O pronunciamiento

Conta o simpático Foreing Policy, órgão do Council on Foreign Relations (Conselho das Relações Externas):

Em finais de Novembro, oficiais superiores reformados das forças armadas espanholas enviaram duas cartas directamente ao Rei Felipe VI expressando preocupação com o governo ‘social-comunista’ de Madrid e a ameaça que este representa para a unidade da pátria. Uma das cartas é assinada por 73 antigos oficiais de alta patente do exército, a outra por 39 oficiais reformados da força aérea que se dirigem expressamente ao monarca como chefe das forças armadas; comprometem-se a ser leais à “pátria”, à “coesão nacional”. Mas esta “coesão nacional”, afirmam, foi enfraquecida pelo governo minoritário liderado pelo Primeiro Ministro socialista Pedro Sánchez.

Estas cartas são tecnicamente um pronunciamiento, um termo pesado na história ibérica. Reza Wikipedia (versão espanhola):

Um pronunciamento é um eufemismo para indicar rebeliões militares, insurreições ou golpes de Estado, […], característicos do século XIX.

Exemplos?

Um pronunciamento notável foi feito pelo Tenente Coronel Rafael Riego em 1 de Janeiro de 1820 contra o Rei Fernando VII. Outro pronunciamento bem sucedido foi a rebelião de Setembro de 1868 contra a Rainha Isabel II de Espanha, liderada pelos Generais Prim e Serrano.

Um das mais importantes foi o do General Martínez Campos em Sagunto, a 29 de Dezembro de 1874, que significou a Restauração dos Bourbones em Espanha, o fim do Sexénio Democrático (1868-1874) e da Primeira República Espanhola (1873-1874). Outro pronunciamento importante foi a rebelião do General José Sanjurjo contra a Segunda República Espanhola em 1932, conhecida como “la Sanjurjada”, embora esta tenha sido infrutífera e tenha envolvido o exílio do seu líder.

E o novo pronunciamiento não é o único: a 6 de Dezembro, aniversário da aprovação da nova Constituição espanhola (aprovada por referendo em 1978), surgiu uma carta-manifesto de altos funcionários reformados, na qual o governo espanhol liderado pelos socialistas é descrito como “um sério risco para a unidade de Espanha e a sua ordem constitucional”. O documento foi assinado por 271 membros reformados das forças armadas, aos quais foram imediatamente acrescentadas outras 200 assinaturas, “incluindo as do sobrinho de Franco, Cristóbal Martínez-Bordiu Franco, do Comandante Ricardo Pardo Zancada, condenado a 12 anos de prisão pelo seu papel na tentativa falhada de golpe de 1981, e do Tenente-General José María Mena, preso por sugerir em 2006 que o exército teria de intervir se a Catalunha fosse longe demais […] e o Major General Juan Chicharro, presidente da Fundação Francisco Franco, que glorifica a memória do ditador espanhol e será declarado ilegal ao abrigo da nova lei de memória histórica.” como relata o diário espanhol El País.

Acrescenta o alemão Deutsche Wirtschaft Nachrichten:

Em Dezembro de 2020, o website Infolibre publicou uma série de mensagens de um grupo privado de chat WhatsApp de oficiais superiores reformados da Força Aérea Espanhola discutindo a situação política. O grupo de conversação apelou abertamente a um golpe contra o actual governo espanhol. Três soldados foram presos mais tarde. Pertencem a um grupo que anteriormente tinha participado numa “festa fascista” num aeroporto militar. A 6 de Janeiro de 2021, o Tenente-General aposentado Emilio Pérez Alamán enviou uma carta à Ministra da Defesa espanhola Margarita Robles, exortando-a a mudar o rumo do actual governo.

Em Espanha existem várias associações, fóruns e outras organizações onde antigos e activos membros das forças armadas se reúnem para discutir a situação política no País. O Chefe de Estado Maior Miguel Ángel Villarroya professar lealdade ao governo de modo a não cometer uma violação da Constituição, mas não importa o que Villarroya e outros membros do Estado Maior dizem: o perigo de um possível golpe pode também, e especialmente, vir das fileiras militares inferiores.

Em 2018, 181 antigos oficiais de alta patente já tinham-se comprometido com um manifesto para aprovar as medidas de Francisco Franco contra os comunistas e a Esquerda. O manifesto foi assinado, entre outros, pelo antigo chefe do exército espanhol, o General Juan Enrique Aparicio. Aparicio esteve em serviço até 2016. O antigo militar está particularmente preocupado com o facto do actual governo querer conquistar os jovens espanhóis lançando uma “campanha de difamação”, afirmam eles, contra o antigo ditador Franco.

