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O que fazer? Parte I

Diz Eduardo ao comentar o artigo O Insondável Torpor:

Max, os gregos foram às ruas e olha o que aconteceu?
Os irlandeses não foram às ruas e olha o que aconteceu?
Povos não pegam em armas e nada acontece?
Povos pegam em armas e nada acontece?
Povos fazem greves e o que acontece em médio prazo?
Povos não fazem greves e o que acontece em médio prazo?
Então, prezado Max o que deve ser feito? Pois milhões estão gritando que ninguém faz nada. Porém a pergunta é: O que fazer baseado na realidade e no possível?
O mundo se tornou um sistema de papagaios, onde podemos falar, mas no final pouco podemos voar, pois cortaram as nossas asas, ou seja: Perdemos a nossa essência de saber ser livre e liderar.

O que fazer?

Palavras de Eduardo. E Eduardo tem razão.
É uma guerra desigual.

Rotulagem

Dum lado temos um conjunto económico, financeiro, político e mediático; doutro lado os cidadãos.

O conjunto trabalha de forma bastante compacta numa direcção.
Os cidadãos são muitos, descoordenados, cada um com as próprias ideias, com um vago sentido de “justiça”, mas divididos por décadas de doutrinação política.

As forças que em teoria deveriam estar “ao lado do povo”, nesta altura mostram as próprias fraquezas.

Também divididas internamente, passaram boa parte da própria existência na tentativa de perceber se Che fosse melhor que Mao, se Fidel pior que Kim II Sung, se o Socialismo teria de ser aplicado antes do Comunismo, questões fundamentais ainda não resolvidas?

Entretanto desperdiçaram um imenso capital: as greves.
Estas foram banalizadas ao ponto que hoje em dia a paragem dum inteiro sector, por exemplo os transportes, merecerem algumas linhas nos diários e uma reportagem no jornal da noite com estéril entrevista (“Teve problemas para chegar ao lugar de trabalho hoje?” “Sim, tive, mas não posso faltar, com a crise que está cada dia de ordenado é importante”).

Além disso, existe o problema da rotulagem.
Na altura em que uma iniciativa é rotulada, perde boa parte da autoridade.
A greve foi convocada pelo sindicato comunista? “Ah, pronto, são os Comunistas, sempre contra…”.

Resultado: na maioria dos casos, a opinião pública fica dividida entre quem apoia a greve (mesmo sem conhecer as razões, pois o importante é ser contra os “patrões”, o “sistema Capitalista”), e quem vê nisso apenas uma inútil prova de força dos sindicatos, um perda de tempo e de dinheiro, ou até uma forma para não trabalhar ao longo de um dia.

Força da rotulagem.

Tony, ao comentar:

As pessoas adoram rotular; não conseguem compreender que todos esses “ismos” tem coisas boas e coisas ruins, e que pegando as boas (boas exclusivamente para todos), e pensando e pensando muito, podemos criar novas soluções e novos pontos de vista (desde que isso não se transforme em outro “ismo” pior).

Isso mesmo.
Doutro lado, estes -ismos foram criados para atrair massas, todos têm que ter no mínimo uma componente positiva que reflecte as necessidades humanas. E esta componente positiva teria que ser guardada.

Mas voltamos às perguntas de Eduardo.
Assim, foi criado um complexo bem oleado que consegue controlar e contrastar de forma muito eficiente as opiniões e as iniciativas dos cidadãos. 
Já não há nada para fazer?

Importante: afastamos duma vez por todas a opção “violência”.

Não que estes políticos ou banqueiros não mereçam uns bons estalos, não é esta a questão. A questão é que temos de resolver as coisas como pessoas, não como animais. E o Homem (mesmo sendo animal, no fundo) pode e deve utilizar outros recursos, como o dialogo, a inteligência e a força da razão.

Além disso, a violência seria boa apenas para “obrigar” as autoridades a utilizar a força também e a introduzir medidas ainda mais repressivas. A palavra “terrorista” diz algo? Pois.

A desobediência civil

Não escondo qual a minha preferência: a desobediência civil.

