Queda de estilo: Italianidade (e Genovesidade!)

Não deveria fazer isso, neste ano consegui enganar os leitores e convece-los do autor ser pessoa séria…mas enfim, este é o mês do aniversário, vamos tratar dum assunto que nada tem a ver com a economia, a geopolítica e tudo o resto: esta é a prenda que faço a mim mesmo.
Parabéns, obrigado.

Depois, claro, o blog voltará à normalidade, como tem de ser.

Assim, o Grande  e Terrível Segredo de Informação Incorrecta foi revelado: Max na realidade é “Massimo” (com acento no “a”) e é Genovês. Italiano? Não, Genovês: sempre me considerei como tal e tal permanecerei até à morte (frase histórica que seria bom apontar-se).

Como os leitores puderam constatar, os artigos dedicados à realidade italiana foram bem poucos, se é que existiram. Não foi um acaso e posso já antecipar que a intenção é continuar com o mesmo rumo.

A ideia é a seguinte: conheço a realidade italiana bem, demasiado bem, por isso gostaria de dedicar o blog às realidades que ou conheço pouco (como Portugal) ou não conheço de todo (como o Brasil, no qual nunca estive). Desfrutar a minha ignorância para ser uma espécie de observador externo.

Claro, depois tanto externo não posso ser: moro em Portugal, leio diariamente as notícias do Brasil e dos outros Países. Mas uma coisa é “ser” Português ou Brasileiro (ter nascido aqui, ter estudado, crescido, vivido o País desde o dia do nascimento), outra coisa é aqui chegar e observar ou até apenas ler as notícias.

Hoje, pelo contrário, gostaria de esclarecer alguns pontos acerca da “italianidade”. Não pontos acaso, mas os lugares comuns que encontrei ao longo das minhas viagens e particularmente em Portugal.
Enfim, um post dedicado ao costume e nada mais.

Os Italianos comem sempre massa.
Verdadeiro.

A massa é um dos componentes principais da dieta de qualquer família. É barata, de simples e rápida preparação, pode ser guarnecida em mil maneiras.

Mas atenção: o que no estrangeiro não sabem é que qualquer refeição italiana é constituída por dois pratos, servidos não em conjunto mas em sucessão.

Nomeadamente: o primo (o primeiro) feito de massa, e o secondo (o segundo) feito por carne, ou peixe, ou queijo e acompanhamento (salada é o caso clássico).

Assim, em vez dum prato com um quilo de Carne de Porco à Portuguesa com batatas fritas, arroz e salada, em Italia usam-se dois pratos com, por exemplo, spaghetti al pomodoro (esparguete com tomate) e Bistecca alla Valdostana e Insalata (bife de carne com fatia de queijo por cima e salada).

Nota final: a massa tem que ser sempre al dente, isso é rija. Esparguete, por exemplo: ignorem as indicações dos pacotes, com as quais a massa se torna uma substància esquisita muito parecida com o cimento. Nunca mais de 5 minutos de cozedura (eu ponho 4).

Os Italianos comem sempre pizza.
Falso.

É bom decidir-se: os Italianos comem sempre massa ou pizza?
A pizza é um dos alimentos favoritos dos Italianos, mas não é de consumo tão frequente como a massa.

A pizza pode ser feita em casa (eu fiz várias vezes), mas nunca será como a pizza feita num forno a lenha.

Importante: a pizza “alta”, aquela coisa de dois ou três pisos tipo Pizza Hut, em Italia não existe, eu descobri esta versão no estrangeiro. A pizza italiana é sempre e exclusivamente baixa, caso contrário torna-se um polpettone, uma tarte. Se querem arriscar a vida, tentem vender pizza alta em Italia.

A pizza original é salgada, mas nos últimos anos surgiram variantes doces, também muito apreciadas: pizza al ciocccolato, pizza con Nutella, pizza alla marmellata outras ainda. Vale a pena experimentar.

Obviamente, a pizza substitui a refeição com primo e secondo.

Os Italianos são machistas
Falso (e Verdadeiro).

Perceber donde nasceu este lugar comum não é difícil.

Nas primeiras décadas do século passado e após a Segunda Guerra Mundial, desde Italia partiram muitos emigrantes.

