A Paz de Vestfália: o nascimento do Estado-Nação

Tradução dum excerto de autoria de Aleksandr Dugin, indivíduo deveras polémico mas que nesta ocasião acerta na análise histórica. A seguir uma tradição quase literal:

Qualquer pessoa que tenha estudado, mesmo superficialmente, as Relações Internacionais sabe que a ordem mundial em que ainda vivemos é chamada de ordem vestfaliana. Esta expressão tornou-se um cliché, mas ainda vale a pena lembrar o que é o Tratado de Vestfália, concluído a 24 de Outubro de 1648.

Neste dia, em Münster e Osnabrück [ambas localidades da Alemanha, ndt], foi assinado um acordo entre as principais potências europeias para pôr fim à Guerra dos Trinta Anos. Na história europeia, a Guerra dos Trinta Anos é vista como a fronteira entre a ordem medieval e o início dos tempos modernos. Esta foi a última guerra travada sob o estandarte da religião.

Os Países católicos lutaram contra os protestantes. A questão a ser decidida era: quem ganharia, a Reforma ou a Contra-Reforma?

O modelo de política e de ideologia medieval nesta guerra foram as potências do sul da Europa, que lutaram sob a bandeira do catolicismo e do Império dos Habsburgos. Os Países protestantes, principalmente a Inglaterra e os Estados escandinavos, assim como os apoiantes de Lutero noutras partes da Europa, opuseram-se ao domínio dos Papas e ao domínio do Império. Devido ao ódio tradicional pelos Habsburgos, uma França formalmente católica mas já completamente modernizada lutou do lado dos protestantes.

A guerra fez perecer um terço da população da Europa; algumas áreas perderam mais de 70% da sua população. Foi uma verdadeira guerra mundial, pois afectou não só o território da Velha Europa, mas também as colónias.

As forças beligerantes eram quase iguais e nenhum dos lados, apesar das enormes perdas, conseguiu obter uma vantagem decisiva. Este equilíbrio foi fixado pela Paz de Vestfália, que reconheceu os direitos de ambos os campos em guerra. Embora o sul católico tenha conseguido defender a sua posição face à ofensiva protestante e o império dos Habsburgos tenha preservado a sua influência, de uma forma diminuída, foi o norte protestante que alcançou o objectivo ideológico.

Os Países protestantes insistiram desde o início que não deveria haver nenhum exemplo na política europeia que estivesse acima da soberania nacional, nem o poder da Igreja Romana, nem o poder do Império Austríaco.

Foi então que o princípio do Estado-Nação, da Nação-Estado e da soberania nacional foi finalmente reconhecido por todos. Embora o catolicismo e o Império tenham sobrevivido, eram agora reconhecidos não como instituições supranacionais, mas como Estados europeus separados, juntamente com todos os outros.

O Império foi reduzido ao nível de um dos Estados europeus e o estatuto do Papa foi preservado exclusivamente nos Países católicos, e portanto como uma autoridade puramente religiosa. Ou seja, embora os protestantes (e os franceses que se lhes juntaram, que foram em muitos aspectos os iniciadores) não tenham vencido completamente os seus opositores, conseguiram impor a sua ideia de política normativa a toda a Europa. É esta ordem que se chama vestfaliana: baseia-se no princípio da soberania nacional, acima da qual nenhuma autoridade, nem religiosa nem imperial, é reconhecida. Doravante, as questões de religião, estrutura política e ordem social passaram a ser da competência de cada Estado-Nação, e ninguém podia influenciá-la em nome duma qualquer estrutura supranacional.

A Paz de Vestfália coincidiu com a ascensão da burguesia, que nessa altura estava a travar ferozes batalhas contra a ordem medieval, onde a sociedade era liderada pelas classes sacerdotais e pela aristocracia militar. A burguesia europeia, na pessoa dos Papas, atacou o sacerdócio e, na pessoa do Imperador Austríaco, a casta da aristocracia militar. Esta ainda não era uma plena democracia burguesa, uma vez que todos os Países protestantes continuavam a ser monarquias. Mas estas eram monarquias de um novo tipo, uma espécie de monarquias burguesas.

E embora o catolicismo romano e os Habsburgos tentassem preservar a velha ordem europeia nos seus territórios, foram forçados a aceitar as regras do jogo vestfaliano. Nestas regras, foi o Estado-Nação que se tornou normativo, que na sua ideologia já tinha contribuído para o crescimento da burguesia e para a saída da Idade Média. Não só nos Países protestantes, mas também nos católicos.

É significativo que na própria Inglaterra, um ano após a Paz de Vestfália, o Rei Carlos I tenha sido executado durante a guerra civil, que tinha começado ainda mais cedo. A França seguiria o mesmo caminho de regicídio e a tomada do poder por parte de representantes da oligarquia burguesa no final do século XVIII. Os Países católicos ficaram ligados à velha ordem mais do que outros e a burguesia acabou por triunfar neles apenas no século XX.

Assim, a Paz de Vestfália marca a vitória histórica da burguesia secular na ordem da classe cristão-imperial. Foi então que o nacionalismo emergiu como a arma mais importante da burguesia europeia na batalha contra a sagrada ordem medieval. A Paz de Vestfália lançou as bases para os Estados-Nação.

Mais tarde, a burguesia começou a sentir-se oprimida pelo nacionalismo e, ao mesmo tempo, a abandonar os Estados-Nação: um exemplo disto é a moderna União Europeia. Assim, gradualmente, a Paz de Vestfália começou a ser desmantelada pelas próprias forças que a tinham construído. Mas esta é já a próxima página da história das ideologias políticas e das relações internacionais. Com respeito ao globalismo moderno, o Estado-Nação está afastado disso, mas já na sua origem é algo duvidoso e anti-tradicional, porque é algo burguês.

