Os leitores de Informação Incorrecta conhecem o economista Niño Becerra, pois já falamos do seu livro O Crash de 2010. Parece oportuno dedicar mais espaço a uma publicação que nos últimos tempos, foi chamada em causa várias vezes no mundo dos media.
A razão é simples: o espanhol foi um dos poucos que em tempos de euforia chamava a atenção sobre aspectos que iriam demonstrar-se fundamentais para o sucessivo desenvolvimento da crise global.
No O Crash de 2010, Becerra faz uma panorâmica acerca das razões pelas quais o mundo está como está. E uma das razões mais simples é esta: evolução.
É normal que as coisas estejam como de facto estão, é o sistema capitalista que tem no próprio DNA as raízes da crise. Também antes do capitalismo havia crises e não acaso o autor analisa as razões que levaram à queda de impérios e sociedades. Becerra vê em tudo isso um factor cíclico com uma duração de 250 anos, seguidos por 60 anos de transição.
O sistema esgota-se: não responde às necessidade da altura […] e chega um ponto no qual é necessário que se produzam uma serie de mudanças no sistema para que este se ajuste à realidade.
A isso podemos acrescentar escolhas que marcaram a diferença, assim como aconteceu nas crises anteriores. Por esta razão Becerra realça algumas datas fundamentais no percurso da última década, embora não esqueça de referir que a génese é ainda mais antiga.
Após a pequena crise de 1991 assiste-se a deslocação da produção e bens e serviços para Países onde a mão de obra é mais barata, os offshore ganham cada vez mais força; mas, sobretudo, generaliza-se a convicção que o crédito seria a resposta para a procura crescente. Por isso são abertas as portas dos bancos para pessoas e instituições que até então não tinham capacidade para aceder aos empréstimos. E vendem-se mais notas, desta vez sem imprimi-las fisicamente. Chegou a economia virtual em todo o seu esplendor.
Em 2000 nova recessão mas velhas respostas: endividamento, de forma massiva, e a ideia que um imóvel nunca perderá valor. Nasce a bolha imobiliária e a galáxia especulativa a esta ligada.
E 2003 viu a aceleração especulativa, o boom imobiliário no seu apogeu, a chegada em força dos produtos especulativos exóticos. Uma economia cada vez mais afastada do mundo real, suplantada pela finança.
Becerra insiste na comparação entre a Grande Depressão do ’29 e a situação actual:
A Grande Depressão é o espelho no qual olhamos .
E este paralelismo mantém-se ao longo do livro. Mas com algumas diferenças. Na crise do ’29 a sociedade era estruturada de forma diferente: o conceito da família, por exemplo, era mais radicado e o espírito era o de “fazer mais”. Hoje não é assim e as Nações já não podem desenvolver o mesmo papel: por isso o cidadão será mais só. E, enquanto no ’29 a tendência para a saída foi um “ir além”, desta vez parece ser um “ir ao menos”, num caminho de empobrecimento.
Em 2010, como o conceito de responsabilidade pessoal será um dos eixos a nova filosofia, as ajudas à pessoa, como as do Estado, serão praticamente inexistentes.
Assim, enquanto nos media tradicionais a crise está para acabar (e até há quem fale em “evidentes sinais de retoma”), Becerra traça o percurso dos próximos anos: não só para ele a crise não acabou mas, na verdade, nem começou:
A crise, a verdadeira crise, quando rebentar, em meados de 2010, será tremenda, paralisante, uma autêntica queda a pique; será deflação, depressão, nada comparável a passadas recessões que você tenha vivido.
Agora será preciso mudar o modo como as coisas são feitas. A crise de 2010 isso porá em cima da mesa: é preciso modificar a maneira de funcionar porque a antiga esgotou-se por uma razão elementar: é uma maneira de fazer as coisas absolutamente ineficiente.
A partir da metade de 2010 a situação se degradar-se-à rapidamente. Viver-se-à ao dia, segundo a lei do “cada um por si”.[…]
Paralelamente irá manifestar-se a falta de recursos energéticos – petróleo, gás.[…] Por isso, provavelmente, será implementada a “regularização do consumo” – o racionamento […].
Sem esquecer, obviamente, o desemprego, com as inevitáveis tensões sociais, com as corporações que irão ganhando poder, cada vez mais, face à incapacidade dos Estados.
2011 será um ano particularmente duro; de facto será o pior do todo o período de crise.
Mas não será o último:
É provável que entre os anos 2012 e 2015 se imponha um modelo de economia regulada em todos os Países.[…]
A regulação da economia implicará, de facto, a implementação de uma economia de subsistência, na qual os intercâmbios serão reduzidos a um nível básico e será utilizada, em muitas ocasiões, a troca.
Só no fim de 2012 estarão presentes os primeiros sinais do fim da crise. Mas para uma verdadeira retoma será preciso esperar até o período 2015-2018.
No final de 2018 a crise será definitivamente – oficialmente – concluída; sem dúvida, nada será como antes.
Por isso não será o fim do capitalismo (que o autor prevê para os meados do século), mas uma profunda reestruturarão. E, sobretudo, não indolor.
O livro está escrito de forma fluída, jornalística, sem inúteis tecnicismos que podem causar perplexidade a quem não trabalha na área económica. Uma escrita clara e viva, que sem dúvida constitui uma leitura aconselhada.
Não sabemos se as previsões de Niño Becerra estão correctas. Do ponto de vista egoístico esperamos que não estejam. Mas temos de admitir que O Crash de 2010 apresenta uma fotografia impiedosa mas correcta da realidade presente, e que o autor já tinha feito previsões acertadas no recente passado. Por isso não é o caso de sorrir.
Becerra, Niño Santiago: O Crash de 2010
Editora Planeta
ISBN: 9789896570385