Nem uma palavra

Certas notícias não aparecem nos media.
O que é muito curioso, pois estamos a falar de decisões que determinam o futuro de centenas de milhões de cidadãos.

O Velho Continente, por exemplo, está a tornar-se algo de monstruoso. Esqueçam a solidariedade, os grandes ideais, pois aqui tudo é muito mais básico e pode ser resumido numa palavra: dinheiro.

Dinheiro para todos? Não, o dinheiro de todos nas mãos de poucos. É esta a síntese das novas medidas aprovadas em Bruxelas.

Quem escreve é um europeista convencido: sempre achei e continuo a achar que o futuro da Europa passa obrigatoriamente por uma federação de Estados. Por isso faz mal ver o que foi feito do projecto “União Europeia”: esta Europa Unida nada tem a ver com o futuro, pelo contrário, é o pior entre os pesadelos do passado.
Cada vez mais faz lembrar a antiga União Soviética: uma oligarquia onde o poder de muitos esmaga os desejos de poucos, onde os “eleitos” controlam a verdadeira riqueza, deixando as migalhas para a sobrevivência da maioria.

O que não deixa de ser irónico: o Capitalismo sublima-se no Comunismo para criar uma nova sociedade, na qual o parlamento é uma sombra nas mãos dum poder central e onde o individuo é um mero escravo.

Talvez nem seja ironia, talvez seja a lógica conclusão dum dualismo (Capitalismo e Comunismo) criado ad hoc, disfarçado com bons ideais, abaixo do qual avança uma nova sociedade que parece o fruto da mente
dum escritor de ficção científica após uma forte indigestão.

Exagerado? Experimentem ler quais as recentes medidas aprovadas em Bruxelas.

Eis os factos: nos passados dias 24 e 25 de Março, o Conselho Europeu aprovou a proposta da Comissão Europeia de um Pacto para o Euro, a mais infame decisão, desejado por aqueles que estão determinados a arruinar milhões de vidas para o interesse de poucos.

Eis as decisões:

  • A Comissão Europeia será o centro de cada controlo acerca da aplicação das seguintes decisões por parte dos governos da Zona Euro. 
  • Grécia terá de completar totalmente e rapidamente o programa de privatização de 50 mil milhões de Euros que foi pedido. 
  • A competitividade será julgada com base nos ajustes dos salários e na produtividade, o custo do trabalho será monitorizado. O aumento do rendimento pode corroer a competitividade a longo prazo. Em síntese, menos salário e mais trabalho. 

  • Acerca do custo do trabalho: rever os mecanismos de contratação salarial a nível central, reconsiderar os aumentos ligados ao custo da vida, não permitir que os salários públicos possam prejudicar a competitividade dos salários no sector privado.
  • No emprego: promover a “flexigurança” (termo que os Portugueses bem conhecem…), flexibilidade e segurança do trabalho; na prática, é como dizer de aumentar as vendas de carros e melhorar a respirabilidade do ar.
  • As reformas devem ser calculadas com base na sustentabilidade do deficit; isso é, o deficit do Estado será julgado de acordo com quanto gasta com pensões, saúde e redes de segurança social, e não, olha o acaso, com base nas despesas militares, nas parcelas dos megabancos que mediam nas privatizações, no resgate dos banqueiros com dinheiro público ou nos cortes de impostos para os mais ricos.
  • As reformas futuras serão calculadas de acordo com a expectativa de vida do trabalhador, independentemente do tipo de trabalho. Sem comentários.
  • E, para acabar: os Estados Membros deverão aprovar leis no Parlamento que proíbam o défice orçamental superior a 3% do PIB, tal como estabelecido pelo mortal Pacto de Estabilidade, o mesmo que está a destruir a Europa. Ou seja, o deficit do Estado, o único meio legítimo para enriquecer os cidadãos através da criação de pleno emprego, é um crime punível por lei. Isto é, ser Estado será um crime. 

Decisões que ninguém divulgou. Jornais, rádios, televisões, internet: nem uma palavra. As novas diretrizes foram aprovadas sem que os cidadãos pudessem opinar, nem sequer saber.
Chamam isso: democracia. 

Quanto tempo? Quanto ainda será preciso até as pessoas acordarem?
Mais importante: há possibilidade de acordar?

Ipse dixit.

Fonte: Paolo Barnard

2 Replies to “Nem uma palavra”

  1. Oi Max, a grande difusão da idéia de que o comunismo se resume apenas ao imperialismo de estado que aconteceu depois da formação das repúblicas soviéticas, mata muito do ideal de um Estado popular.
    Assim como mesmo muita coisa do Marx veio a calhar para destruir séculos e séculos de resistência popular aos poderes centralizadores preconizados pelas monarquias nacionais européias pós idade média.
    Talvez isso possa esclarecer um pouco mais do momento político atual, afinal a história é viva…
    Saludos!

  2. Olá!

    É verdade: o Comunismo é muito mais do que isso. aliás, estou convencido que nunca houve um País verdadeiro comunista no Mundo.

    Talvez a Rosa Luxemburg estava certa ao dizer que o Comunismo seria possível apenas após uma revolução mundial e não limitada pelas fronteiras duma Nação.

    Todavia a imagem do Capitalismo transmitida não é o espelho fiel da ideia original. O verdadeiro Capitalismo, por exemplo, não aceita monarquias.

    E a ideia de que o capitalista quer explorar os trabalhadores em troca de salários míseros é profundamente errada: este é o Capitalismo parasitário actual, o Capitalismo dos idiotas. Até Henry Ford era contrário (e não apenas a palavras) a este conceito.

    Mas estas são ideias que pertencem já ao passado. O presente é feito dum Comunismo em extinção e dum Capitalismo moribundo.

    Tempos difíceis…

    Grande abraço!

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