A Espanha militar aquece. Os militares espanhóis estão insatisfeitos com o actual governo, não desde hoje: os fantasmas e as sombras do passado persistem. Mas…

Em condições normais, o barulho dos sabres não suscita simpatia por parte do público hispânico, muito progressista. Mas agora há algo diferente: o País está a afundar-se na sua pior recessão desde a Guerra Civil, há mais de 80 anos. Antes do Coronavírus, a Espanha estava a crescer mais rapidamente do que outros Países europeus, com um média de +2.5% nos últimos três anos, porque a União Europeia permitia-lhe registar regularmente défices anuais bem acima dos 3%, algo proibido em outros Estados Membros. Espanha era assim um motor económico. Mas três meses de encerramento deixaram espaços públicos e bolsos privados vazios. No segundo trimestre de 2020, Espanha teve o pior desempenho da Zona Euro; o PIB caiu 12.5%, o dobro da contracção que a Alemanha sofreu. O turismo, que representa quase um terço do PIB nacional, tem sido destruído por sucessivos e cada vez mais duros confinamentos obrigatórios. O desemprego está agora nos 20%. E as directivas de encerramento total emitidas contra a “terceira vaga” deixam claro que os danos serão irreversíveis.

Repito quanto afirmado um artigo anterior: acção – reacção. A globalização não pode não implicar o ressurgimento de pulsões nacionalistas também, alimentadas não apenas por nostálgicos como pelos que com a “pandemia” da Covid estão a perder tudo. Não é possível tentar aniquilar inteiros Países e retirar liberdades aos cidadãos sem que isso provoque um sentido de revolta.

É normal que os primeiros sinais de insurreição organizada cheguem do âmbito militar, sobretudo se neste ainda podemos encotrar elementos que até poucas décadas atrás estavam do lado “errado” da História. E de certeza não ajuda o facto da monarquia espanhola estar a enfrentar a sua mais profunda crise institucional desde a restauração em 1975. As revelações das alegadas actividades ilegais de Juan Carlos I minaram significativamente o prestígio desta instituição, colocando a monarquia ibérica numa situação cada vez mais difícil nos últimos tempos: é um pilar da sociedade espanhola que está a enfraquecer-se.

Mas seria um erro grosseiro limitar tudo a um regresso do Fascismo. Até ontem, como afirmado, a Espanha era tendencialmente progressista. Na vizinha França, que notoriamente fascista não é, as sondagens vêem Marine Le Pen na frente com 24 – 27% nas intenções de voto e Macron apenas com 23 – 26%; mesmo cenário em Italia, com a Direita que avança. Porque se os progressistas são estes, é normal que o cidadão deseje uma mudança radical: o “quase-pronunciamiento” espanhol não pode ser dissociado da vaga de insatisfação. Os lockdowns não reduziram a Covid ou a sua propagação mas mataram milhões de empregos, causando devastação económica generalizada, falências e pesadas perdas de rendimentos. E o Green Dial da União Europeia promete piorar ainda mais o cenário.

Observem a seguinte tabela: trata-se da última previsão económica da Comissão Europeia, publicada em Novembro de 2020.

As previsões para 2021 são sem dúvida optimistas, mas há um pequeno pormenor: não tomam em conta o desenvolvimento da “pandemia”. Em Portugal, provavelmente já a partir desta semana haverá um novo recolher obrigatório durante 15 dias ou um mês, ao mesmo tempo que a França prepara-se para fazer o mesmo e não é difícil imaginar que outros Países seguirão o exemplo. Para muitas pequenas e médias actividades económicas será o golpe da misericórdia, do desemprego nem vale a pena falar.

Além destas últimas, quais serão as recaídas gerais na economia? De certeza não serão positivas. Como vai ficar o humor dos europeus? E num mercado globalizado como o nosso, o que acontecerá no resto do planeta?

A globalização aliada à “pandemia” e aos programas pseudo-ambientalistas (Green Dial) criam e irão criar pobreza e descontentamento: não é preciso ser fascista para entender que algo não funciona como deveria e sentir-se revoltado, pois esta crise vai muito além dos “-ismos” ideológicos. O que está a acontecer em Espanha é provavelmente uma antevisão dos novos focos de “insurreição” que irão surgir em outros Países também: alguns serão politicamente “-istas” ou serão apresentados como tais, outros não terão uma precisa cor partidária ou ideológica. Mas não vamos esquecer o papel das forças armadas ou das forças de segurança no geral.

