As vitimas inocentes da “Guerra ao Terror”: as contas

Portal de notícias Zap.AEIOU, título:

“Erro trágico”. Pentágono admite que ataque com drone em Cabul não matou terroristas, mas civis

Pena que o conteúdo do artigo seja bem pior: um estudo independente concluiu que, desde 11 de Setembro de 2001, os Estados Unidos mataram entre 22 mil e 48 mil civis vítimas de ataques aéreos. Mas dado que a maioria das pessoas limita-se a ler as letras “grandes”, um título destes é sem dúvida mais soft e não irrita ninguém porque afinal um errozinho pode sempre acontecer, não é?

Nós por aqui somos curiosos e até vamos ler as letras mais pequenas.

De acordo com os cálculos do site Airwars, composto por jornalistas e investigadores de conflitos internacionais que se dedicam a monitorizar os efeitos da guerra nas populações civis, os ataques aéreos norte-americanos mataram entre 22 e 48 mil civis desde 2001.

Os investigadores apontam que a maioria dos meios de comunicação se focam apenas nas mortes dos soldados norte-americanos nas guerras depois dos atentados e ou ignoram as mortes de civis ou referem-nas “quase exclusivamente em generalidades, falando de dezenas, centenas ou milhares”.

O projecto Custos da Guerra da Universidade de Brown estima que 387 mil civis morreram durante a guerra contra o terror, mas o Airwars focou-se especificamente nos ataques aéreos. O site concluiu que o número varia entre pelo menos 22 679 e 48 308 mortos e explica que a grande variação “reflecte os muitos factores desconhecidos quando se trata do sofrimento dos civis em guerra”.

É verdade: a organização no-profit Airways apresentou o estudo Tens of thousands of civilians likely killed by US in ‘Forever Wars’ (“Dezenas de milhares de civis vítimas das ‘Guerras Eternas’ dos EUA). O que são estas “Forever Wars”? É a página da Airways que explica:

Nos dias após as atrocidades terroristas de 11 de Setembro de 2001, em que 2.977 pessoas foram mortas por Al Qaeda em New York, Pensilvânia e Virgínia, o Presidente dos EUA George W. Bush anunciou o início de um novo tipo de guerra, sem fronteiras, limites ou prazos definidos.

“A nossa guerra ao terror começa com a Al Qaeda, mas não termina aí”, disse ele aos americanos. “Só terminará quando todos os grupos terroristas de alcance global tiverem sido encontrados, detidos e derrotados”.

“Os americanos não devem esperar uma batalha, mas uma longa campanha diferente de qualquer outra que alguma vez tenhamos visto. Pode incluir ações dramáticas visíveis na televisão e operações secretas”.

“Cada nação em cada região tem agora uma decisão a tomar: ou está connosco ou está com os terroristas”, concluiu.

E assim aconteceu. A Guerra contra o Terror tem sido um esforço quase global. Em 2017, por exemplo, o Departamento de Defesa dos EUA disse que tinha cerca de 8.000 “operadores especiais” em 80 países em todo o mundo.

Denominado “Forever Wars”, este conflito não teve fronteiras territoriais claras, embora tenhamos incluído no nosso conjunto de dados as sete mais intensas campanhas militares dos EUA. Os tipos de conflito variam significativamente, mas enquadram-se amplamente em três categorias:

  • Invasões completas e ocupações de países – Afeganistão 2001-2021, e Iraque 2003-2009.
  • Grandes campanhas de bombardeamentos contra o grupo terrorista estatal islâmico – Iraque 2014-2021, Síria 2014-2021, e Líbia 2016.
  • Campanhas de bombardeamentos e ataques aéreos mais direccionados dos EUA contra grupos militantes e terroristas – Somália 2007-2021, Iémen 2002-2021, Paquistão 2004-2018, e Líbia 2014-2019.

Com base em dados militares oficiais, a conclusão é que os EUA realizaram um mínimo de 91.340 ataques aéreos ao longo dos 20 anos da Guerra ao Terror.

Com números deste alcance, e sem esquecer a ampla janela temporal, a metodologia torna-se fundamental: neste sentido, Airways reconhece que “os mecanismos de monitorização de danos civis têm variado e evoluído extensivamente ao longo dos últimos 20 anos, e raramente são consistentes entre organizações e campanhas”. Por outro lado, o conjunto de dados nos quais a investigação está baseada foram tornados públicos pela mesma Airways e foram escrutinados por vários peritos na matéria.

