A economia nas sociedades primitivas

O homem é um ser social e não um ser económico.

Aristóteles

 

É possível uma sociedade sem Estado, sem “partidos políticos”, sem “livre mercado”, sem Finança, onde o trabalho não é o principal regulador das existência?

Claro que sim: os homens do Paleolítico não tinham bancos de investimento nem trabalho assalariado e, mesmo assim, conseguiram sobreviver ao longo de várias milhares de anos. Como fizeram? Mistério… Mas este é o passado: seria possível viver daquela maneira hoje? Seria viável agora uma sociedade onde não exista o dogma da produção?

A resposta teórica é “sim, sem dúvidas”. A resposta prática é “não, nem pensar”.

“Sim, é possível” porque ainda hoje existem sociedades cuja existência está baseada em conceitos diferentes dos nossos. E neste artigo iremos conhecer algumas delas.

“Não, nem pensar” porque estamos drogados. Todos nós, completamente drogados, hipnotizados. Aos nossos olhos é impensável uma forma de viver que seja tão diferente da actual. Foram preciso séculos para confundir nas nossas mentes os conceitos de “trabalho” e de “lucros”: e foram séculos de violência em grande escala para condicionar o pensamento. Mas conseguiram: guerras, conquistas e escravatura têm desempenhado um papel central na transformação das economias humanas em economias de mercado. Porque é isso que somos hoje: só mercado.

Em Italia, hoje mesmo acabou o confinamento obrigatório e chegou a notícia: o Estado irá reembolsar 10% de todas as compras efectuadas até o próximo Junho (se pagas com cartão bancário: os bancos querem a parte deles, como é óbvio). Ficaram fechados em casa semanas seguidas? Um desconto para visitar parques naturais? Nada disso: é altura de fechar-se outra vez, mas agora nas lojas. Normal: esta é a vida do Homem Económico. Produz, consome, morre.

Para compreender como é que chegámos até este ponto seria preciso ir atrás, visitar a história dos Estados modernos, dos administradores do Capitalismo, do dinheiro… mas não é disso que vamos falar. Por aqui vamos tratar de quem vive de forma diferente.

A economia da abundância

Em primeiro lugar afastamos o mito de que nas “sociedades primitivas” exista apenas uma economia de subsistência, algo capaz de assegurar o mínimo necessário para garantir a sobrevivência. E também apagamos a ideia de “sociedades imóveis”, incapazes de mudar com o passar do tempo. Não é assim que as coisas funcionam: estas sociedades, longe de expressarem exclusivamente fixidez e repetição, encontram-se inseridas no fluxo da História. São os encontros entre diferentes culturas, migrações e transformações  que moldam continuamente a cultura. E não podia ser de forma diferente.

Os estudos etnológicos e a investigação no campo sobre os caçadores e os recolhedores indicam uma média de três a cinco horas de produção de alimentos por dia por cada trabalhador. Entre os Hanunoo das Filipinas, por exemplo, mulheres e homens dedicam uma média de 1.200 horas por ano ao cultivo, uma média de três horas e vinte minutos por dia.

O mito do “selvagem” condenado a uma existência quase animal é só isso: um mito. A análise de Marshall Shalins (antropólogo estadounidense, conhecido pelos trabalhos na área do Pacífico) mostra que a economia dos primitivos não é uma economia de miséria, mas, pelo contrário, as sociedades primitivas são as primeiras verdadeiras sociedades de abundância. É a sociedade ocidental contemporânea aquela da fome e da pobreza: mais do que um terço da humanidade vai para a cama todas as noites com fome. Hoje em dia, na era das maiores realizações técnicas, a fome é uma instituição.

Segundo Pierre Clastres (antropólogo francês), a sociedade “primitiva” é uma estrutura que funciona sempre abaixo das suas possibilidades e que poderia, se o desejasse, produzir rapidamente um excedente. Se isto não acontece, é porque as sociedades primitivas não o querem. Australianos e Bosquímanos, estes últimos a viver no Kalahari (entre a África do Sul, Namíbia e Botswana), uma vez atingido o objectivo alimentar que tinham proposto, cessam a caça e a recolha, pois sabem que as reservas alimentares são permanentemente incorporadas pela Natureza. No seu texto, Marshall Sahlins também desmistifica o pensamento que assume o produtivismo contemporâneo como sendo a medida de todas as coisas. Nas sociedades primitivas, pelo contrário, o processo de trabalho é sensível a interferências de vários tipos, sujeito a interrupção em benefício de outras actividades importantes, tais como um ritual propiciatório, frívolo ou até o repouso. O dia de trabalho tradicional é muitas vezes curto e, se se prolongar mais do que o esperado, sofre frequentes interrupções.

