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Mala Tempora

Maus sinais em Setúbal.

No dia 1 de Maio houve uma manifestação em Setúbal, Portugal, ao longo da qual aconteceram confrontos entre grupos anárquicos e autoridade de segurança.
Não é uma novidade, muitas vezes este tipo de “encontros” acabam mal.

Mas a particularidade deste caso está no facto da Polícia ter disparado balas verdadeira, e não as de borracha, contra cidadãos.

O grupo constituído por anarquistas, vestidos de negro, seguiu de perto o tradicional desfile do 1.º de Maio da União de Sindicatos de Setúbal (USS), mas, segundo fonte sindical, não se registaram incidentes. Até a chegada da Polícia.

Fontes policiais adiantaram que os incidentes terão começado quando as forças de segurança pública chegaram ao local e foram recebidas com o arremesso de vários objectos, depois de terem sido alertadas por populares para o barulho e para alguns comportamentos menos próprios dos anarquistas.

Confirma o comunicado divulgado que os incidentes ocorreram quando elementos deste grupo se insurgiram contra a tentativa de identificação de um manifestante,

reagindo hostilmente com arremesso de garrafas, pedras e paus, na direcção dos policias e concretizando ainda agressões físicas com tarjas e mastros de bandeiras.

Foi então necessária a intervenção policial para a rápida reposição de ordem pública tendo sido feitos tiros de shotgun e alguns disparos de pistola individual

adiantando também que foram apreendidos alguns potes de fumo (dispositivos não autorizados para estes fins), uma faca, e diversos mastros e paus utilizados contra a Polícia.

Por isso, como já tinha confirmado o porta-voz da corporação,  

os elementos da PSP tiveram de efectuar alguns disparos de shot-gun

Obviamente esta versão não é a mesma dos manifestante. 
Os anarquistas não são santos, isso é evidente. Todavia há testemunhos, e não poucos.

Escreve um anónimo leitor no site da TVI:

Foi com alguma surpresa e incredibilidade que li a versão da PSP sobre a carga policial que aconteceu no 1º de Maio em Setúbal.

Participei na manifestação como membro da PAGAN e posso afirmar que no relato existem algumas inverdades. A afirmação de que foram chamados à Praça da Fonte Nova quando a manifestação tinha acabado de desmobilizar nem há um minuto não faz sentido.

Em segundo lugar, como podem comprovar os moradores e os comerciantes da praça não existiram quaisquer desacatos e todos os manifestantes se mostravam ordeiros e calmos. Não assisti à tentativa de identificação de alguns elementos da manifestação, como afirma a Policia nem ao arremesso de nenhuma pedra ou garrafa porque ainda não tinha largado a faixa que tinha na mão e já tinha sido atingido por uma bala de borracha na parte de trás do pescoço dispara por uma shotgun.

Se alguém estava ali à procura da violência foi a policia, pois não se pode repor a ordem pública quando não há desordem e não houve tempo para poder ter sido chamada por ninguém.

Também não é verdade que a manifestação se tenha tentado juntar à manifestação da CGTP e mesmo que isso tivesse acontecido não me parece que fosse algo de ilegal. Que eu saiba a manifestação era aberta a todos os que desejassem participar, mas depois do que aconteceu na Manifestação contra a Cimeira da NATO em Lisboa já não digo nada.

Posso até confirmar que a manifestação do “Movimento Terra Livre” se comportou civicamente a aguardou calmamente a passagem da manifestação da CGTP e seguiu depois o seu caminho por estradas diferentes não se tendo registado nenhum desacato nem sequer alguma provocação.

Também a referência policial às palavras de ordem que foram gritadas na manifestação me parece ridícula, sem sentido e não justificam a carga policial, pois ainda há liberdade de expressão e cada um pode e deve afirmar as suas convicções e opiniões. Eram palavras de ordem anti capitalistas e que eu saiba a defesa da auto gestão ainda não é crime.

Palavras confirmadas também por algumas reportagens transmitidas ontem pelas televisões nacionais.

Não é minha intenção julgar a acção dos intervenientes neste acidente, e tanto menos entendo criticar as forças policias: poucas, mal pagas, com horários duros, não adequadamente suportadas pela consequente acção judicial.
Afinal estamos a falar de pessoas que arriscam asa suas vidas para proteger as nossas vidas.

Todavia…

Todavia pergunto: é normal utilizar balas verdadeiras contra manifestantes?
É normal que a Polícia responda aos (alegados) insultos com balas de chumbo?

Resposta: sim, é normal.
É normal porque a situação é tensa, muito tensa.
Portugal, e a União Europeia com ele, está a atravessar uma altura particularmente delicada. A verdade é que há medo. Não dos cidadãos, mas das instituições.

A classe política está no pleno dum ataque contra os direitos democráticos, civis e laborais dos cidadãos. Corte nos salários, nas reformas, nos serviços: este é actualmente o panorama na Europa.

Claro, atitudes como estas criam uma forte tensão social. Em particular num País onde a Dupla Maravilha (Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu) está mesmo nestes dias a redigir a lista dos cortes para a “ajuda” de Portugal.

Num clima como este, uma faisca pode ser a origem dum grande incêndio. E os incêndios alastram com estrema facilidade e rapidez. É só observar o que aconteceu nos últimos tempos no outro lado do Mediterrâneo.

Os relatos das várias manifestações que acontecem na Europa são abafados. Pois a verdade é que há manifestações, só que são ignoradas ou quase. Porque tudo tem que continuar nesta normalidade fatal, a única que possa permitir a implementação de medidas de pobreza, as mesmas que irão hipotecar o nosso futuro e o dos nosso filhos.  

Então eis que as balas de chumbo são normais: porque não há espaço para hesitação, não há espaço para dúvidas.

A coisa triste é ver as forças policiais utilizadas desta forma: não para proteger os cidadãos, mas para a protecção “contra” os cidadãos.

Em Setúbal tudo acabou com três feridos ligeiros e algumas detenções. Nada de grave.
Mas o sinal foi dado, e este era o importante.

A manifestação, afinal, nem era contra o Governo, o FMI ou as próximas medidas. Era a manifestação do Dia do Trabalhador.
Mas o Estado, qualquer destes Estados controlados pelos burocratas de Bruxelas e pelos bancos privados, não pode permitir falhas, por pequena que possa ser.

Mas quando a situação piorar?
Quando as ruas poderão assistir ao desfile de quem não aceita de ficar pobre para permitir que poucos continuem ricos? Haverá ainda espaço para este simulacro de livre expressão democrática?

Mala tempora currunt diziam os Romanos: tempos difíceis estão a aproximar-se.
E nos mala tempora, gritar a própria insatisfação pode significar ver alguns gramas de chumbo voar.

Ipse dixit.

Fonte: Tvi