Uma carta, um vídeo, uma razão

Extremamente interessante observar o que se passa na Líbia. Por varias razões, a mais importante das quais é o facto de ninguém poder afirmar com certeza qual o ponto da situação; o que não deixa de ser curioso considerada a proximidade do País ou o número de trabalhadores estrangeiros ali empregados, por exemplo.

A seguir: quais as razões da revolta?
Atenção, pois a resposta não é tão óbvia.

Aqui não houve social network a criar uma “consciência revolucionária”, importada ou não: aqui não há reuniões oceânicas nas maiores praças do País, não há Al-Jazeera com dezenas de jornalistas no terreno.

Aqui fala-se de uma guerra entre duas facções, os Bons (os revoltosos) e os Maus (as tropas de Khadafi). Só por curiosidade: donde chegam as armas dos revoltosos? Ou temos de pensar que as tropas do “feroz” ditador foram derrotadas (?) com canivetes?

A carta

E as notícias? Quais são as fontes?

Eis uma carta enviada por um empresário italiano, Andrea Paglialunga, destinatário um jornalista também italiano, Marcello Foa.

Tive a oportunidade de ler nestes dias os seus artigos onde fala sobre a questão líbia e das zonas afectadas pela revolta nos últimos meses. Não sou um cientista político, analista ou um especialista, por isso peço desculpa se perdoem-me se algumas das minhas perguntas podem parecer parecem triviais, ou o óbvias.
 
Trabalho há mais de dez anos com o Médio Oriente Médio e o Norte da África. Organizei redes comerciais nessas áreas. Então, tenho  desenvolvido importantes relacionamentos, sólidas amizades. Já para não falar do facto de ter vivido por mais de um ano em Dubai e também no Kuwait. Dito isto, devo confessar que duvido realmente de muitas das coisa leio nos jornais ou oiço na televisão.
 
1. Bahrein: pode explicar-me como é possível uma revolta naquele pequeno emirado onde a população local não vê limitada a própria liberdade, onde é permitida, ajudada e incentivada a actividade empresarial, onde não existem condições dramáticas de insatisfação social (refiro-me ao habitantes, não falo dos trabalhadores do Paquistão, da Índia ou da China que são recrutados com contratos anuais, que têm salários de miséria, vivem em 15 num apartamento, mas que vêem essa condição como uma oportunidade quando comparada com as condições de vida dos lugares de onde vieram)?
 
2. Falei ontem com dois clientes líbios. Dois importadores que trabalham na área dos materiais de construção. Um de Misurata, outro de Tripoli. São de gerações diferentes, um de cerca de 70 anos, outro com menos de 40, assim nem com experiências ou histórias semelhantes.

Perguntei-lhes em primeiro lugar as condições pessoais e fiquei espantado. O de Misurata hoje reabriu  a loja depois desta ter sido fechada há uma semana como precaução. para o cuidado. Ele disse de ter ouvido alguns tiros, mas nada mais. Nenhuma dificuldade ou problema no porto vizinho ou problemas de ordem pública.

As amizades perigosas (de Khadafi)

Pensei: é muito longe da capital, vive numa área tranquila, sem notícias pois as fontes de informação não são confiáveis; então tentei com o homem de Tripoli. Ele disse de não ter visto aviões, apenas alguns helicópteros, então tranquilizou-me e disse que na passada quinta-feira tinha ido ao banco para verificar que a instituição não tivesse parado o deposito do meu dinheiro.

Leu bem: na última quinta-feira à porta do banco estava aberta e funcionante. Também disse de ter ouvido tiros. A semana passada foi um pouco tensa, mas nem mesmo sombra de revolta.

Agora, posso imaginar que ele não diga a verdade. O medo de ser interceptado ou algo do género. Mas garanto que não pareceu diferente, estava um pouco preocupado porque o fluxo dos clientes diminuiu nos últimos 10 dias e provavelmente será forçado a mudar as datas relacionadas com programa que estabelecemos no início deste ano.

Confesso que não sei o que pensar

 O vídeo

Mudamos de assunto, mas ficamos na Líbia. Que tal os aviões de Khadafi que bombardeiam os inocentes cidadãos?

As imagens do solo líbio, observado pelos Russos a partir do espaço, refutam uma das lendas dos meios de comunicação: não há nem houve ataques aéreos. E não é um diário qualquer que avança com esta afirmação, é o Exército russo, nomeadamente chefes de Estado Maior. A grande quantidade de imagens registadas pelos satélites durante a crise ainda não reportou um único vestígio dos ataques.