Contra a economia

Se o homem primitivo é estranho ao espírito empreendedor e à lógica do trabalho assalariado, é porque não está interessado nisso, não porque não consiga ou porque ignore o facto: simplesmente, não faz parte dos objectivos que persegue.

Nas comunidades dos ameríndios ou da Melanésia, as pessoas tentam produzir o mínimo necessário para satisfazer todas as suas necessidades, um tipo de trabalho hostil à formação de um excedente, uma estrutura que impede que parte da produção caia fora da esfera territorial directamente controlada pela comunidade. Ao contrário das sociedades estatais ocidentais, nestas sociedades as pessoas não vivem para produzir, mas produzem para viver; o modo de produção doméstica nas sociedades primitivas é a produção para consumo, no decurso da qual há um travão constante à acumulação de excedentes e uma tendência para manter o complexo de activos a um nível relativamente baixo. Isso é muito importante: se a produção for exactamente proporcional às necessidades imediatas da família, todo o sistema contém um princípio anti-excesso, apropriado à produção para subsistência não ligada a um salário. Assim que a produção necessária é excedida, pára o trabalho.

Pierre Clastres, no sue “Arqueologia da violência: estudos de antropologia política”, afirma que as sociedades “primitivas” são sociedades “contra a economia”, o que significa que a sociedade primitiva atribui uma tarefa precisa e determinada à produção, impedindo-a de ir mais longe: quando tal não acontece, a economia “ganha vida”, sai do controlo da comunidade, cria separação entre ricos e pobres, a alienação entre indivíduos.

Portanto, falamos aqui: não de sociedades sem economia mas de sociedades contra a economia.

Voltando atrás: nós ocidentais somos incapazes hoje de conceber a Pré-História como uma era de abundância e, comparando o nosso modelo de vida com o dos seres considerados pouco mais do que animais, é mais simples vê-los como brutalizados pela privação, dedicados à procura contínua de alimentos. Não conseguimos, apesar de termos provas disso: como seria possível, numa sociedade em constante penúria de meios, dedicar tanto tempo à construcção de obras exigentes em termos de tempo e recursos? Falamos de Stonehenge, do 3.000 a.C., em pleno Neolítico; de Göbekli Tepe (pelo menos 11.500 a.C.), que é ainda mais impressionante neste aspecto; falámos de todos os complexos megalíticos espalhados pelo mundo fora. A imagem de seres em constante privação, esfomeados, sempre na corda bamba da sobrevivência, choca com o que temos debaixo dos olhos.

Tempo e partilha

Obviamente, o homem primitivo não tinha a percepção do tempo que temos hoje. O que é normal: a vida não era marcada pelo trabalho como actividade central do dia. E isso ainda pode ser encontrado nalgumas sociedades contemporâneas: é o caso dos habitantes de Tikopia, das ilhas Melanésia, entre os quais o trabalho é conduzido no âmbito familiar, de forma lenta, com longas pausas para descansar ou para mastigar betel, uma pimenteira cuja folha é apreciada como estimulante ligeiro.

Outro exemplo interessante de gestão do trabalho é dado pelo povo Kapauku da Nova Guiné: tendo os Kapauku uma concepção equilibrada da vida, pensam que só têm de trabalhar dia sim e dia não. Um dia de trabalho é seguido por um dia de descanso, a fim de recuperar as forças e a saúde perdidas. Esta alternância potencialmente monótona de trabalho e lazer é tornada mais agradável pela inclusão no calendário de períodos de férias mais prolongados, danças, visitas, pesca ou caça.

Elizabeth Marshall Thomas (autora americana que publicou livros sobre comportamento animal e vida paleolítica) escreve que os Sãs (caçadores-coletores da África Austral, cujos territórios abrangem Botswana, Namíbia, Angola, Zâmbia, Zimbábue e África do Sul) não possuem nada e dão tudo o que passa pelas mãos deles. Na vida do “primitivo” é costume dar: na vida social dos Hazda (grupo étnico da Tanzânia que vive à volta do Lago Eyasi) a carne é dividida entre todas as pessoas da aldeia, independentemente da relação entre elas. Não é um sistema baseado na troca: há poucos caçadores bem sucedidos em cada comunidade, no entanto todos têm direito a uma parte de qualquer caçada. O desejo de dar algo a alguém não requer necessariamente reciprocidade; na vida dos indivíduos das sociedades “primitivas” a ênfase é colocada na partilha e não na troca.