Dúvida: possível que ninguém tenha previsto este cenário? Não, não é possível: é uma das consequências mais lógicas. Então, como ficamos? Ficamos com cenários bem pouco animadores…

 

Ipse dixit.

6 Replies to “O pronunciamiento”

  1. «…Ficamos com cenários bem pouco animadores…»

    O objectivo do regime da Inglaterra é empurrar os países da Europa novamente para a guerra entre si, conforme fez na 1ª Guerra Mundial (1914 – 1918) e na 2ª Guerra Mundial (1939 – 1945).

    Sempre que o sistema económico Anglo-Saxónico, que é imposto pelo regime Inglês na maioria dos países da Europa e ao redor do Mundo, através da Cidade de Londres, entra em colapso, eles forçam o conflito armado para tudo destruir e voltar a reconstruir sob uma outra fachada que oculta sempre o mesmo funcionamento desse sistema económico/financeiro.

    Neste momento uma parte dos países da Europa tem um problema que os deixa acorrentados, a união europeia (ue), esse projecto Inglês e não dos países Europeus, que já está a ser alvo de contestação e aumentará ainda mais.

    Em alguns países da união europeia (ue) haverá mudanças políticas, que ocorrerão a partir do momento em que chegar a primeira parcela do empréstimo financeiro aos Estados membros, não descartando a hipótese de após o dinheiro ser entregue, começarem as divergências entre países que ditarão o colapso da união europeia (ue) com talvez a Itália a dar o pontapé de saída, o que seria óptimo para acabar com esta situação deplorável a que a Europa chegou (mais uma vez).

    De Espanha, nem bom vento, nem bom casamento, os Espanhóis que resolvam lá o problema de continuar ou não com um regime ditatorial monárquico e clerical, aliás a constituição Espanhola de 1978 foi elaborada por situacionistas.

    Só tenho pena é dos outros países que se encontram sobre o domínio do regime monárquico e clerical de Espanha, como a Galiza e a Catalunha, para citar dois exemplos, pois tanto esses como outros dentro daquele território vão apanhar por tabela.

    P.S.: Max, o sr. Bergoglio foi realmente detido?

  2. Este tipo de manifestações, como esta de Espanha, a acontecer, poderia ser um pontapé de saída para movimentos semelhantes noutros países do mundo.
    O Império deve ter previsto estas dissidências e seguramente deverá ter antídotos adequados. Esperemos que venham dissidências e que venham muitas e em força.

  3. Quem sabe comecemos a destrinchar quem é afinal o squi tão citado “REGIME DA INGLATERRA”? Ingleses são anglos, que são normandos que são escandinavos, por sua vez, saxões abrangiam vários povos germânicos, inclusive os já habitantes da ilha, os celtas. Isso tudo após expulsarem os bretões da ilha para uma região norte do continente europeu, a futura Bretanha. O problema é ignorar que a Inglaterra, após agrupar Escócia e Irlanda, foi controlada pelo capital judaico no periodo pós Lord Protector., e desde então deu inicio ao Chamado Império Britânico.

  4. Olá pessoal
    O mundo está de olho nos acontecimentos nos states . Lá a sujeira do continente se agita, esperneia, baba no próprio vômito…E se pergunta o que mais se pode fazer para matar um único homem. Coisa estranha, mas que pode sugerir coisas mundo afora porque o dito homem resolveu espalhar a sujeira que encobre políticos, sistema judiciário, democracia representativa etc.
    Apesar do silenciamento e mentiras de meios e redes, parte essencial da sujeira, alguns olhares furtivos observam e se dão conta que o impensável acontece, morra ou morra o protagonista principal.

    1. Eu nem quero imaginar o que farão, se o Presidente Trump desclassificar todos os documentos e provas relacionados com lavagem de dinheiro, pedofilia, e ingerência externa nas eleições Norte-Americanas.

      Como disse Hillary Clinton em Outubro de 2016:

      Se esse bastardo filho da p… ganhar, estamos todos tramados! Cuidem para que isso não aconteça.

      («…If that fuckin bastard wins, we’re all going to hang from nooses! You better fix this shit!…» – Hillary Clinton email to Donna Brazile, DNC Chair, October 17, 2016)

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