Manual de sobrevivência – Parte III

E avançamos com a última parte desta espécie de manual. A parte mais complicada.

Até agora vimos o que fazer para nós: em primeiro lugar um esforço para manter (ou alcançar) uma independência  intelectual, procurando a “nossa” verdade e, coisa mais importante, fazendo funcionar os neurónios.
Já isso não é nada fácil, cúmplices as constantes estimulações exteriores  a que somos submetidos.

Mas agora chega a parte mais complicada: desenvolver um papel no âmbito da nossa sociedade.
O leitor quer tornar-se o próximo Presidente da República? E porque não?

Verdade, há um problema: os leitores deste blogue começam a ser muitos, é difícil que haja lugares de Presidente para todos.

Política ou economia?

Então começamos com umas coisas mais simples, pode ser?
O problema é que não podemos deixar que as decisões sejam tomadas sempre por outros. Temos que assumir as nossas responsabilidades.
E mais: se o nosso desejo for combater o actual estado da situação, a política é a chave.

Ehi“, pode pensar o leitor, “Pára tudo: há meses que o Max indica como chave para perceber a sociedade a economia e agora diz que a coisa melhor é entrar na política?“.

Exacto. Parece uma contradição, mas não é.
O que sempre afirmei é que para perceber a nossa sociedade é preciso entender a economia: e confirmo este meu convencimento.

O problema é que nós vivemos numa aberração onde a economia prevalece face à política, mas deveria ser o contrário: a economia deveria ser predominante.
Hoje as decisões políticas são influenciadas por grandes centros de poder económico. E este é um eufemismo, pois seria mais correcto afirmar que os grupos de poder económico tomam as decisões e a seguir transmitem as ordens para que os políticos possam proceder com a implementação.

Esta não é uma situação normal.
O termo “política” deriva da Grécia Antiga, da palavra “polis” que significava “cidade”. A política era portanto “a arte de administrar a cidade”. A seguir, passou a indicar a administração dum inteiro Estado, no qual, em teoria, a política teria sempre de ter a supremacia.

Numa sociedade normal, a economia é obrigada a operar no âmbito das decisões políticas, pois o princípio é que a política é feita no interesse da comunidade, enquanto a economia representa também (e maioritariamente) interesses particulares.

Se desejarmos restabelecer um mínimo de legalidade e justiça, temos que tornar o debate político qual primeira fonte das decisões do Estado: até quando for a economia a ditar lei, as decisões serão tomadas em favor de poucos, nomeadamente os mais ricos.
Uma sociedade baseada na economia verá sempre prevalecer a lei do mais forte. E do mais rico. Que depois é a mesma coisa.

Um novo sujeito político: o leitor

Qual a melhor maneira para que a política volte a ser o centro dos interesses da sociedade? Existe apenas uma maneira: limpando a actual classe política. Como? Simples: com a substituição.

É como uma equipa de futebol: os jogadores no relvado já não têm capacidade? Então entram os substitutos.

Interessante…mas quem são estes substitutos?“.

Um dos substitutos é a pessoa que está a ler estas palavras.

Ah, e quem é?
Como “quem é”? É o leitor!

O quêeeeee?? Eu???
Ah, pois.

Eu tenho uma teoria. Quando um dente doer, a pessoa levanta-se, veste-se, pega no autocarro e vai até o dentista.
Se, pelo contrário, fica em casa, então o dente não dói ou não dói muito.

No concreto: não gostam desta sociedade? Acham uma coisa bastante horrível que merece ser mudada? Então comecem (começamos, para ser mais preciso) a fazer alguma coisa.
Não querem mexer-se? Então, por favor, não se queixem.

Não estou a dizer de fundar um partido, nem de candidatar-se ao Parlamento. É possível fazer política na própria cidade, até no próprio bairro.
Encontrem pessoas, falem com elas, oiçam as queixas, organizem pequenas reuniões se for o caso: depois discutam os problemas e encontrem soluções. E apresentem as soluções na vossa freguesia, por exemplo.
Falem com o Presidente da Junta, discutam: o que é que não funciona no nosso projecto, porque não pode ser aplicado, quais os impedimentos?