E não digo isso porque pacifista-não violento: não sou nem pacifista (no sentido que nunca poderão ver-me com uma camisa florida, no meio dum prado enquanto oiço Bob Marley e rezo em sânscrito) nem não violento (oferecer a outra cara? Só se forem masoquistas).

Digo isso porque a desobediência civil é a forma mais subtil, mais perfidamente eficaz de revolta.
Na desobediência civil não há barricadas, não há bandeiras, não há “muro contra muro”: o “sistema” é atingido da única forma pela qual não tem meios para contrastar a revolta.

Problema (raio, há sempre problemas…): a desobediência civil tem que ser actuada em conjunto, caso contrário não funciona. Na desobediência civil contam os números para que fique clara a diferença , por exemplo, entre uma evasão fiscal e um grupo de cidadãos que, fartos, decidem não pagar os impostos.

E aqui encontramos a maior adversidade: o imenso e insondável torpor no qual a sociedade costuma vegetar, no qual mergulhou ao longo das últimas décadas.

Mas atenção: este estado de torpor também é utilizado pelos regimes. Não apenas induzido, mas também utilizado: pois os regimes, todos eles, têm medo do pior inimigo, que é o pensamento.
Eis portanto que a desobediência civil, quando existe, assume outros nomes, para que seja mais fácil manipula-la.

Eleições em Portugal:
Legislativas de 2005: votantes 64,26%
Legislativas de 2009: votantes 59,74%
Presidenciais de 2011: votantes 46,52%

No prazo de 6 anos a maioria dos Portugueses deixaram de votar. Nas últimas eleições, mais de 5 milhões de pessoas ficaram em casa.
Em Portugal o voto não é obrigatório, por isso não votar não significa infringir a lei.
Mas se fossem obrigatórias, seria possível falar em desobediência civil? No meu entender sim, pois não votar significaria infringir a lei.

Em Italia, por exemplo, votar era obrigatário até 1993. A partir dai, a obrigatoriedade deixou de existir.
Como é generoso este Estado, deixa que o cidadão escolha.
Ou se calhar não.

Se calhar a taxa de abstenção era tão elevada que já não justificava uma lei que ninguém respeitava. E, de facto, 1 cidadão em cada quatro não ia votar. Com quais consequências? Nenhuma.
Era uma forma de desobediência civil. Que não podia ser punida.
O que poderia ter feito o Estado? Prender todos os cidadãos que se tinham recusado votar? Entupir os tribunais até o colapso com milhões de cidadãos?

Por isso, esta forma de desobediência antes tomou um nome, “abstenção” e depois deixou de ser punida. Simplesmente.

Próximo dia 8 de Abril, Portugal: marcha lenta contra a introdução das portagens nas estradas SCUT. Centenas de automobilistas, talvez milhares, são esperados numa marcha lenta que irá entupir o trânsito em algumas artérias no Centro e no Norte do País.

A Polícia vai multar os automobilistas que não respeitarem os limites mínimos de velocidade previstos pela lei? Não, obviamente.

Pois neste caso também a desobediência civil funciona. E bem.

As greves, como vimos, não resultam pois fortemente politizadas.
A desobediência civil resulta, pois (por enquanto) não politizada e porque quando “de massa” impede às autoridades eficazes contra-medidas.

Só isso?

Então a única solução é a desobediência civil?
Não há outras formas para fazer ouvir a nossa voz?

Claro que há.
Aliás, a questão da desobediência serviu principalmente para realçar a inutilidade da violência.
Há outras maneira, muitas outras, para fazer que a voz dos cidadãos possa ser ouvida. E respeitada.

Problema. Outro??? Sim, outro.
A desobediência civil implica participação civil.
Não só. Mas qualquer forma de “resistência” (utilizamos este termo, embora não perfeito) implica a participação civil.

E aqui começa a segunda parte deste post, que é também a segunda parte da resposta às dúvidas de Eduardo. E não apenas dele.
E aqui começa a parte mais “difícil”.

Ipse dixit.