Doutro lado: por qual motivo trocar? A Natureza encarrega-se de fornecer tudo o necessário. Entre os Andamanes (habitantes das Ilhas Andamão, na Baía de Bengala), preguiçosos ou indefesos recebem comida de qualquer forma, apesar da possibilidade ou da certeza de falta de reciprocidade. Entre os Arunta (um grupo de tribos australianas baseadas na região noroeste das Montanhas Macdonnel), na época de escassez, todos partilharam o que estiver disponível, independentemente de idade, sexo e estatuto parental.

Inuit

Os Inuit são um dos dois principais grupos em que estão divididos os esquimós (o outro é o grupo dos Yupik). São os habitantes originais das regiões costeiras árcticas e sub-árcticas da América do Norte e da ponta nordeste da Sibéria, lugares em que o clima natural torna difícil a vida dos seres humanos habitarem. O seu território é composto principalmente de tundra, baixas planícies, sem árvores, onde existe uma camada perpétua de permafrost, excepto em algumas e limitadas zonas durante a curta estação de Verão.

A organização da sociedade Inuit baseia-se substancialmente na solidariedade entre aldeias; a propriedade é, na sua maioria, colectiva e a família é geralmente pequena. Esta solidariedade, este apoio mútuo dentro da comunidade, é realmente muito forte, tanto que na vida dos Inuit, em tempos de escassez alimentar, não poucas vezes é o caçador e a família dele que sofreram a fome, porque a generosidade é a regra dominante.

E é particularmente interessante realçar a presença do mesmo princípio em comunidades tão distantes entre elas mas todas caracterizadas pela não existência de estruturas quais Estado ou mercado.

Iroqueses

Outra comunidade em destaque fica num panorama completamente diferente: os Hau-dè-no-sau-nee (mais conhecidos como Iroqueses) habitam a região dos Grandes Lagos, na fronteira entre Canada e Estados Unidos.

Também para esta comunidade norte-americana, a obrigação é partilhar alimentos e qualquer outra coisa. A partilha é uma necessidade básica, a base da moralidade quotidiana numa sociedade cujos membros se consideram todos iguais. Entre os Iroqueses a partilha não é apenas uma regra, mas um dos grandes prazeres da vida. Os relatórios sobre os nativos norte-americanos por parte dos primeiros missionários incluíam quase sempre reflexões desanimadoras sobre a generosidade indígena em tempos de fome, generosidade reservada mesmo aos estranhos.

Entre os Iroqueses o trabalho é totalmente alheio ao excedente ou à remuneração. As tribos da Confederação Iroquesa, antes da colonização, não conheciam nenhum conceito de propriedade privada e o trabalho consistia numa esfera variada de tarefas para toda a comunidade que nunca ocupava demasiadas horas por dia.

Estas comunidades desenvolveram um sistema económico muito diferente daquele que actualmente domina o Ocidente, caracterizado por elementos tais como a propriedade comum da terra e um comércio baseado principalmente na economia do dom.

Dar, receber, devolver

Partindo de todos estes exemplos, Marcel Mauss (antropólogo e sociólogo francês) escreveu em Ensaio sobre o Presente como a invenção do Homem Economicus seja na realidade uma coisa muito recente. Mauss resume o funcionamento de uma economia baseada em três obrigações: dar, receber, devolver. Estas três leis criam um círculo, porque o presente é como um fio que tece uma relação entre pessoas diferentes, mesmo entre pessoas que não se conhecem umas às outras. Em todas as sociedades, diz Mauss, a natureza peculiar do presente cria uma situação de mútuo “endividamento”: nada de juros por aqui, mas laços e sentido de solidariedade através dos quais, no final, cada um sabe que recebe mais do que deu.

Outro aspecto da sociedade iroquesa é a divisão do trabalho, que reflecte a divisão dualista típica daquela cultura. Um dualismo aplicado na forma em que cada um dos sexos adquiriu um papel claramente definido que complementava as tarefas do outro. As mulheres realizavam todo o trabalho relacionado com os campos enquanto os homens eram responsáveis por tudo o que estava relacionado com a floresta, incluindo o fabrico de objectos de madeira. Esta atribuição de tarefas baseada no género e/ou na idade é algo que pode ser encontrado com frequência nas sociedades “primitivas” e obriga a uma reflexões.