O Presidente da Junta não atende? Enviem uma carta, na qual tem de ficar claro que falam em nome dum grupo de pessoas (os Presidentes de Junta são sensíveis a estas coisas).
Não atende na mesma? Escrevam uma carta ao diário (ou semanal, quinzenal, etc.) da vossa região ou cidade.

O conceito é:

FAÇAM OUVIR A VOSSA VOZ
ESTA É POLÍTICA

Façam ouvir mas sempre com a máxima educação e respeito pelas ideias dos outros.

Lembrem que educação não significa “falta de firmeza”: é bem possível ser extremamente educados e extremamente firmes ao mesmo tempo.

Mas eu já faço a minha parte: voto...”
É uma piada ou quê?

Se votar fosse suficiente, então a situação não estaria como está. O problema é que votamos pessoas que não podem mudar as coisas. Não podem mesmo: são expressão da nossa sociedade, cresceram politicamente na nossa sociedade, vêem as coisas com os olhos da nossa sociedade.

Além disso, se mudassem o rumo, em pouco tempo ficariam sem emprego.
O “partido” não deixaria pôr em risco as ligações existentes. Nunca.

…mas eu não tenho capacidade…
O quê? No Brasil elegeram um palhaço, em Italia uma pornostar, em Portugal José Sócrates (não é preciso acrescentar nada): o leitor acha-se inferior a um palhaço? É isso que o leitor quer dizer?

…não, mas eu nem falo bem Português…
Nem eu, não sou Português. Mesmo assim aprendi um pouco, abri um blog cheio de erros e mesmo assim o leitor continua a ler-me.

…mas não tenho tempo…
Certeza? E quanto raio trabalham? 16 horas por dia? Se for assim, antes terão de resolver os problemas pessoais, que não são poucos pelo vistos.
Não trabalham 16 horas por dia? Então têm tempo suficiente.

…mas eu tenho medo…
Todos temos medo das coisas que desconhecemos: é uma reacção natural de cada homem, uma medida de auto-defesa.
Sem nunca experimentar, as coisas permanecerão desconhecidas e continuarão a provocar medo.
Uma vez conhecidas, aprende-se que “o lobo afinal não era assim tão mau”.

…não é isso, eu tenho medo das pessoas…
Das pessoas? E porquê? Mordem? Em que raio de lugar vive o leitor?
As pessoas são como nós. Nem mais, nem menos. Com as dúvidas, as incertezas e tudo o resto. Podem apresentar-se duma forma mais agressiva, ou mais reservada. Mas acreditem, são sempre feitas da mesma forma: 206 ossos, 4 membros, muita água. Às vezes é presente um cérebro, às vezes não. Ponto final.

…mas eu nem sei como começar…
Nem eu. Perguntem. Informem-se. Peçam aconselhamento. É bastante simples.

…mmmhhh, ok: estou convencido: vou fazer uma revolução!
Eh? Não, pare, pare por favor. Nada de revoluções, não é disso que estamos a falar. Não se pode derrotar a ilegalidade com outra ilegalidade: enfim, os nossos objectivos são a legalidade e a justiça (entre outros, claro) e para obtê-las actuamos com ilegalidade? Não estão a ver a contradição?

…ah, sim, de facto…bravo Max. Mas então a coisa precisa de tempo…
E quem disse o contrário? Reparem: a ideia é contribuir a inverter uma tendência que foi implementada ao longo de décadas e com grandes meios. Não é possível obter tudo e já.

…mas será suficiente?
Não. E sim.

Não porque é óbvio que não é “conquistando” a vossa freguesia que o mundo irá tornar-se um lugar perfeito.
Sim porque o mundo é também feito de exemplos: e se tivermos a capacidade de dar um bom exemplo, este será seguido por outros.
Além disso, entre as pessoas contactadas pode haver alguém que decida investir mais tempo em algo de bom. Pode descobrir que a política afinal não é assim má. Tornar-se um político em causas ainda mais importantes.

