Uma ligeira diferença

Depois de ter lido o artigo acerca do cobre de JP Morgan, o leitor acha que o sistema financeiro é uma grande aldrabice, governado por pessoas sem escrúpulos?

O leitor pode ficar descansado, pois ainda não viu nada.

A seguir um artigo um pouco “complicado” mas importante, pois demonstra como, apesar dos rios de tintas gastos após a crise começada em 2008, nada em verdade ainda mudou.

Simplifico ao máximo.

Nos Estados Unidos existe um banco, um grande banco, um dos maiores, que emitiu obrigações baseadas em mútuos.  E até aqui tudo bem.
Com o tempo, estas obrigações perderam valor e, como permite a lei americana, um grupo de obrigacionistas (no mínimo 25% do total) enviou uma carta para exigir que o banco garantisse as obrigações emitidas.
Este acto é chamado Putback (literalmente: “colocar de volta”).

Dito de outra forma:
– as obrigações são baseadas em imóveis;
– os imóveis perdem boa parte do próprio valor;
– quem emitiu as obrigações (o banco) tem que garantir o investimento feito pelos clientes que assinaram as obrigações.

Garantir como? Com a aquisição das mesmas obrigações previamente emitidas.

O banco em questão é o Bank Of America e o total das obrigações é de 47 biliões de Dólares (!!!).

Agora olhem para o seguinte e maravilhoso gráfico publicado por Zero Hedge.
Mostra os fundos disponíveis no banco para a re-aquisição das obrigações (em verde) e o total das obrigações que terão de ser re-aquiridas (em vermelho):

Eh, sim, de facto há uma ligeira diferença.
Feitas as contas, o Bank of America tem no cofre 872 milhões de Dólares destinados à aquisição das obrigações, o 2% do montante requerido.
2% é melhor do que nada, por isso agora é só preciso encontrar o restante 98% para completar a operação com toda a tranquilidade.

“Mas” pode perguntar o leitor, ainda convencido da intrínseca boa fé das instituições financeiras “os bancos não deveriam, no mínimo, criar um fundo de reserva para fazer frente a situações como estas?”

Sim, “deveriam” e de facto assim fazem.
Só que, nos últimos trimestres, os bancos desviam tais fundos para alterar as contas.
Na prática, o dinheiro dos fundos passa para a voz “Úteis” e as contas dos bancos “magicamente” melhoram.
No último trimestre, por exemplo, Bank of America baixou o fundo de 1,24 para 0,872 biliões de Dólares: 376 milhões foram utilizados para tornar mais agradáveis a conta do banco.

Uma dúvida: mas Bank of America não será por acaso o pior exemplo entre as instituições dos Estados Unidos?
Nãoooooo! JP Morgan, por exemplo, faz coisas bem piores. Mas disso voltaremos a falar.
Agora continuam com a nossa história.
Bank of America, óbvio, recusa comprar as obrigações e consegue convencer as partes em aceitar uma compensação: neste caso, o banco paga 2,8 biliões de Dólares como penal e todos vivem felizes e satisfeitos.

Em Wall Street é festa grande e o título Bank of America ganha até 5,6%!

E agora quem tem a coragem de explicar a estes senhores que Bank of America tem ainda em circulação 394 biliões de obrigações do mesmo tipo?

Fontes: Rischio Calcolato, Zero Hedge, Market Watch

3 Replies to “Uma ligeira diferença”

  1. Muito muito muito muito bom, concordo.
    Gostaria de legendar….mas são 30 minutos!

    Vou pensar no assunto,pois o filme é realmente bom.

    Abraço!

  2. Também estou a pensar nisso, talvez o faça no fim de semana. Depois dou o link para fazeres um post ao vídeo 🙂

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