A divisão do trabalho segundo a idade e o sexo é uma característica universal das sociedades humanas; uma separação que potencialmente pode criar um conflito mas que também produz interdependência e mutualismo. Uma divisão especializada do trabalho como na “nossa” sociedade ocidental, por outro lado, cria mais facilmente uma hierarquia de profissões, algumas das quais envolvem considerável prestígio e poder (advogados, políticos, professores, médicos) enquanto outros trabalhos são considerados inferiores e alguns até desprezáveis. Esta especialização do trabalho contribui significativamente para a criação da dominação e do caminho que conduz à criação do Estado. A nossa especialização cria faixas sociais baseadas exclusivamente no trabalho praticado e na riqueza por este produzido.

Pistas

Concluindo, as sociedades “primitivas” não experimentaram a contradição de trabalhar para produzir um inútil excedente ou para uma moeda, não obedeceram a um “patrão” ou a uma empresa: trabalhavam para a comunidade na qual se reconheciam. O aspecto característico da economia primitiva é a ausência de qualquer desejo de obter lucro.

Algumas das sociedade acima descritas foram “civilizadas”: é o caso dos Inuit e dos Iroqueses. Outras persistem, mas é claro que o espaço delas está a ficar cada vez mais reduzido. A dúvida é: seria possível implementar na nossa sociedade as experiências delas? Aqui volta o “Não, nem pensar” da início: não há maneira, seria preciso ré-escrever por completo as nossas regras.

Todavia, podemos encontrar naquelas comunidades “pistas” para criticar a absurda lógica do trabalho assalariado que destrói as nossas vidas, o “livre mercado”, o uso da moeda. Que fique claro: nem tudo é perfeito nas comunidades “primitivas”, nenhuma delas é um paraíso. Pelo que, nem tudo deve ser tomado como exemplo, basta pensar na rígida separação no trabalho com base no género (o que, com todos os géneros reconhecidos hoje, criaria não poucos problemas…). A questão aqui não é voltar a viver numa caverna para acordar de manhã com o doce rugir dum urso à porta.

No entanto, olhando para trás e para os poucos exemplos ainda existentes, é possível entender como é importante voltar a produzir para a comunidade e não apenas para os salários; como é importante a gestão colectiva do trabalho; como é fundamental não fazer com que todos os produtos se tornem mercadorias; podemos colocar a ênfase no apoio mútuo e no presente em vez de dinheiro e lucro. E podemos facilmente compreender que trabalhar demasiadas horas por dia tira a alegria da vida e oculta o verdadeiro sentido dela (seja ele qual for: de certeza não poder ser trabalhar para enriquecer o mercado). Tudo isso é excepcionalmente importante porque, como dizia Aristóteles, o homem é um ser social e não um ser económico: estamos a fica cada vez afastados da nossa natureza.

O trabalho não pode ser único nem o principal marcador da nossa existência também porque, na sociedade ocidental, representa uma das mais fortes motivações para aquele poder coercivo que tem servido para construir o esqueleto da sociedade capitalista, prontamente defendido por todos os quadrantes políticos (sem excepções) que idolatram o trabalho e, consequentemente, o mercado.

 

Nota: para este artigo utilizei como base o estudo de Andrea Staid Contro la gerarchia e il dominio: potere, economia e debito nelle società senza Stato.

 

Ipse dixit.

7 Replies to “A economia nas sociedades primitivas”

  1. Nota: hoje era para publicar a terceira e última parte da série dedicada ao Satanismo mas, dado que “furei” o lockdown o dia todo, já não tenho tempo e fica para amanhã. Peço desculpa pela demora.

  2. Tudo certo e coerente mas, só com um “antropo-reset” poderia existir a possibilidade de mudar a mentalidade de mais de 7.000.000.000 de loucos.
    Voltei a ouvir “noticias” do Nibiru na internet, acho que ele resolveria esse problema rapidamente.

  3. Alguns pontos são chaves para entender tamanha reviravolta: civilização, qdo sumérios e arcadianos passam a estratificar a vida urbana como acima da vida camponesa; cunhagem de moedas (forma primitiva do dinheiro), sistematização (e posterior institucionalização) de religiões que através de mitos/lendas legitimaram grupos prevalecentes; difusão da ideologia civilizatória via criação/desenvolvimentos de conceitos/ideias/valores, alinhados a interesses desses grupos, e que produzirão o sectarismo entre as massas em suas mais variadas formas, que instigadas pela sedução do dinheiro, foi levada a um novo patamar de ambição, ambição que combinada com o instinto predador do bicho homem, sempre será a antessala da ganância e da cobiça.