Se calhar, este alguém pode ser o mesmo leitor, quem sabe?

Impossível?

Eu sei, tudo isso parece impossível, não é? Passar da leitura de blogues para o mundo da política.
Complicado. Utópico.

Talvez seja mesmo este o problema: achar “demais”, longe da nossa realidade, longe do nosso alcance.

A bem ver, estas objeções representam a melhor defesa da actual classe política.

O político nacional, o regional, o local, quase não precisa defender o próprio lugar (a não ser dos ataques dos outros políticos, claro), pois somos nós os primeiros a travar perante as dificuldades. Reais ou imaginárias.

Neste sentido, os media fazem um óptimo trabalho: amplo espaço dedicado às discussões entre leaders dos partidos, uma constante reverência, um alto respeito. Tudo cria uma atmosfera de “importância”, um mundo não alcançável feito de pessoas com grandes responsabilidades, pessoas que sabem o que é bom para o País, para todos nós.

Como contradizer isso?

Como sempre: com o vosso cérebro.
Pensem: quem governou nos últimos 10, 20 ou 30 anos? Porque chegámos até este ponto? Quem tomou as decisões erradas? Quem foi acusado de corrupção? Quem demonstrou ter interesses com bancos e centros de poder económico? Porque não são tomadas medidas resolutivas para combater a pobreza e a ignorância? Porque ninguém ao longo deste tempo todo explicou como funciona um banco de verdade? Ou como funciona o dinheiro? Porque continuamos a investir em armas que nunca são utilizadas (e ainda bem…) enquanto com os mesmos recursos teria sido possível aliviar (e provavelmente resolver) o sofrimento de centenas de milhões de pessoas em todo o mundo? Quem estabelece relacionamentos com os regimes mais odiosos em troca de petróleo? Com a permissão de quem empresas continuam a estragar os recursos naturais?

Não é a mesma elite tão obsequiada pelos media? Ou preferimos resolver isso de forma mais fácil e falar de Diabo?

Mudar é possível. É complicado, pode demorar muito tempo, mas é possível.
E a mudança tem que começar em nós para depois passar ao concreto, até um empenho, mesmo que seja mínimo, na sociedade onde vivemos.

Caso contrário, estamos a formar uma elite: uma elite virtual de pessoas que passam o tempo na internet à procura de “provas” para depois poder dizer “Olha quanto é mau aquele!”. Pessoas que passam o tempo a pensar que sim, de facto este fulano escreve bem, tem boas ideias, amanhã teremos que voltar para ler o que mais terá pensado. Uma elite de contra-informação, com tiques snobes.

Eu não estou interessado em criar uma elite, lamento. Eu quero poder fazer alguma coisa para que o mundo possa ser um lugar um pouco melhor.
É um dever para mim mas também para as próximas gerações. Construímos um mundo que está longe de ser perfeito e que precisa de mudanças. O mínimo que podemos fazer, é começar a mudar. Para que as próximas gerações não olhem para nós só com um profundo sentimento de desprezo.

Couves

Assim, transformar os leitores em activistas…mais nada?
Não, mais nada.

Aliás, sim, ainda uma coisa.

Acho que não seria mal aprender a cultivar algo. Coisas simples, tipo couves, cenouras, cebolas ou tomates.
E um pouco de fruta, que faz sempre bem.
Também conhecer as árvores e as plantas, sobretudo as medicinais não seria nada mal.

Mas que tem tudo isso a ver com o empenho político?

Nada, em verdade nada mesmo.
O facto é que há algo no ar. Algo que parece dizer “tempos complicados estão a aproximar-se…cuidado…”.
Talvez seja imaginação.
Ou talvez não.

Ipse dixit.

3 Replies to “Manual de sobrevivência – Parte III”

  1. Meu amigo. Agora depois de ler o que eu ja pensava. Muda muita coisa.

    Vou parar de ler e escutar, de ver e opinar e começar a agir. È o mais dificil não?

    Meus parabens!

Obrigado por participar na discussão!

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