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Ainda e só palavras

É difícil continuar a falar da tragédia grega que só grega não é.
Já foi dito tudo. Hoje as primeiras páginas dos diários explicam o que já era sabido: se houver dúvidas é só ler os recentes artigos de Informação Incorrecta.

A coisa melhor por enquanto é esperar para que esta ajuda se torne uma realidade. Pois ainda estamos na fase do “vamos fazer isso, vamos fazer aquilo…”. A ajuda ainda não chegou, até nem partiu.
Por isso não vamos tratar mais do assunto até acontecer algo.
Por enquanto sobram só alguns números e umas considerações.

Os números

Plano trienal de110 bilhões de Euros, assim repartidos: 80 da União Europeia (isso é, de todos nós), 30 do FMI, o Fundo Monetário Internacional.
A UE emprestará o dinheiro com uma taxa de 5%, o FMI com taxa de 3%. Esta chama-se solidariedade europeia.
10 bilhões só para os bancos. Sim, perceberam bem: 10 bilhões de Euros, isso é, nosso dinheiro, para os anémicos bancos da Grécia. Nem vale a pena comentar.

Para este ano a ajuda ficará nos 45 bilhões e cada País da UE contribuirá segundo o seguinte esquema:

Alemanha: 8,4 bilhões. Com uma população de 81,7 milhões de habitantes, a ajuda custará 103 € cada pessoa.
França: 6,3 bilhões (92 € cada pessoa)
Italia: 5,5 bilhões (92 € cada pessoa)
Espanha: 3,7 bilhões (80 € cada pessoa)
Portugal: 780 milhões (70 € cada pessoa)

Lembramos: ajudas só para o ano 2010.

O total que Portugal enviará para Atenas ao longo dos próximos 3 anos, por exemplo, é superior: 2.064 bilhões de  Euro, tal como anunciado pelo Ministro das Finanças Teixeira dos Santos.

Dinheiro perdido? Não, claro que não: é um empréstimo, a Grécia tem todas as condições para reembolsar a ajuda. É só olhar para as finanças dela.

Mas não havia outra forma para sair desta situação? Outra vez: não, claro que não. O Euro está em jogo, o futuro da União.

O que está em causa não é propriamente a Grécia, é a moeda única, é a nossa moeda que é o Euro

confirma o Ministro.

E é verdade: em palio há muito mais do que a Grécia. E o mesmo conceito que subentende a existência da União que está em discussão. E esta é a resposta que podemos ouvir ou ler nos noticiários e nos jornais.

Mas esta não é a resposta correcta, pois a pergunta era outra. A pergunta era:

Mas não havia outra forma para sair desta situação?
E a resposta é: sim, havia.
A salvação da Grécia baseia-se na hipótese que seja possível pôr uma democracia debaixo duma apertada administração controlada, ao longo de mínimo três anos, como se fosse uma simples empresa.
Três anos e sem podes utilizar a principal e única arma razoável para combater a dívida: a reestruturação da mesma dívida. Lembramos que a Grécia irá refinanciar a dívida, não reembolsará os credores.

Por isso achamos que esta ideia seja basicamente uma ilusão, algo para o Inglês ver, como dizem em Portugal.

Já é complicado sanar uma empresa em dificuldade, podem imaginar o caso dum inteiro País com as suas infinitas variáveis políticas, burocráticas, sociais, sindicais, empreenditoriais, etc.
E tudo isso sem tocar em determinados assuntos porque tabu. Alguém ouviu falar da conduta dos bancos gregos ao longo desta crise? Alguém falou dos fortes interesses que a Alemanha ou a França têm na Grécia? Obviamente não, de certas coisas não se fala e ponto final.

E alguém ouviu falar duma alternativa? Uma outra maneira de resolver o assunto Grécia? Não. Todos fomos postos perante duas possibilidades: ou ajuda ou catástrofe. Voltando à pergunta principal: havia uma terceira via.

Partilhar as perdas

Uma maneira de eliminar os efeitos devastantes do default sem entregar o dinheiro dos contribuintes aos bancos.
Como? A explicação é de Luigi Zingales.

A primeira regra deste plano alternativo é alargar o prazo da dívida grega, afastando de 3 anos a maturação. Este é, de facto, um parcial default cujo efeito seria de reduzir a dívida em15-20%.
Outro efeito é de dar à Grécia o tempo para reestruturar-se, forçando os credores para absorver uma parte do prejuízo, sem pesar assim só nos contribuintes.
Sem a necessidade de tratar da dívida em maturação, a Grécia precisaria de 25 bilhões de Euros para refinanciar o deficit de 2010. Estes recursos poderiam ser fornecidos pelo FMI com um empréstimo. E para que este não se torne um subsidio aos bancos internacionais, o empréstimo deveria ter a prioridade na restituição.[…]

Outra medida: pagar só o 90% das obrigações.
Estas duas medidas em conjunto, isso com um plano de austeridade para atingir também os rendimentos de capitais (mas não só: todos os Gregos viveram em alegria nos últimos anos e todos têm que contribuir), teriam como consequências: crise dos bancos gregos (que neste caso deveriam ser nacionalizados ou melhor, “adoptados” pela UE), perdas de valor das obrigações dos PIGS e perdas (notáveis) dos bancos europeus.

Os Países do grupo PIGS deveriam actuar intervenções muito dolorosas: mas é justo que quem viveu acima das próprias possibilidades pague as contas.

E os bancos, por uma vez, não ficariam imunes mas  participariam na reconstrução da Grécia e duma Europa melhor.
Após um ano desta cura, a Grécia teria uma dívida de 5% (no máximo) do PIB. Com um novo empréstimo de 5-10 bilhões concedido pelo FMI, Atenas atingiria o objectivo dum dificit igual ao 3% do PIB em 2012.
Nesta altura teria as pernas para caminhar sozinha.

Para utilizar as palavras de Zingales:

Um plano que protege o interesse dos contribuintes. Um plano que não só não será actuado mas que nunca será discutido porque em Frankfurt e Paris os votos não se contam, mas pesam-se.

Acabam aqui os artigos dedicados à tragedia grega, pelos menos até quando não acontecer algo; isso é, a chegada da ajuda.  Porque caso contrário estariamos perante palavras e nada mais.

Continuaremos a seguir os eventuais desenvolvimentos sociais nos arredores de Atenas.

Mas agora mudamos de assunto.

Ipse dixit.

Fontes: Il Gande Bluff, Mercato Libero, Il Sole 24 Ore