Na década 10, por exemplo, muitos foram os Italianos que se transferiram nas Américas (Estados Unidos, Brasil. Argentina, Uruguay), enquanto após o conflito mundial os destinos principais foram a Alemanha e a Suíça (onde se fala italiano, o que facilita e muito).

Mas quem emigrou? Sobretudo após a II Guerra, a quase totalidade dos emigrantes tinham origem no Sul de Italia, isso é, nas regiões mais pobres e atrasadas, em todos os aspectos, também cultural (em verdade seria preciso abrir um enorme parênteses, pois as coisas não forma mesmo assim em todos o Sul de Italia…mas ok, generalizamos). Mais raro era encontrar emigrantes das regiões do Norte, mais evoluídas.

E onde há atraso, há também a ideia do homem qual dono e patrão da família toda.

Qual a situação hoje? Há já algumas décadas a situação mudou, mas ainda é possível encontrar zonas do Sul Italia onde as coisas parecem paradas no tempo.

Há alguns anos, fui a Randazzo, pequena cidade nas encostas do vulcão Etna (uma zona espetacular…perigosa mas espetacular). Às nove da noite, pela ruas de Randazzo, nem uma mulher. Nada de raparigas, nada de mulheres, só homens. Apesar do meu desespero, a situação era considerada “normal”: os homens saiam, as mulheres ficavam fechadas em casa. Alucinante.

Este é o destino das localidades mais isoladas, enquanto nas cidades do Sul a situação tem evoluído e já quase não se nota grande diferença com as cidades do Norte. Quase…

Os Italianos são todos mafiosos
Falso

Lembro que nos primeiros meses após a minha chegada a Portugal, comecei a frequentar um fórum on line, como meio de aprender a escrever um pouco de Português (e nem quero imaginar o que raio conseguia escrever na altura…).

Uma as primeiras coisas que me foi dita, por um Português, foi a seguinte frase:
“Nunca conseguiria viver numa cidade como Genova: tiros, mortos, toda a máfia”.

Fiquei chocado. Eu pensava que também no estrangeiro o fenómeno mafioso fosse devidamente enquadrado, mas estava clamorosamente errado.

Muito difícil explicar a realidade mafiosa aos estrangeiros. Para percebe-la é imprescindível entender a realidade social e histórica da Italia.

Quando se fala de Italia, entende-se um Estado e uma Nação italiana. O que é falso.
O Estado existe, a Nação, apesar da propaganda de regime, não existe e nunca existiu. Não acaso, quando a Italia foi unida, o Conde de Cavour, o maior impulsionador da unidade, afirmou: “A Italia foi feita, agora é preciso fazer os Italianos” (18 de Fevereiro de 1861, há 150 anos).

Este é um dos aspectos menos conhecidos. Observem os seguintes exemplos; umas frases italianas comparadas entre os vários dialetos locais:

Batem à porta, vai ver quem é.

Italiano: Battono alla porta, vai a vedere chi é
Piemontês: Pico a ra porta: va a voghe chi ch’ij é
Calabrês: Bussano a porta vai e vidi cu è
Napoletano: Buss’n a port vai a vrè chi è
Veronês: I bussa alla porta, varda ci che lè

O Meu avô tinha três irmãos e duas irmãs

Italiano: Mio nonno aveva tre fratelli e due sorelle
Piemontês: Me nono o r’ava tre frei e doi seure
Calabrês: Me nonnu aviva tri frati e du soru 
Napoletano: Nonn’m tenev tre frat e doje sor  
Veronês: Me nono el gaveva tre fradeli e do sorele   

Não acaso a Italia foi, sobretudo nos séculos XIX e XX o principal laboratório linguístico para os estudiosos da área.

Mas a diversidade não é apenas relativa aos idiomas: tem profundas raízes históricas, pois a partir da queda do Imperio Romano até 1861, cada região (em qualquer caso, cada cidade) viveu uma própria história, diferente e separada das outras; e as “outras”, em muitos casos, ficavam a poucos quilómetros de distância.

Não perceber esta particularidade e continuar a pensar a Italia como uma nação homogénea, significa arriscar não perceber não apenas o fenómeno mafioso mas boa parte da história do País.