  4. Olá Max: gestão do trabalho coletivamente, trabalho e propriedade coletiva.
    Antigamente estes modos de vida faziam parte dos ideários comunistas e, especialmente anarquistas.
    Livros e mais livros escreveram os anarquistas sobre teoria e prática da apropriação de fábricas, de terras para cultivo e vida coletivas. De tantos, eu li alguns.
    E hoje me pergunto se os que chamam este caos de exploração e domínio do homem pelo homem de socialismo, comunismo, anarquismo, ou são totalmente ignorantes no assunto, ou são totalmente mal intencionados., e querem confundir tudo.
    Enfim, faz já 20 anos iniciei meu experimento particular aqui onde ainda vivo, como qualquer um, e meu relacionamento com pessoas que fazem o que já não posso fazer é puramente comercial.
    Tenho fama de boa pagadora porque nunca atrasei um dia de pagamento, e todos querem trabalhar para mim porque pago muito mais que o normal por aqui.
    Mas naquele tempo adquiri uma parcela de terra e me dispus a modificar o contrato, fazendo todos os dispostos a trabalhar comigo em igualmente proprietários. Ninguém quis, e eu me conformei com a gestão e o trabalho coletivo para o uso de todos.
    Tentei por 10 anos, mas a compreensão do que eu tentava e a aceitação foram insignificantes. Toda sugestão que eu desse era ordem da patroa, mesmo eu afirmando que nunca havia trabalhado na terra ou criado animais domésticos.
    Todos queriam “ter o que é seu, trabalhar pela sua família, ganhar o seu dinheiro”. Essa sempre foi a ideia de liberdade, e o certo a fazer.
    Eu era apenas uma patroa “poderosa” (tinha apostado tudo que eu tinha no lugar e construções, cultivo e animais). Minha ideia de liberdade baseava-se na solidariedade, na igualdade, na alegria pelo bem comum.
    Dez anos mais tarde, depois de tudo perder, principalmente os sonhos, me desfiz dos animais, abandonei a maior parte do terreno, e ainda discuto na justiça com uma suposta sócia, por quem tinha toda a confiança, a propriedade da casa principal.
    Enfim continuo aqui numa casa menor dentro do terreno, isolei um pequeno pedaço para jardim, e mantenho dois funcionários, justamente os pais da menina que se criou numa perspectiva comunitária, mas que aos 13 anos também desistiu.
    Não tenho como defender estes ideais agora; tarde demais para mudar mentalidades tão profundamente.
    Hoje compreendo que era eu que, como se diz, deveria procurar “a minha turma”. povos que tinham a mentalidade daqueles que eu gostaria de conviver Tomei o caminho errado aos 50 anos quando ainda tinha bastante para oferecer.
    Hoje, aos 70, também é tarde demais. Mas não me arrependo, aprendi muito, mas muito mesmo, e ter aprendido me faz feliz.
    Caso contrário não poderia dizer o que digo aqui.

    1. ‘Hoje compreendo que era eu que, como se diz, deveria procurar “a minha turma”.’
      Tocou-me fundo a sua constatação, pois é exatamente como eu me sinto.
      O “caminho errado” tomei-o aos 30, hoje nos 50 para onde quer que olhe nem um só da “minha turma” vejo por perto. Essa é a lição que tirei… na vida, devemos procurar por aqueles que de coração e espírito são nossos semelhantes e ficar junto ou por perto. Mais do que aprender algo, o importante é encontrarmos a felicidade na convivência dos que nos acompanham pelo caminho. Agora ficou muito difícil, a bagagem tá pesada. Pode ser que ainda venha a tentar uma vez mais, mas confesso não ter muita fé… a vida é o que nos acontece, enquanto nos ocupamos a fazer planos.

  5. Devemos nos perguntar: Quantos de nós preferiria sua auto sustentação, mesmo que isso acarretasse enorme força de trabalho ou o que acabou acontecendo, a sujeição advinda da divisão do trabalho?

  6. Na verdade o que ocorreu e ainda existe entre nós são parasitas, parasitas mesmo, literalmente, infestaram o intestino e passaram a comandar o cérebro, fazendo imperativo o desejo de dominar uns aos outros, conquistar cada vez mais. Bem representado na bíblia pelo “pecado” original , esse vírus é bem notado quando se lê sobre o império Romano, que disseminou a “cultura” ocidental e contaminou quase 100% dos homo sapiens. Agora só matando o hospedeiro.

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