Excerto interessante porque, no geral, considera-se a Revolução Francesa como o começo do poder da burguesia. Mas a Revolução Francesa não poderia ter acontecido sem uma premissa absolutamente fundamental: uma burguesia independente do poder tanto aristocrático quanto religioso, fruto duma mudança do pensamento ao longo dos tempos.

A Paz de Vestfália representa uma franca vitória da burguesia porque é aí que, finalmente, é reconhecida como força fundamental no seio do poder. De facto, para além de estabelecer fronteiras territoriais fixas para muitos dos Países envolvidos no conflito (bem como para os criados mais tarde), a Paz de Vestfália mudou a relação dos súbditos com os seus governantes. Anteriormente, muitas pessoas eram forçadas a suportar poderes sobrepostos, por vezes verdadeiras alianças políticas e religiosas. Como resultado do tratado de paz, os habitantes de um determinado Estado estavam sujeitos, antes de mais, às leis e aos regulamentos promulgados pelos seus respectivos governos e não às reivindicações de qualquer outro organismo, seja religioso ou secular.

A burguesia emergiu em diferentes lugares e em diferentes momentos: é preciso realçar que um grande número das profissões consideradas tipicamente de classe média já estavam presentes na estrutura socioeconómica do Império Romano e do polo grego, e mais tarde na Idade Média.

Na Europa Ocidental, e especialmente na península italiana, o nascimento desta classe foi particularmente precoce, estando ligado ao desenvolvimento económico e social da era comunal (séculos XII-XIII), enquanto que em alguns países da Europa Oriental uma burguesia propriamente dita só começou a desenvolver-se durante o século XIX (e, em alguns casos, de forma incompleta, como por exemplo na Rússia czarista). Todavia, tratava-se duma burguesia que respeitava as regras dum jogo que não eram dela, sendo que ainda não detinha uma força suficiente para reivindicações.

Com o passar do tempo, os habitantes dos centros urbanos (o termo “burguesia” deriva do tardo latim burgus, pequenos fortes) começaram a desfrutar dum cada vez maior bem-estar económico em relação aos que viviam nas zonas rurais circundantes. Esta riqueza deu-lhes maior poder e influência na sociedade, aproximando-os da classe dominante e do clero, permitindo-lhes tomar posições públicas e administrativas, e distanciando-os das classes rurais.

Em 1407, em Genova, nasce o primeiro banco (o Banco di San Giorgio), que se dum lado fornecia liquidez aos reis em príncipes em guerra, do outro lado permitia investimento e crescimento de património à classe burguesa, criando também uma cada vez mais numerosa categoria de pessoas dedicadas a comércio e finanças. Em Inglaterra, no século XVII, a burguesia já detinha o poder económico, e graças às revoluções de 1640 e 1688 juntou-se à nobreza na gestão política do País. Os Estados Unidos nasceram já com características tipicamente burguesas, uma vez que as tradições e as ligações com o mundo feudal estavam ausentes.

Nesta óptica, a Revolução Francesa representou apenas o empurrão final contra um sistema decadente: o Terceiro Estado conseguiu abolir os privilégios e os direitos feudais, impondo um programa de reformas institucionais e de mudanças nas relações sociais. Mas as ideias, como vimos, vinham de longe.

“Ehi Max! Onde fica o link para o texto de Aleksandr Dugin?”

Abracadabra: perdi-o 🙂 Mas não é difícil encontrar na internet material dele, muito em português também.

 

Ipse dixit.

4 Replies to “A Paz de Vestfália: o nascimento do Estado-Nação”

  1. Se o artigo de Aleksandr Dugin serve de introdução a alguma coisa embora seja um pouco extenso …até se aceita . Se o artigo vale só por si então devo começar por enaltecer as suas notórias propriedades soporiferas … de 0 a 10 … dou 6 pontos . E é só porque sou generoso.

    1. Olá Ivan , vou te dar uma pista … os super ricos não chegaram lá através do trabalho árduo , a trabalhar melhora se a vida mas ninguém fica rico

  2. Olá Ivan:
    quando alguns humanos (judeus de preferência) descobrem que podem ganhar dinheiro com dinheiro (juros), põem isso em prática e criam os bancos, Aí começa a haver grandes fortunas. mas não fica só aí.
    Quando os já ricos vão se apoderando de terras e mais terras, eliminando os pequenos proprietários, os já ricos vão ficando milionários.
    Quando estes dão valor a certas obras que passam a ser reconhecidas como obras de arte, de inestimável valor, os milionários passam a ser bilionários.
    Quando estes começam a mexer com o que chamam mundo das finanças (ações, jogos…), a fortuna vai crescendo, e o mundo dá boas vindas aos bilionarios
    Quando estes têm uma grande inspiração, ou seja, conseguir mexer com as mentalidades humanas, dedicam-se a escolarização, a formação dos intelectuais, que inverterão a história humana, estraçalharão o pensamento humano, incentivarão a formação de ideologias, a aniquilação por guerras, e o tratamento supostamente de ajuda com a filantropia, então já teremos trilionarios a nos conduzir
    Esta gentalha, faz do roubo, do assassinato dos inimigos e dos matrimônios em família, leis a serem cumpridas em sigilo.
    Quando finalmente se organizam em corporações empresariais, especialmente tecnologias de ponta, drogas e armas, então começam a ser donos invisíveis de países e da humanidade em geral. Nossos donos são então chamados de multimilionários.
    Olha, Ivan, certo ou errado, fraco ou incompleto, é assim que eu penso.

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