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Não é difícil, portanto, entender porque a máfia (alias: as máfias, como veremos) nasceram e encontraram terreno fértil em algumas regiões e não em outras.

Afirmar que todos os Italianos são mafiosos é como dizer que todos so Brasileiros vivem nas favelas: um bocado exagerado, não é? 
Lamento para os fans da saga de “Il Padrino”, mas a realidade é esta…

Berlusconi é mafioso.
Falso (com reservas)

Eis outro erro comum dos estrangeiros ao falar de Italia: todos os políticos italianos são mafiosos.

Tento explicar, e utilizo Berlusconi como exemplo.

Se a ideia for a dum Berlusconi “padrino”, então a resposta é categoricamente “não”.

Não é simpatia a minha (nunca votei nele e nunca poderia votar num individuo assim), é conhecimento da realidade italiana: Berlusconi consegue o árdua tarefa de reunir numa só pessoa a maior parte dos defeitos do País.
É obra.

O relacionamento entre políticos e máfia é extremamente conturbado. Na prática, há uma luta que existe desde muitas décadas entre máfias do Sul Italia dum lado e políticos do outro: ambos tentam utilizar a contraparte para obter os próprios fins.
Uma guerra onde não há “bons” e onde quem sai a perder é o País, óbvio.

Isso significa que também Berlusconi utilizou a máfia para os próprios fins, nomeadamente eleitorais?
Como é lógico não tenho provas, mas estou convencido que a resposta seja “sim”, sem apelos.

O partido dele, Partito delle Libertá (sic!) é o partido mais votado precisamente naquelas regiões das quais acabámos de falar. É preciso dizer mais?

No parlamento italiano há também políticos do Norte. Mas como se costuma dizer: uma maçã podre no cesto  tem o poder de apodrecer todas as outras. E no Parlamento, a única maçã podre não é Berlusconi…

Os Italiano dizem sempre “Capicci?”
Falso.

Esta é outra das coisas que aprendi em Portugal.
“Capicci” em italiano não tem significado. A forma correcta é “Capisci” (“Entendes?”), que é pronunciada de maneira bem diferente, tipo “capichi”, com “chi” lido à portuguesa.

Todos os Italianos adoram Toto Cutugno e Laura Pausini
Falso

Toto Cutugno e Laura Pausini são a vergonha da musica italiana: é a “musica pimba” do País, tipo Toy em Portugal, mesma coisa.

E em Italia sofrem (justamente) dos justos prejuízos de quem não quer considera-los como artistas “a sério”. Toto Cutugno em particular, além da incapacidade artística, denota  uma preocupo ante falta de inteligência.

Não acaso aparece no último cd de Tony Carreira (os leitores Brasileiros pensarão: “mas quem é este Tony Carreira?”. É um cantante muito famoso em Portugal. Sorte vossa não conhece-lo).

Os Italianos são loucos para o futebol
Verdade.

Não há muito para dizer, o futebol é o principal desporto em Italia.
E o melhor clube do Mundo é a Sampdoria.
Sampdoria que é de?
Genova, exacto.

Tanto para que se saiba.

É tudo? É tudo. Agora a recreação acabou e é tempo de voltar à normalidade.

Ah, não, esperem: já que estraguei o blog,  fecho este post do “emigrante com saudade” com não um, mas três vídeo (minhanossasenhoradailhadopico!!!)

Ambos são de Fabrizio De André, o melhor cantante genovês: particularidade destes dois vídeos são de ser cantados em dialecto genovês.
Conseguem apanhar as diferenças com o italiano?

E agora é verdadeiramente tudo.

Massimo

One Reply to “Queda de estilo: Italianidade (e Genovesidade!)”

  1. Sem duvida que fiquei interessado no processo de unificacao da Italia. Vou ver se oriento um bom livro sobre a materia.

    Por falar em Italia, vou a Palermo num fim de semana alongado a meio de Maio(city break).
    Conheces bem a regiao? Vou mais numa de praia, de ver a cidade e comer boa comida italiana 🙂
    Pelo que li, perto de Palermo a melhor praia e' mesmo a de Mondello.

    Infelizmente nao vou ter tempo para ir ver o vulcao Etna pois fica do outro lado da ilha. Certamente que ficara' para a proxima.

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