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Um comentário

A coisa mais bonita dum blog, de qualquer blog, são os comentários: é aí que podem nascer as discussões e as ideias. Sem comentários, um blog é um monólogo.
Aborrecido.
Um comentário

Escreve Xenofonte ao comentar A Grande Mentira:

Dada a espiral da dívida e o respectivo acumulamento desta, quando é que isto termina?

Resposta: nunca.
O actual sistema, como a maioria dos sistemas, não é pensado para evoluir, mas para funcionar assim como foi projectado. Sem alterações, o sistema não tem a capacidade para mudar: só com uma intervenção interna (por exemplo uma decisão) ou externa (um evento traumático, tipo uma guerra) as coisas podem tomar outro rumo.

No caso específico, seria ingénuo pensar que o actual estado das coisas possa ser apenas uma consequência causal de decisões tomadas há 10, 20, 30 ou mais anos.
Embora possa não parecer (e, sobretudo, possa não ser feito parecer), a economia é uma ciência. Para cada acção existe uma determinada reacção.
Ao ver o comportamento das Bolsas, por exemplo, podemos pensar que tudo está nas mãos dos investidores: são eles que, com base nas decisões pessoais e empresariais, determinam o que irá acontecer.

Acaso???

Observamos os noticiários: ohhh, olhem só, os investidores pedem juros mais altos para financiar Portugal, mas que malandros, não é? Quem sabe o que passou pela cabeça deste senhores, afinal Portugal parece um País tão simpático.

Os leitores de Informação Incorrecta sabem porque os investidores pedem juros mais altos: Portugal está falido. Oficialmente não, tecnicamente sim. Portugal não produz, apenas gasta.
E não é só Lisboa em maus lençóis.

Meus senhores, estamos a falar de dinheiro, muito dinheiro, um oceano de dinheiro.

Podemos realmente acreditar que esta inimaginável riqueza seja deixada “ao sabor do vento”?
Os Países ocidentais mergulharam na infinita espiral da dívida sem reparar nisso?
Ninguém pensou nas óbvias consequências?
Richard Nixon acordou mal disposto numa manhã de 1971 e foi por isso que decidiu mandar para as urtigas os acordos de Bretton Woods?

Nixon provavelmente nem percebeu o que se estava a passar, os Presidentes dos Estados Unidos não são eleitos para pensar mas para obedecer (o mesmo tinha acontecido com Wilson e a criação da Federal Reserve em 1919): doutro lado, para que serve um Presidente inteligente se nem o controle da economia do próprio País tem?
Mas atrás de Nixon houve economistas. E os economistas pensam. Sobretudo quando recebem abundantes financiamentos. Assim, a criação de dívidas exponenciais não foi um mero acaso, mas um dos objectivos naturalmente implícitos na adopção do actual sistema.

Os empréstimos que o estado anda a fazer deveriam de ser investidos em algo que retornasse receitas positivas (investimento que necessita de tempo, paciência, inteligência, empreendedorismo e criatividade) para que se abatesse na dívida, mas o problema é que esse dinheiro dos empréstimos está a ser utilizado para pagar a dívida + juros. 

De facto, o investimento é um das tarefas mais importantes dum Estado.

Um Estado rico (e sobretudo bom administrador dos bens públicos) não é o que tem os cofres cheios de notas, mas o que tem os cofres vazios. Porquê? Porque investiu tudo. Só com o investimento é possível criar a riqueza de amanhã, só assim podemos pensar no futuro nosso e dos nosso filhos.
O resto é conversa.

Parêntesis português

Abro aqui um pequeno parêntesis que vai custar-me algumas críticas.

Em Portugal há uma luta entre os que defendem as grandes obras públicas e os que dizem “Não é altura”. Nomeadamente, os projectos são dois: o TGV, comboio de alta velocidade para as ligações entre Portugal, Espanha e o resto de Europa, e o novo aeroporto intercontinental de Lisboa.

A maioria do País critica o Primeiro Ministro por não abdicar dos projectos, em particular do primeiro.
“O País está em crise”, é a justificação, “seria dinheiro desperdiçado, pois agora há coisas mais importantes”.

Eu acho, pelo contrário, que estes dois projectos são uma das poucas coisas positivas que o actual Primeiro Ministro fez. 
Mas a oposição tem bom jogo: o País está perto da falência, há pobreza, mais dinheiro nos bolsos do povo e menos em obras absurdas é o lema.

Eu gostaria que os Portugueses parassem e pensassem.

O TGV português

Mas realmente acreditam que o dinheiro poupado na abolição deste dois projectos seria “bom” dinheiro?

Mas realmente acreditam que, ao poupar algumas dezenas de milhões de Euros de despesas, estes tornariam a vida dos Portugueses mais fácil?

Mas realmente acreditam que o dinheiro assim “poupado” servirá para aliviar a situação dos cidadãos?

Mas realmente acreditam que, ao renunciar a ligações rápidas de pessoas e mercadoria com o resto da Europa, o nosso futuro seria melhor?