Resumindo, e considerando todas as implícitas dificuldades da tarefa, o estudo representa uma primeira séria tentativa para quantificar o número de civis vítimas da Guerra ao Terror.

E aqui é preciso salientar um dado. Tomando como ponto de partida a estimativa menor (22.679) e desejando fazer uma média matemática, descobrimos que ao longo dos últimos 20 anos os EUA mataram 94 civis por mês. Ou 3 por dia.

Repito: é uma média matemática, que não considera os picos de maior actividade militar em que as missões se sucedem sem tréguas ou as alturas de calma. Mas é um número que não pode não impressionar: três civis mortos a cada dia, ao longo de vinte anos. Isso ao considerar a estimativa mais optimista.

Se depois tomarmos em conta a estimativa pior, 48.308 vítimas, então temos 2.415 civis mortos por ano, o que dá mais de 200 por mês. Quase 7 civis mortos por dia, cada dia ininterruptamente ao longo de 20 anos.

Imaginem se o vosso diário favorecido publicasse todos os dias esta notícia:

Também hoje os EUA mataram 20 inocentes.

Impressionante? Sem dúvida. E é exactamente o que aconteceu até hoje desde 2001. Mas, escondida por trás do retumbante nome de “Guerra ao Terror”, a morte daqueles 20 inocentes não apenas “desaparece” como até encontra uma justificação. Porque “a guerra é guerra”, é “normal” que haja baixas. E depois o que faziam aqueles 20 pessoas no meio dos terroristas? Temos a certeza que fossem tão “inocentes”? Este é o percurso induzido seguido pelos nossos pensamentos, de forma consciente ou não.

A verdade é um pouco diferente. Como explica o estudo:

Os beligerantes raramente verificam os efeitos das suas próprias acções e mesmo assim fazem-no de forma deficiente. É deixado às comunidades locais, à sociedade civil e às agências internacionais a contagem dos custos.

A maioria dos meios de comunicação concentra a atenção apenas nas mortes dos soldados norte-americanos e ignora as mortes de civis. Quando forem consideradas, estas últimas são apresentadas ao falar de dezenas ou centenas de baixas, juntando tudo num anonimado que não deixa marcas na nossa consciência.

 

Ipse dixit.

Imagem: Sanaa, Yemen, 2015, fonte Reuters via Toward Freedom

One Reply to “As vitimas inocentes da “Guerra ao Terror”: as contas”

  1. Olá Max e todos:
    Eu nem sei o que pensar. Na antiguidade tenho lido que Gengis Kan teria autorizado a matança de 1 milhão, 700mil, e poucos muçulmanos. Deve ter sido porque gritavam: Alá é deus e Maoma o seu profeta.
    Na casa dos milhões foram exterminados os ´nativos do território norte americano. Pois tinha uma estrada de ferro a ser construída. Também na América de baixo havia que derrubar montanhas de ouro e prata…então outros milhões de nativos.
    E os torturados e queimados vivos pela inquisição? Terão assassinado na casa do milhão?
    Quantos foram massacrados por franceses na então chamada Indochina somados aos assassinados pelo exército dos EUA no Viietname, Laus e Cambodja ?
    E nas colônias da Grã- Bretanha em territórios tantos que em seus domínios o sol nunca se punha?
    E nas colônias africanas dos europeus?
    E para a construção de São Petersburgo por Pedro, o “grande”?
    Os meios de comunicação atual só sabem falar das guerras mundiais da modernidade, no holocausto judeu e na revolução russa. Porque tudo é propaganda em favor dos que ora dominam.
    Mas a chacina é, e sempre foi permanente. Em matéria de humanos dominantes só podemos nos referir à barbárie.
    Mas nunca os dominantes foram tão poderosos, mas tão poucos. verdade que bastante invisíveis.
    E nós que somos maioria? Estamos mais preparados para enfrentá-los ? A minha incerteza sobre essa questão é que me faz não ter grandes ilusões.
    E se os que dominam fossem alvo de “terrorismo” ? Melhoraria o grau de barbárie no mundo ? Haveria paz verdadeira, sem ânsias de poder de dominação, sem pilhagem de riquezas alheias, sem fome e sem mentiras ? Difícil, muito difícil…

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