A jornalista de Russia Today, Irina Galushko, refere que os alegados ataques do dia 22 de Fevereiro em Bengasi e Tripoli, amplamente relatados pela BBC e Al Jazeera, simplesmente não foram observados pelos satélites.

Ninguém duvida do facto de Khadafi estar a utilizar os aviões contras as forças armadas na parte oriental do País. E são estas, de facto, as imagens utilizadas pelos media ocidentais.
Mas coisa bem diferente é afirmar que o chefe líbio esteja a bombardear inermes cidadãos nas cidades.

Eis a reportagem, em língua original (Inglês):

Que na Líbia algo esteja a acontecer parece fora discussão; que haja grupos armados de revoltosos, também; e que Khadafi continue com declarações delirantes, também isso é um facto comprovado.
Mas será demais pedir uma informação objectiva?

A NOC…

Talvez seja demais, sobretudo quando a verdadeira razão da guerra continua a não ser citada. E para entender qual esta razão, é suficiente perguntar: o que é a NOC?

A NOC é a National Oil Corporation, a empresa estatal Líbia do petróleo: na prática, tudo o petróleo produzido no País é captado pela NOC e sucessivamente distribuído atravesso das subsidiárias.

Mas, parte interessante, para onde vai a maioria do petróleo líbio? Para a Europa.

Os principais clientes do petróleo distribuído pela NOC são os seguintes:

  • Italia (495.000 barris por dia)
  • Alemanha (253.000 bpd),
  • Espanha (113.000 bpd)
  • França (87.000 bpd). 
  • EUA (85.500 bpd)

Só 85.000 barris por dia? Ohhh…
Mas é assim mesmo: a maioria do petróleo líbio é vendido na Europa, deixando os Estados Unidos com “as sobras”.

Uma situação intolerável, sem dúvida.

…e um simples exercício

Agora, um simples exercício.
Antes algumas das afirmações que circulam nestes dias nos meios de comunicação:

  • Não podemos ficar de lado e assistir Khadafi que mata o seu próprio povo
  • Seria apenas uma missão humanitária
  • A Líbia tortura os prisioneiros
  • Os rebeldes líbios não serão capazes de derrubar Khadafi sem a nossa ajuda
  • Os interesses dos EUA foram ameaçados
  • Khadafi é louco
  • Khadafi tem armas de destruição em massa
  • Kadhafi vai utilizar armas químicas
  • Khadafi tem 1.000 toneladas de urânio
  • As empresas petrolíferas europeias têm investido fortemente no petróleo e no gás da Líbia
  • Milhões de Dólares em infra-estrutura serão destruídos se não forem tomadas medidas
  • A crise na Líbia é ruim para a economia global
  • Alguém tem que proteger o petróleo
  • Temos de ir à Líbia para impedir que Al-Qaeda tome posse

E depois vamos substituir as palavras “Khadafi” com “Saddam Hussein” e “Líbia” com “Iraque”.

Feito?
Ficou tudo mais claro agora?
Pois…

Ipse dixit.

Fontes: Il Giornale, Russia Today, Petrolio

3 Replies to “Uma carta, um vídeo, uma razão”

  1. O 'modus operandi' da mídia ocidental é sempre o mesmo… Falta-lhes criatividade ou um bom propagandista, pensando bem, não é necessário muito para enganar meio mundo.

    Basta mudar o local, data, nomes… e voilá, uma nova notícia!

  2. O mundo seria muito simples se o problema fosse sempre os outros.
    Os EUA mandaram navios para a região ( para transportar refugiados… e o coelhinho da Páscoa está chegando).
    Sempre fiquei com a pulga atrás da orelha com essas bacias de petróleo encontradas no Brasil. Nossa autosuficiência no setor irá despertar muita cobiça. Que medo!

  3. A história é sempre a mesma, muda local, data e personagem (ou não).

    Fico surpreso como a maioria engole os medias e desvaloriza a propria sabedoria, a história. A poucos anos atrás vimos eles forçarem guerra, veremos de novo e futuramente também.

    Anteontem eu estava me perguntando: "E a China…". Hoje eu vi: "China espera que estabilidade seja restaurada de maneira pacífica na Líbia". Tenso…

Obrigado por participar na discussão!

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