Mas realmente acreditam que o País sairá beneficiado pelo facto de Madrid estar a investir na ampliação dos próprios aeroportos, de forma a tornar-se a verdadeira “ponte” aérea entre Europa e América, enquanto Lisboa abdica do mesmo projecto?

Mas realmente acreditam que a altura melhor para efectuar investimento seja a altura na qual o País está cheio de dinheiro? Ou não será, por acaso, numa situação de dificuldade?

Mas a História não ensina nada, mas nada mesmo?
Dito de forma ainda mais simples: querem um ovo hoje ou a galinha amanhã?

Fecho aqui o parêntesis português. Voltamos ao que interessa.

A Europa homeopática

Eventualmente a dívida é tão grande que ninguém vai querer emprestar pois sabe que o estado não vai ter capacidade para pagar esse empréstimo+juros , então ai o estado entra em default e as suas mais valias vão ser apropriadas pelos credores.

É o que se passou com a Grécia e com a Irlanda. O que se está a passar com Portugal. O que, provavelmente, se passará com Espanha. 
Como já afirmado, este sistema não evolui: funciona assim, como Xenofonte bem descreve.
Se a intenção fosse alterar o rumo dos acontecimentos, alguém (a União Europeia, por exemplo) já teria aportado as modificações necessárias, sem as quais o mecanismo não irá mudar.

Pelo contrário, o máximo esforço intelectual que as Mentes Pensantes de Bruxelas conseguem nestas horas é: vamos aumentar o pacote de ajuda.
Qual pacote? O mesmo que não resolveu os problemas da Grécia? Ah, ok, então fica tudo mais claro.

E quando será o turno da Espanha? Vamos aumentar outra vez? E com Países como Italia ou França? Dois ou três mega-super-pacotes? Doutro lado, qual o problema? É só ligar a impressora, ou erro?

O que os Estados Unidos e Europa estão a fazer é uma curiosa forma de homeopatia: tenta-se curar o mal com a mesma causa do mal. A economia entra em colapso por causa duma finança que prospera com o dinheiro virtual? E nós vamos subministrar mais dinheiro virtual.
Em vez que remover as causas da doença, continua-se com as mesmas e depois, espantados, observa-se que o paciente não melhora.

A Alemanha é má porque não quer aumentar o pacote? Não, meus senhores: a Alemanha é provavelmente o único País no Velho Continente que ainda produz alguma coisa. Por enquanto. E não está disposta a perder a própria riqueza por causa de Países que já há muito deixaram de desenvolver os próprios papeis. Muito simples.

Privatizar. Tudo.

Ou seja serviços públicos passarão a privados, que por sua vez só querem ter lucros e negligenciam o seu propósito inicial, o de servir o cidadão.
E’ isto que nos espera?

Bingo.
O próximo Primeiro Ministro de Portugal, Pedro Passa o Coelho  (ou algo de parecido), já deixou claras as próprias intenções: privatizar. O quê? Tudo. Saúde, ensino, transportes, Caixa Geral de Depóositos (o último banco nas mãos do Estado), rádio e televisão de Estado. Tudo, nada escapa.

A razão? Causam prejuízos. E a coisa espantosa é que ninguém explode em gargalhadas perante tamanha bestialidade, todos ouvem com atenção.

Mas alguma vez o sistema de saúde foi criado para dar lucros?

O que é mais importante: o lucro ou a saúde do cidadão?

O lucro dum sistema de saúde nacional é a saúde do cidadão, assim como o lucro dum sistema de ensino é a transmissão do conhecimento,o lucro dum sistema radio-televisivo é a difusão das informações, o lucro dum sistema de transporte é permitir a movimentação dos cidadãos sem ter de recorrer aos meios privados.

São sistemas que, por natureza, não podem gerar lucros. São custos necessários se o nosso desejo é uma sociedade fundada numa maior justiça social. Caso contrário, será uma sociedade fundada no dinheiro.
Tens mais dinheiro? Terás direitos a tratamentos mais eficazes.
Tens menos dinheiro? Lamentamos, chegou a tua hora.

É tão difícil de perceber?

Infelizmente é esta uma estrada sem regresso. As privatizações serão uma realidade. Na Europa serão introduzias de forma progressiva, isso para não irritar em demasia os Europeus que são sensíveis quando se fala destes assuntos. Mas este é o percurso.

Doutro lado, tentamos vestir os panos do capitalismo parasitário, o sistema no qual vivemos: o que mais é possível obter dum País como Portugal, ou Grécia, ou Irlanda? O que sobrou? As empresas ou fecharam ou foram transferidas para o estrangeiro, os cidadãos têm salários baixos, não é que haja muito: a única solução é começar a eliminar os últimos direitos e parasitar as exigências básicas.

Assim, voltando ao caso português e para concluir.
Investir? “Não, uhhhh, horror, desperdício!”.
Privatizar serviços do Estado, nossos serviços? “Eh, mas estes serviços não geram lucros”.

Caro Xenofonte, nós temos o futuro que nós construímos, com as nossas mãos. Aqui não há acasos, não há destinos: há escolhas.
Como dizem os Ingleses? As you make your bed, so you must lie in it? Quem é a causa do seu mal, chore de si próprio?

Isso mesmo.

Ipse dixit.