Afeganistão: afastado o perigo de guerra civil

O Panshir foi conquistado em apenas quatro dias, com muito poucas perdas em ambos os lados. Porque os tajiques desistiram da luta contra os talibans. O filho de Massoud, Ahmad Massoud júnior, após as suas proclamações bombásticas de que estava preparado para lutar até à morte (proclamação bem amplificada pela imprensa ocidental que falava em “várias regiões que resistem”), fugiu para o Tajiquistão com o antigo vice-primeiro-ministro Amrullah Saleh. E não é simpático mudar de País enquanto os teus pares lutam contra o ocupante estrangeiro: não basta ser o filho do “leão de Panshir” para familiarizar-se com o combate e sobretudo para ter o carisma necessário.

Além disso, os jornalistas ocidentais que conseguiram chegar ao Panshir, notaram com surpresa que muitos tajiques estavam inscritos na causa taliban. Foi também devido ao conhecimento da zona, um cruzamento muito intrincado de pequenos e profundos vales, até ontem considerados inexpugnáveis, que a batalha foi breve e quase sem sangue.

Na verdade, o facto de muitos tajiques se terem tornado talibans não é uma surpresa: a contínua ocupação americana, com as suas dezenas de milhares de vítimas civis causada principalmente pelos bombardeiros, tinha acabado por compactar todos os afegãos ou quase: Talibans, não-Talibans e até anti-Talibans. E entre os “anti-Talibans” havia, acima de tudo, os tajiques, adversários históricos, com um dente envenenado porque o Mullah Omar e os seus homens os tinham vencido durante a guerra civil de 1994-1996, levando Massoud (o pai) de volta a Panshir e forçando os outros senhores da guerra, como Ismail Khan e Gulbuddin Hekmatyar, a refugiarem-se no Irão e o usbeque Rashid Dostum a fugir à pressa para o País dele.

Fonte: BBC

Esta é a notícia mais importante e reconfortante a sair do Afeganistão. Porque isso significa que não haverá guerra civil entre Pashtuns (que formam o principal grupo étnico dos Talibas) e Tajiques como alguns temiam e talvez esperassem. Não haverá aquele conflito civil entre “senhores da guerra” a que o Mullah Omar tinha posto fim em 1996.

Entretanto, os Talibans tentam apresentar-se da forma mais tranquilizadora possível. E bem precisam.

Depois de tomarem o poder, proclamaram uma amnistia geral para todos os afegãos que, mesmo a níveis elevados, tivessem colaborado com os ocupantes. Além disso, o novo governo liderado pelos Talibans precisa de técnicos, engenheiros, médicos e pessoal especializado para reconstruir um País devastado por vinte anos de guerra e não pode dar-se ao luxo de ser demasiado fundamentalista neste ponto. Não podem dizimar legiões de funcionários com experiência só para fazer um favor a Allah porque depois são eles que têm que trabalhar com aquilo que sobrou.

Além disso, e pela mesma razão, o governo Taliban enviou uma carta oficial a Martin Griffiths, Secretário Adjunto para os Assuntos Humanitários da ONU, na qual se compromete a “remover todos os obstáculos à ajuda, proteger a vida dos trabalhadores humanitários, não entrar nas bases da ONU e de outras ONGs, pedindo também ajuda à comunidade internacional para a reconstrução e a luta contra o tráfico de droga.

O problema da escola permanece. É muito difícil para os Talibans renunciar a uma das suas obsessões: a separação dos edifícios para estudantes masculinos e femininos. As aulas mistas serão certamente excluídas, mas não é uma tragédia. Quanto aos currículos escolares que serão estabelecidos pelo Ministro da Educação, quer sejam completamente baseados na Sharia ou abertos à cultura ocidental não é nossa preocupação.

 

Ipse dixit.

One Reply to “Afeganistão: afastado o perigo de guerra civil”

  1. Olá Max e todos:
    É muito engraçado, mais cedo ou mais tarde, os países ocidentais terem de reconhecer um grupo de “terroristas” surgidos de camponeses em resistência à dominação estrangeira, no Afeganistão, os Talibãs, como dignos mandatários do seu país.
    Parece, dadas as primeiras orientações definidas por esses novos mandatários, que sua suposta ferocidade está longe de se comparar com a daqueles “meninos” estadunidenses + mercenários de todo mundo + Al – Qaida, Isis etc treinados com a ferocidade compatível com a dos generais do país das liberdades.
    Só lastimo que crimes de guerra cometidos por reais criminosos de guerra quase nunca são reconhecidos e punidos pelos tribunais internacionais. Claro que eles existem para dar a aparência que a justiça tarda mas não falha, e realmente punir alguns inocentes esquecendo centenas de criminosos da guerra que são reconhecidos, amedalhados , maravilhosamente bem situados no “sistema” dando continuidade ás suas tendências de torturadores e assassinos.
    Acho que não preciso citar nomes, ocupações e endereços, não é mesmo? Ou precisaria?

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