado de Lisboa não posso comprar uma raio de maçã que não tenha sido cultivada no Chile, algo está mal. Mas mal mesmo.

Ipse dixit.

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